Nas Entrelinhas: Nada a declarar

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Acostumado a tomar decisões na alta burocracia, o novo ministro da Justiça não se deu conta de que seu cargo é político

Ao contrário do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, um petista sem carteirinha, o ex-ministro da Justiça Armando Falcão (1919-2010) era um político profissional. Notabilizou-se pelo Pacote de Abril de 1977, durante o governo do general Geisel, que mudou as regras do jogo eleitoral e criou a figura do “senador biônico” na vetusta Casa de Honório Hermeto Carneiro Leão (1801-1856), o Marquês do Paraná, político, diplomata e magistrado brasileiro a quem devemos a “política de conciliação” do Império.

Ex-deputado federal pelo Ceará, na legenda do Partido Social Democrático (PSD), Falcão apoiou o golpe militar de 1964, mas não conseguiu se reeleger pela antiga Arena, em 1966. Saiu do ostracismo, porém, em março de 1974, quando assumiu o Ministério da Justiça no governo Geisel, no qual elaborou o projeto de lei para a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, passou a vigorar no dia 15 de março de 1975. Falcão operou a tentativa de institucionalização do regime militar, uma espécie de “mexicanização” do país, que fracassou.

Sua reforma do Poder Judiciário, que incluía os anteprojetos de reforma do Código Civil, do Código de Processo Penal e da Lei das Contravenções Penais, foi decretada pelo Executivo no autocrático “Pacote de Abril” após o fechamento do Congresso, que se recusou a aprová-la. No ano seguinte, porém, foi o autor da nova Lei de Segurança Nacional, que pôs fim às penas de morte, à prisão perpétua e ao banimento e restabeleceu o habeas corpus. Falcão se recusava a dar entrevistas com um bordão que se tornou famoso à época: “Nada a declarar!”

Havia esperteza no silêncio de Falcão. Do ponto de vista institucional, ele fez o serviço sujo da chamada “distensão lenta, gradual e segura” de Geisel. Essa esperteza faltou ao novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, que assumiu o cargo por indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a missão de desmantelar a força tarefa que investiga o escândalo da Petrobras. Acostumado a tomar decisões na alta burocracia, o novo ministro da Justiça não se deu conta de que seu cargo é político.

A entrevista de Eugênio Aragão ao repórter Leandro Colon, da Folha de S.Paulo, foi um desastre. “A primeira atitude que tomo é: cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe será trocada, toda. Cheirou. Eu não preciso ter prova. A PF está sob nossa supervisão. Se eu tiver um cheiro de vazamento, eu troco a equipe. Agora, quero também que, se a equipe disser ‘não fomos nós’, que me traga claros elementos de quem vazou porque aí vou ter de conversar com quem é de direito. Não é razoável, com o país num momento de quase conflagração, que os agentes aproveitem esse momento delicado para colocar gasolina na fogueira”, disse o ministro.

Investigações

A reação não tardou. A Associação dos Delegados da Polícia Federal estuda a adoção de medidas judiciais e administrativas em caso de “qualquer arbitrariedade” que possa ser praticada pelo ministro. A ameaça de destituição do diretor-geral da PF, Leandro Daiello, reforçou a mobilização da instituição por autonomia orçamentária, administrativa e funcional. O presidente da associação, Carlos Eduardo Sobral, protestou: “A troca do diretor-geral implica a troca de todo o corpo diretivo e pode causar atraso nos processos administrativos e nas investigações criminais”. Cerca de 200 cargos de chefia na PF seriam substituídos, o que paralisaria as atividades investigativas.

A oposição também reagiu. O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) protocolou um mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo que o novo ministro da Justiça seja impedido de transferir qualquer policial que atue nas investigações da Lava-Jato. Alega que as declarações de Eugênio Aragão demonstram a “vontade do governo federal de sufocar o andamento da operação”. O senador Alvaro Dias (PV-PR) protocolou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado um requerimento de convocação do ministro da Justiça para que ele explique suas declarações dadas. “Para a remoção de delegado de polícia, nos termos da Lei nº 12.830/2013, o ato deve ser fundamentado e o fundamento não pode ser com base no “cheiro”, conforme declarou o ministro”, explica Alvaro Dias.

Diante da repercussão, o Ministério da Justiça foi obrigado a divulgar uma nota na qual afirma que não há nenhuma decisão sobre a substituição o diretor-geral da PF. O novo ministro da Justiça foi obrigado a engolir a própria língua em menos de 48 horas.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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