Ministra da Saúde é a pobre menina rica da Esplanada

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Nesta segunda-feira, em rede nacional de tevê, o presidente Lula destacou o programa Farmácia Popular, enquanto a saída de Nísia Trindade já era anunciada nos telejornais como certa

Em 1963, Carlos Lyra e Vinicius de Moraes produziram o musical Pobre Menina Rica, para o qual compuseram uma dúzia canções, uma das quais intitulou a obra. “Eu acho que quem me vê, crê/ Que eu sou feliz, feliz só porque/ Tenho tudo quanto existe/ Pra não ser infeliz/ Pobre menina tão rica/ Que triste você fica se vê/ Um passarinho em liberdade/ Indo e vindo à vontade, na tarde/ Você tem mais do que eu/ Passarinho, do que a menina”, diz a letra da música.

Convidada para ser a voz feminina da peça musical, foi nela que Nara Leão estreou sua carreira profissional em 1963. É uma história de amor de uma moça de classe alta carioca com um mendigo poeta. Muitos acreditam que a musa da bossa nova inspirou a criação da peça, porque nem Lyra nem Vinicius pensaram duas vezes em convidá-la para o musical. Em 1965, Carlos Lyra gravaria a trilha sonora de Pobre Menina Rica, em disco lançado pela CBS, que contou com a participação de Dulce Nunes, Moacir Santos, Catulo de Paula e Telma Soares, um clássico da bossa nova.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, é uma espécie de pobre menina rica na Esplanada. Está sendo fritada sem dó nem piedade pelo PT, para que peça demissão do cargo e abra caminho para que o petista Alexandre Padilha seja transferido da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, uma atividade meio, para o comando da Saúde, ministério estratégico para as políticas públicas do governo. Com um orçamento de R$ 229,39 bilhões — dos quais R$ 90,46 bilhões estão empenhados e somente R$ 30,21 bilhões foram executados até agora, segundo o Portal Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU) —, a pasta também é a mais cobiçada pelos políticos do Centrão.

Essa dança das cadeiras na Esplanada pode coincidir com o carnaval. Nos bastidores do Palácio do Planalto, comenta-se que o presidente Lula teria avisado aos aliados que pretende mesmo substituir a ministra. A reforma ministerial acomodaria no Planalto a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, cotada para ocupar a Secretária-Geral da Presidência, que cuida das relações com os movimentos sociais. Há também uma forte articulação no Congresso para que o deputado federal Isnaldo Bulhões Junior (MDB-AL), ligado ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ocupe o lugar de Padilha.

Leia também: Encaixes da reforma ministerial passam pelo Congresso

O cacife de Gleisi é ter comandado o PT com pulso firme nos seus piores momentos, sem fraquejar na lealdade ao presidente Lula, sobretudo quando ele estava preso em Curitiba. Combativa, casada com o atual líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), entre 2011 e 2024, comandou a Casa Civil, durante o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT). A nomeação também é uma contrapartida pelo seu apoio à candidatura do ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva à Presidência do PT.

Sem escândalos

A situação de Nísia é completamente diferente. Primeira mulher a chefiar o Ministério da Saúde, a primeira também a presidir a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição histórica de ciência e tecnologia e referência internacional, entre 2017 e 2022, Nísia é doutora em sociologia (1997), mestre em ciência política (1989), pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj — atual Iesp), e graduada em ciências sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj, 1980). É ligada ao chamado “partido sanitarista”, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS), sob a liderança do sanitarista Sérgio Arouca, porém não tem apoio dos grupos de saúde privada nem dos conselhos de medicina.

Nísia queixa-se das “especulações desagradáveis” sobre sua saída, vítima que é de clássica estratégia de desgaste à qual ministros são submetidos antes da queda. Poderia ter formado a melhor equipe de sanitaristas do país, mas assumiu o cargo contingenciada por acordo político com o PT, que “ocupou” o ministério. Padilha já era uma “eminência parda” na pasta. O secretário-executivo, Swedenberger Barbosa, é um petista histórico de Brasília.

Ao longo de 2024, a ministra enfrentou críticas internas, observações de Lula e pressões do Centrão, que sempre lutou para controlar o orçamento do Ministério da Saúde. Parlamentares de oposição criticaram a inclusão da vacina para crianças de 6 meses a 5 anos no Programa Nacional de Imunização. A ministra cumpria recomendações de sociedades científicas, após 110 mortes de crianças por covid-19 em 2023.

A explosão dos casos de dengue e a perda de vacinas contra a covid por vencimento, porém, desgastaram a ministra. Nesta segunda-feira, em cadeia de rádio e tevê, o presidente Lula destacou o programa Farmácia Popular, da Saúde, enquanto a saída da ministra já era anunciada nos telejornais. Nísia Trindade tentou aprimorar a comunicação do ministério e valorizar sua gestão, ao destacar o aumento da cobertura vacinal e investimentos em diversas áreas da saúde, mas já era tarde.

Leia ainda: Em pronunciamento na TV, Lula anuncia pagamento do Pé-de-Meia e remédios gratuitos

Deixará o cargo, porém, sem escândalos, como os casos do Sanguessugas (2006), o superfaturamento na compra de ambulâncias e o desvio de milhões de reais via emendas parlamentares fraudulentas; e a Máfia dos Vampiros (2004-2005), desvios milionários na compra de hemoderivados (produtos derivados de sangue).

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Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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