Este pequeno livro é o resultado provisório de uma série de discussões travadas há um ano e meio no seio de um grupo de aproximadamente quarenta autores francófonos, representativos de numerosas correntes de pensamento e de ação que tentam traçar os contornos de um outro mundo possível. Depois da redação de um primeiro esboço por Alain Caillé e da entrada no grupo, nessa ocasião, de mais uns vinte novos participantes, várias modificações sucessivas permitiram chegar a um amplo acordo sobre o texto que será lido. Nenhum dos signatários está, evidentemente, de acordo com tudo, mas todos concordam que vale a pena formular o que se pode considerar como algo próximo do maior denominador comum dos pensamentos alternativos.
O primeiro mérito do manifesto convivialista está em, com efeito, atestar que esses autores, por sinal em divergência quanto a vários pontos, souberam pôr em relevo suas convergências. O manifesto apresenta, ademais, o mérito de indicar em que terreno e em que posições essas convergências podem se desenvolver e se aprofundar.
A julgar pelas múltiplas demonstrações de apoio já recebidas e pelas muitas propostas de tradução já formuladas antes mesmo da publicação da versão original, pode-se pensar que esse manifesto vem ao encontro de uma verdadeira necessidade: a de, no mínimo, agregar número e de ganhar força para se opor, de modo eficaz, aos distúrbios do mundo.
As ideias expressas neste manifesto não são propriedade de ninguém. Elas terão seu destino reservado pelos leitores, desejem eles enriquecê-las ou contestá-las. De imediato, aqueles que quiserem testemunhar sua adesão ao essencial deste manifesto e manter-se informados acerca dos seus desdobramentos podem consultar o site dos convivialistas: www.lesconvivialistes.fr
Alem da Teoria do manifesto convivialista de Alain Caillé, a editora Annablume vai publicar em 2014 um livro com breves comentários de intelectuais brasileiros que apoiam o Manifesto, mas desejam desprovincializar, ou mesmo reprovincializar as suas teses principais. Para uma lista dos primeiros apoiadores, vejam o site da editora: www.annablume.com.br
Thais Florencio de Aguiar (Brasil) Claude Alphandéry, Geneviève Ancel, Ana Maria Araujo (Uruguai), Claudine Attias-Donfut, Geneviève Azam, Akram Belkaïd (Argélia), Yann Moulier-Boutang, Fabienne Brugère, Alain Caillé, Luis Roberto Cardoso de Oliveira (Brasil), Barbara Cassin, Philippe Chanial, Hervé Chaygneaud-Dupuy, Eve Chiapello, Denis Clerc, Gabriel Cohn (Brasil) Ana M. Correa (Argentina), Thomas Coutrot, Jean-Pierre Dupuy, François Flahault, Francesco Fistetti (Itália), Anne-Marie Fixot, Jean-Baptiste de Foucauld,
Christophe Fourel, François Fourquet, Genauto Carvalho de França Filho (Brasil), Philippe Frémeaux, Jean Gadrey, Vincent de Gaulejac, François Gauthier (Suíça), Sylvie Gendreau (Canadá), Susan George (Estados Unidos), Christiane Girard (Brasil), François Gollain (Reino Unido), Roland Gori, Jean-Claude Guillebaud, Paulo Henrique Martins (Brasil), Dick Howard (Estados Unidos), Marc Humbert, Éva Illouz (Israel), Ahmet Insel (Turquia), Geneviève Jacques, Florence Jany- Catrice, Zhe Ji (China), Hervé Kempf, Elena Lasida, Serge Latouche, Jean-Louis Laville, Camille Laurens, Jacques Lecomte, Didier Livio, Gus Massiah, Dominique Méda, Margie Mendell (Canadá), Pierre-Olivier Monteil, Jacqueline Morand, Edgar Morin, Chantal Mouffe (Reino Unido), Osamu Nishitani (Japão), Brasilmar Ferreira Nunes (Brasil), Alfredo Pena-Vega, Bernard Perret, Elena Pulcini (Itália), Ilana Silber (Israel), Roger Sue, Elvia Taracena (México), Frédéric Vandenberghe (Brasil), Patrick Viveret.
Introdução
Jamais a humanidade teve à sua disposição tantos recursos materiais e competências técnicas e científicas para assegurar seu bem-estar como agora. Considerada em sua globalidade, ela é rica e poderosa, como ninguém nos séculos anteriores poderia imaginar. Nada prova, no entanto, que ela esteja mais feliz. Ainda assim, ninguém deseja voltar atrás, pois todos percebem que, cada vez mais, novas possibilidades de realização pessoal e coletiva se abrem todos os dias.
Mas, por outro lado, ninguém mais é capaz de acreditar que essa acumulação de poder possa prosseguir indefinidamente, tal qual em uma lógica de progresso técnico inalterada, sem se voltar contra si mesma e sem ameaçar a sobrevivência física e moral da humanidade. A cada dia, os sinais anunciadores de uma possível catástrofe se fazem mais precisos e inquietantes. A dúvida se refere apenas a saber o que é mais imediatamente ameaçador e quais são as urgências prioritárias. Ameaças e urgências indispensáveis de se ter sempre em mente se queremos nos dar uma verdadeira chance de realizar as promessas do presente.
As ameaças presentes
– O aquecimento global, assim como os desastres e as gigantescas migrações em que ele acarretará.
– A fragilização por vezes irreversível dos ecossistemas e a poluição que torna o ar de muitas cidades grandes cada vez mais irrespirável, como em Pequim e na Cidade do México.
– O risco de uma catástrofe nuclear muito maior do que as de Chernobil e Fukushima.
– A escassez de recursos energéticos (petróleo, gás), minerais ou alimentares que permitiram o crescimento, e também a guerra pelo acesso a esses recursos.
– A continuidade, o surgimento, o crescimento ou o retorno do desemprego, da exclusão ou da miséria praticamente em toda parte e, em particular, na velha Europa, cuja prosperidade parecia assegurada.
– As disparidades de riqueza que, em toda parte, se tornaram enormes entre os mais pobres e os mais ricos. Elas alimentam uma luta de todos contra todos em uma lógica generalizada de avidez e contribuem para a formação de oligarquias que não respeitam, a não ser em palavras, as normas democráticas.
– O colapso dos agrupamentos políticos herdados, ou a impotência de constituir
novos, o que leva à multiplicação de guerras civis, tribais ou interétnicas.
– A perspectiva do possível retorno das grandes guerras entre estados, e que seriam, sem dúvida, infinitamente mais mortíferas do que as precedentes.
– O desenvolvimento planetário de um terrorismo cego, violência do fraco contra o forte.
– A insegurança crescente, social, ecológica, cívica à qual respondem os excessos das ideologias de segurança.
– A proliferação de redes criminais ocultas e de máfias cada vez mais violentas.
– Seus laços difusos e preocupantes com os paraísos fiscais e o mundo da alta finança rentista e especulativa.
– O peso crescente das exigências dessa alta finança rentista e especulativa em todas as decisões políticas.
– Etc.
As promessas do presente
No entanto, ao contrário, se todas as ameaças estivessem afastadas, quantas potencialidades e perspectivas de desenvolvimento individual e coletivo nosso mundo comporta!
– O triunfo mundial do princípio democrático será infinitamente mais demorado e complexo do que se poderia pensar depois da queda do Muro de Berlim em 1989, mesmo porque esse princípio foi desvirtuado pelas suas relações íntimas com um capitalismo rentista e especulativo que, em grande parte, o esvaziou de seu conteúdo e de sua sedução. Mas é sempre em nome da democracia que ao redor do mundo se subleva, como atestam, por exemplo, as revoluções árabes, por mais inacabadas e ambíguas que elas sejam.
– Torna-se, assim, realmente concebível acabar com todos os poderes ditatoriais ou corrompidos, graças especialmente ao aumento de circulação da informação.
– A saída da era colonial e o declínio do “ocidentalcentrismo” abrem caminho para um verdadeiro diálogo de civilizações que, em contrapartida, torna possível o advento de um novo universalismo. Um universalismo de várias vozes, um pluriversalismo.
– Esse universalismo plural implica em uma igualdade de direitos e em uma paridade entre homens e mulheres finalmente encontrada.
– Ele é, ao mesmo tempo, a expressão e a resultante de novos modos de participação e expertise cidadãs formadas por uma consciência ecológica agora global, e que submete ao debate público a própria questão do “bem viver”, do “desenvolvimento” ou do “crescimento”.
– As tecnologias de informação e de comunicação multiplicam as possibilidades de criação e de realização pessoal, seja no campo da arte ou do saber, da educação, da saúde, da participação nos assuntos da cidade, do esporte ou das relações humanas através do mundo.
– O exemplo do Wikipedia ou do Linux mostra a dimensão do que é possível realizar em matéria de invenção e de mutualismo de práticas e de saberes.
– A generalização dos modos de produção e de troca descentralizados e autônomos torna crível a busca da “transição ecológica”, em especial, no plano da economia social e solidária, em relação ao qual convém assinalar a importante contribuição das mulheres.
– A erradicação da fome e da miséria constitui um objetivo de agora em diante acessível, na perspectiva de uma repartição mais justa dos recursos materiais existentes e no quadro das novas alianças entre os atores do Norte e do Sul.
– A esperança da cura do câncer ou da aids não é mais utópica. – Etc.
Capítulo I: O desafio central
Mas nenhuma dessas potencialidades poderá se produzir plenamente se nós não soubermos enfrentar as ameaças de toda a espécie que nos assaltam. As primeiras são de ordem, principalmente, material, técnica, ecológica e econômica. Poderíamos qualificá- las como ameaças entrópicas. Apesar dos enormes problemas que elas suscitam, poderíamos talvez, em princípio, dar respostas da mesma ordem. O que nos impede de fazê-lo é, primeiro, o fato de que várias dentre elas não são ainda imediatamente manifestas para todos, e é difícil se mobilizar contra riscos parcialmente indefinidos e de prazo incerto. Tal mobilização não é concebível senão em termos de uma ética do futuro. Todavia, mais profundamente, o que nos paralisa é o fato de que somos ainda muito impotentes em sequer imaginar respostas ao segundo tipo de ameaças. Ameaças de ordem moral e política. Ameaças que poderíamos qualificar como antrópicas.
A mãe de todas as ameaças
É preciso, a partir de agora, nos colocar em situação de enfrentar uma conclusão
tão evidente quanto dramática:
A humanidade soube realizar progressos técnicos e científicos fulminantes, mas ela permanece ainda incapaz de resolver seu problema essencial: como gerir a rivalidade e a violência entre os seres humanos? Como incitá-los a cooperar para que se desenvolvam e deem o melhor de si, permitindo-lhes ao mesmo tempo se opor sem se massacrar? Como criar obstáculos à acumulação de poder, a partir de agora ilimitada e potencialmente autodestrutiva, sobre os homens e sobre a natureza? Se não souber rapidamente responder a essas questões, a humanidade desaparecerá, muito embora todas as condições materiais estejam reunidas para que ela prospere, contanto que tomemos definitivamente consciência de suas finitudes.
As respostas existentes
Dispomos de múltiplos elementos de resposta oferecidos ao longo dos séculos por religiões, morais, doutrinas políticas, filosofia e ciências humanas e sociais, quando não caíram em um sectarismo, moralismo e idealismo, ora impotentes, ora mortais, ou, enfim, em um cientificismo estéril. Esses são elementos preciosos, que convém reunir e explicitar o mais rapidamente possível, de maneira que seja facilmente compreensível e partilhável por todos ao redor do mundo – a imensa maioria – que veem suas esperanças frustradas, sofrem as mudanças em curso, ou as temem, e que desejam contribuir, cada um conforme sua medida e segundo seus meios, para o cuidado e a salvaguarda do mundo e da humanidade.
As iniciativas que vão nesse sentido são inumeráveis, produzidas por dezenas de milhares de organizações ou associações, e por dezenas ou centenas de milhões de pessoas. Essas iniciativas se apresentam sob nomes, sob formas ou em escalas infinitamente variadas: a defesa dos direitos do homem, do cidadão, do trabalhador, do desempregado, da mulher ou das crianças; a economia social e solidária com todas os seus componentes: as cooperativas de produção ou de consumo, o mutualismo, o comércio equitativo, as moedas paralelas ou complementares, os sistemas de troca local, as diversas associações de apoio mútuo; a economia da contribuição digital (cf. Linux, Wikipedia etc.); o decrescimento e o pós-desenvolvimento; os movimentos slow food, slow town, slow science; a reivindicação do buen vivir, a afirmação dos direitos da natureza e o elogio à pachamama; o altermundialismo, a ecologia política e a democracia radical, os indignados, Occupy Wall Street; a busca de indicadores de riqueza alternativos, os movimentos de transformação pessoal, de simplicidade voluntária, de abundância frugal, de diálogo de civilizações, as teorias do care, os novos pensamentos dos communs etc.
Para que essas iniciativas tão ricas possam se contrapor, com força suficiente, às dinâmicas mortíferas de nosso tempo e para que elas não sejam confinadas a um papel paliativo ou de simples contestação, torna-se crucial reunir suas forças e suas energias, daí a importância de destacar e nomear o que elas têm em comum.
O que essas propostas têm em comum é a busca por um convivialismo (adotemos esse termo, já que precisamos identificar uma base doutrinal mínima comum), por uma arte de viver juntos (con-vivere) que valorize a relação e a cooperação e permita se opor sem se massacrar, cuidando do outro e da Natureza e favorecendo a abertura cooperativa com eles. Isso mesmo, opondo-se, pois seria não somente ilusório, mas também nefasto buscar construir uma sociedade que ignora o conflito entre os grupos e entre os indivíduos. Ele existe necessariamente e naturalmente em toda a sociedade. Não somente porque em todo lugar e sempre os interesses e os pontos de vista diferem, entre pais e filhos, entre primogênitos e mais novos, homens e mulheres, entre os mais ricos e os mais pobres, os mais poderosos e os sem poder, entre os afortunados e os desafortunados etc., mas também porque, de modo mais geral, todo ser humano aspira a se ver reconhecido em sua singularidade, resultando então em uma parte de rivalidade tão potente e primordial quanto a aspiração, igualmente partilhada, à concórdia e à cooperação. A sociedade sã é aquela que sabe fazer jus ao desejo de reconhecimento de todos e à sua parte de rivalidade, de aspiração à superação permanente de si e de abertura ao risco que ela comporta, impedindo que se transforme em desmedida, em hubris, e favorecendo, ao contrário, a abertura cooperativa ao outro. A sociedade sabe dar lugar à diversidade dos indivíduos, dos grupos, dos povos, dos Estados e das nações, afastando o risco da rivalidade se transformar em guerra de todos contra todos. Em uma palavra, é preciso fazer do conflito uma força de vida e não de morte. E da rivalidade, um meio de cooperação, uma arma para dissipar a violência destrutiva.
A aposta a ser feita de agora em diante é justamente o que se busca desde o início da história humana: um fundamento sólido, ao mesmo tempo ético, econômico, ecológico e político, para a existência comum. Nunca verdadeiramente encontrado ou sempre rapidamente esquecido. Ele é buscado na referência ao sagrado, entre as primeiras religiões como entre as grandes religiões ou quase religiões universais: taoísmo, hinduísmo, budismo, confucionismo, judaísmo, cristianismo, islamismo. É buscado, ainda, na referência à razão, entre todas as grandes filosofias ou morais laicas e humanistas. Buscado, enfim, na referência à liberdade, através das grandes ideologias políticas da modernidade: liberalismo, socialismo, comunismo ou anarquismo. O que muda sempre é a maior ou menor ênfase aplicada às obrigações ou às esperanças acordadas respectivamente ao indivíduo (a moral) ou ao coletivo (a política), à relação com a natureza (ecologia) e com o sobrenatural (religião) ou ao bem-estar material (a economia), conforme diferentes escalas espaciais e diferenciais. Não é a mesma coisa, com efeito, aprender a viver junto, reconhecendo as identidades e as diferenças não mortíferas a alguns ou a milhões ou a bilhões.
Capítulo II: As quatro (mais uma) questões de base
Nesse momento, nós precisamos, com toda a urgência, de uma base doutrinal mínima partilhável que permita responder simultaneamente e em escala planetária, ao menos, a quatro questões essenciais:
As quatro (mais uma) questões de base
– A questão moral: o que é permitido aos indivíduos esperar e o que devem eles se proibir?
– A questão política: quais são as comunidades políticas legítimas?
– A questão ecológica: o que nos é permitido retirar da natureza e o que devemos lhe restituir?
– A questão econômica: qual quantidade de riqueza material nos é permitido produzir, e como devemos fazê-lo, de modo a estar de acordo com as respostas dadas às questões moral, política e ecológica?
– Cada um é livre para adicionar ou não a essas quatro questões aquela concernente ao sobrenatural ou ao invisível: a questão religiosa ou espiritual.
É preciso constatar que nenhuma das doutrinas herdadas, religiosas ou laicas, respondem satisfatoriamente e simultaneamente a essas quatro (ou cinco) questões. E muito menos oferecem resposta satisfatória na escala e na dimensão dos desafios planetários atuais. As religiões, enquanto tal, penam em atualizar sua mensagem sobre a boa política, a boa economia ou a boa ecologia. Ao contrário, as ideologias políticas modernas – liberalismo, socialismo, comunismo ou anarquismo – permanecem, enquanto tal, mudas sobre a questão moral e sobre a questão ecológica. Todas elas pressupuseram que o conflito entre os homens nasce da escassez material e da dificuldade de satisfazer as necessidades materiais. Elas pensam os humanos como seres de necessidade e não de desejo. Elas depositaram suas esperanças na perspectiva de um crescimento econômico infinito, supondo poder levar a paz perpétua à Terra. Ora, esse postulado não é (ou não mais é) sustentável. A aspiração ao crescimento material desperta tantos conflitos entre os humanos, ou mais, quanto os que apazigua. E, sobretudo, não considera a finitude, de agora em diante evidente, do Planeta e de seus recursos naturais. Seja intrinsecamente desejável ou não, o crescimento econômico sem limites não pode ser a solução perene para o conflito entre os homens. Com uma taxa de crescimento médio de 3,5% por ano, por exemplo, o PIB mundial seria multiplicado por 31 em um século. Imagine 31 vezes mais petróleo, urânio ou CO2 consumidos em
2100?
A impotência crescente dos partidos e das instituições políticas para enfrentar os problemas de nossa época e para ganhar, ou mesmo manter, a confiança do maior número se explica pela incapacidade de reformular o ideal democrático – o único aceitável porque é o único a fazer jus à oposição e ao conflito – rompendo com o duplo postulado que ainda rege o pensamento político ordinário, pensamento esse que inspira a política de governo, e o único que pode hoje ter acesso ao poder:
Algumas tarefas do pensamento
– O postulado do primado absoluto dos problemas econômicos acima de todos os outros;
– O postulado da profusão sem limite de recursos naturais (ou de seus substitutos técnicos).
Aos problemas de hoje e de amanhã, as instituições políticas sob suas diferentes formas não sabem, por conseguinte, propor senão respostas de ontem.
O mesmo vale para o mundo intelectual e científico, e mais particularmente para o campo das ciências sociais e da filosofia moral e política. É a partir desse campo, porque somos dele parte integrante e estamos em boa posição para medir a fragilidade dos instrumentos teóricos mobilizados, que nós assumimos a responsabilidade de redigir este manifesto, esperando que ele encontre eco em outros campos.
É importante compreender, efetivamente, que a financeirização geral do mundo e a subordinação de todas as atividades humanas a uma norma mercantil ou quase mercantil – sob a égide do que chamamos geralmente neoliberalismo – foram precedidas e como que legitimadas previamente por uma espécie de revolução ou de contrarrevolução que se operou no mundo do pensamento econômico, político e social. Essa contrarrevolução intelectual culminou na ideia de um “Fim da História” que veria o triunfo planetário do Mercado estendido a todas as atividades humanas e de uma ordem democrática serva desse único fim. A partir dos anos de 1970, a ciência econômica, que tinha até então limitado suas ambições a explicar o que se passa no mercado de bens e serviços recorrendo à figura do homo œconomicus – i.e. à hipótese que os seres humanos, na esfera do Mercado, devem ser considerados como se eles fossem indivíduos separados, mutuamente indiferentes, e unicamente preocupados em maximizar sua vantagem individual –, começou a estender a validade potencial de suas explicações à integralidade das atividades humanas e sociais. Tudo, consequentemente, devia se explicar por cálculos econômicos racionais de rentabilidade. No essencial, as outras ciências sociais iam seguir os passos dos economistas, seja em nome do individualismo metodológico ou de uma “economia geral da prática” etc. Quanto à filosofia política, ela ia se organizar, a título primeiro, em torno da questão de saber como definir e fazer aceitar normas de justiça por indivíduos “racionais”, i.e., mutuamente indiferentes.
Desde o início dos anos de 1980, uma visão totalmente econômica do mundo social e mesmo do mundo natural triunfa no campo científico e filosófico. A porta é, desde então, amplamente aberta no mundo anglo-saxão – e tendencialmente em um número cada vez maior de países – para a destruição de todas as regulações sociais e políticas em proveito somente das regulações de mercado. Pois se os homens são apenas homens econômicos, que outra linguagem poderiam compreender, com efeito, senão a do interesse individual, da barganha, do toma-lá-dá-cá e do contrato?
Com base nesse postulado, o neomanagement se desenvolve e se expande amplamente no mundo, inclusive no setor público. Se supomos que não existe nenhuma “motivação intrínseca” para o trabalho, que nada é feito por senso de dever, por
solidariedade ou por gosto do trabalho bem feito e do desejo de criar, então não resta, realmente, senão as “motivações extrínsecas” a ativar, i.e., o gosto do ganho e da promoção na hierarquia – a libido dominandi. Benchmarking e reporting permanente tornam-se assim os instrumentos de base do lean management e da gestão pelo estresse.
Pouco a pouco, são todos os setores da existência e até os afetos e as relações amistosas e amorosas que se encontram da mesma forma subordinados a uma lógica contábil, técnica e gestionária.
Mais especificamente, se o único objetivo da existência é, em última instância, ganhar o máximo de dinheiro possível, o lucro, por que não buscar maximizá-lo, o mais rápido possível, graças à especulação financeira? A generalização da norma de mercado ia assim abrir progressivamente a via para a norma da máxima rentabilidade especulativa. E, em 2008, desembocar na crise dos subprimes, cujas “replicações” muito mais violentas e dolorosas são temidas.
Se o primeiro objetivo legítimo atribuído aos homens e valorizado socialmente, aquele que comanda todos os outros, é enriquecer o máximo possível, não é de se surpreender que se desenvolva em todo lugar um clima de corrupção cada vez mais vasto por meio de um conluio crescente das classes políticas e financeiras, ao mesmo tempo causa e efeito da universalização da normatividade especulativa e rentista.
A responsabilidade da ciência econômica padrão é de ter amplamente contribuído para forjar o mundo que ela pretendia descrever e explicar. De ter, com efeito, contribuído para dar sempre mais realidade ao homo œconomicus, em detrimento de todos os outros componentes daquilo que faz a humanidade. E de se mostrar, ao mesmo tempo, e mais evidentemente, incapaz de imaginar remédios plausíveis para a catástrofe para a qual ela contribuiu. É preciso acrescentar que ela se mostra igualmente incapaz de levar em conta a finitude da natureza, uma vez que raciocina com base na hipótese de uma perfeita substitutibilidade dos recursos naturais esgotados ou destruídos pelos recursos fabricados, produtos da ciência e da técnica. Uma tarefa intelectual e teórica prioritária é, portanto, reconduzir a economia e a ciência econômica ao seu lugar, reorientando em especial o olhar desta última em direção a setores inteiros da realidade que ela negligenciou consciente ou inconscientemente.
Outra prioridade é também ajudar no desenvolvimento de ciências humanas e sociais e de uma filosofia moral e política definitivamente vacinadas contra o vírus do “tudo econômico”. Enfim, capazes de ver no ser humano, decididamente, outra coisa que não um simples homo œconomicus e de pensar assim, em toda sua amplitude, os problemas que suscitam inevitavelmente o desejo legítimo que todos os sujeitos têm de ter acesso a um justo reconhecimento. Como evitar que essas lutas por reconhecimento não se reduzam, como é frequentemente o caso, a lutas de poder e a confrontos narcísicos que colocam em risco as questões e as causas em nome das quais elas pretendem se desenvolver?
Em suma, é preciso aprender a pensar uma relação mais duradoura com a
natureza, mas também com a cultura. Isso implica em nos retirar resolutamente do horizonte do imediato ou do curto prazo e não somente nos projetarmos no futuro, mas também nos reapropriarmos de nosso passado. O passado de toda a humanidade na diversidade tão rica de todas as suas tradições culturais. É um novo humanismo, radicalizado e abrangente, que se trata de inventar, e isso implica no desenvolvimento de novas humanidades.
Capítulo III: Do convivialismo
Convivialismo é o nome dado a tudo aquilo que nas doutrinas existentes, laicas ou religiosas, concorre para a busca de princípios que permitem aos seres humanos ao mesmo tempo rivalizar e cooperar, na plena consciência da finitude dos recursos naturais e na preocupação partilhada quanto ao cuidado com o mundo – e de nosso pertencimento ao mundo. Não se trata de uma nova doutrina que viria se sobrepor a outras, com a intenção de anulá-las ou superá-las radicalmente. Ele é o movimento de sua interrogação recíproca baseada no sentimento de extrema urgência em face da catástrofe possível. Ele pretende reter o que há de mais precioso em cada uma das doutrinas herdadas. E o que há de mais precioso? Como defini-lo e apreendê-lo? A essa questão não existe e não pode – e não deve – existir resposta única e unívoca. Cabe a cada um decidi-lo. Existe, todavia, um critério decisivo do que nós podemos reter de cada doutrina em uma perspectiva de universalização ou de pluriversalização, impelidos duplamente pela imagem da catástrofe possível e da esperança de um devir promissor para todos. Reter, exatamente, de cada doutrina a não ser o que permite compreender como controlar o conflito, para evitar que se degenere em violência, e cooperar condicionados pela limitação dos recursos. Admitindo-se a plausibilidade possível das respostas dadas por outras doutrinas a essa mesma questão, se abre ao diálogo e à confrontação.
Essas considerações bastam para traçar os contornos gerais de uma doutrina universalizável adaptada às urgências do momento e de escopo global, mesmo se sua aplicação concreta for necessariamente local ou conjuntural. E mesmo se for evidente que existirá tantas variantes, eventualmente conflitantes, do convivialismo quanto do budismo, do islã, do cristianismo, do liberalismo, do socialismo, do comunismo etc. Até porque em nada os anula.
Considerações gerais
A única política legítima é aquela que se inspira em um princípio de comum humanidade, de comum socialidade, de individuação e de oposição controlada.
Princípio de comum humanidade: acima das diferenças de cor de pele, de nacionalidade, de idioma, de cultura, de religião ou de riqueza, de sexo ou de orientação sexual, há somente uma humanidade, que deve ser respeitada na pessoa de cada um de seus membros.

Princípio de comum socialidade: os seres humanos são seres sociais para quem a maior riqueza existente é a riqueza de suas relações sociais.
Princípio de individuação: em conformidade com os dois primeiros princípios, a política legítima é a que permite a cada um afirmar da melhor maneira sua individualidade singular em devir, desenvolvendo suas capabilidades, sua potência de ser e de agir sem prejudicar a dos outros, na perspectiva da igual liberdade.
Princípio de oposição controlada: porque todos têm vocação para manifestar sua individualidade singular, é natural que os humanos possam se opor. Mas só lhes é legítimo fazê-lo enquanto isso não coloca em perigo o marco de comum socialidade que torna essa rivalidade fecunda e não destrutiva. A política boa é por isso aquela que permite aos seres humanos se diferenciar, aceitando e controlando o conflito.
Capítulo IV: Considerações morais, políticas, ecológicas e econômicas
Detalhemos minimamente essas considerações gerais:
Considerações morais
O que é permitido a cada indivíduo esperar é o reconhecimento de sua igual dignidade para com todos os outros seres humanos, é ter acesso a condições materiais suficientes para levar a cabo sua concepção de vida boa, com respeito às concepções dos outros, e buscar dessa forma gozar do reconhecimento pelos outros, participando efetivamente, se o deseja, na vida política e na tomada de decisões que implicam seu futuro e o da sua comunidade.
O que lhe é proibido é cair em desmedida (a hubris dos Gregos), i.e. violar o princípio de comum humanidade e por em perigo a comum socialidade, na intenção de pertencer a uma espécie superior ou açambarcar e monopolizar uma quantidade tal de bens ou poderes que a existência social de todos fica comprometida.
Concretamente, é dever de cada um lutar contra a corrupção. Passivamente, isso implica recusar-se, em sua vida, em seu trabalho ou em suas atividades, a fazer em relação ao dinheiro (ou ao poder ou ao prestígio institucional) o que a consciência reprova. Recusar-se, assim, a se deixar desviar do que cremos justo e intrinsecamente desejável. Ativamente, isso implica em lutar contra a corrupção nos outros, na proporção dos meios e da coragem de que dispomos.
Considerações políticas

É uma ilusão esperar, em um futuro previsível, pela constituição de um Estado mundial. A forma de organização política dominante será por um longo período aquela dos Estados – sejam nacionais, plurinacionais, pré ou pós-nacionais – mesmo se novas formas políticas forem buscadas, na Europa especialmente, e mesmo se existirem outros modos de ação política, notadamente via associações e ONGs. Na perspectiva convivialista, um Estado, ou um governo, ou uma instituição política nova só podem ser considerados legítimos se:
– Eles respeitam os quatro princípios, de comum humanidade, de comum socialidade, de individuação e de oposição controlada, e se facilitam a implementação das considerações morais, ecológicas e econômicas deles decorrentes;
– Esses princípios se inscrevem no marco de uma universalização dos direitos, civis e políticos, mas também econômicos, sociais, culturais, ambientais. Eles retomam e ampliam o espírito da declaração da Filadélfia (que em 1944 redefine os objetivos da Organização Internacional do Trabalho), cujo artigo II estipulava que “todos os seres humanos, de qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de buscar progresso material e desenvolvimento espiritual, dentro da liberdade e da dignidade, da segurança econômica e com chances iguais”. A política boa é uma política da dignidade;
– Mais especificamente, os Estados legítimos garantem a todos os seus cidadãos mais pobres um mínimo de recursos, uma renda básica, seja qual for sua forma, que os mantém a salvo da abjeção da miséria e proíbe progressivamente aos mais ricos, via instauração de uma renda máxima, cair na abjeção da extrema riqueza, ultrapassando um nível que tornaria inoperantes os princípios de comum humanidade e de comum socialidade;
– Eles zelam pelo bom equilíbrio entre bens e interesses privados, comuns, coletivos e públicos;
– Eles favorecem, antes e depois do Estado e do Mercado, a multiplicação das atividades coletivas e associativas, constitutivas de uma sociedade civil mundial em que o princípio de autogoverno encontra seus direitos em uma pluralidade de espaços de engajamento cívico, aquém e além dos Estados e das nações;
– Eles reconhecem nas múltiplas redes digitais, dentre as quais a Internet é uma das principais, mas não a única, uma formidável ferramenta de democratização da sociedade e de invenção de soluções que nem o Mercado, nem o Estado foram capazes de produzir; eles as favorecem por meio de uma política de abertura, de acesso gratuito, de neutralidade e de compartilhamento;
– Ao implementar uma política de preservação dos bens comuns existentes nas sociedades tradicionais, de incentivo à emergência, à consolidação e à ampliação de novos bens comuns da humanidade, eles renovam fortemente a antiga herança dos serviços públicos.

Considerações ecológicas
O Homem não pode mais se considerar como dono e senhor da Natureza. Tendo em vista que longe de se opor à Natureza, ele faz parte dela, ele deve estabelecer com ela, ao menos metaforicamente, uma relação de dom/contradom. Para legar às gerações futuras um patrimônio natural preservado, ele deve, portanto, devolver à Natureza tanto ou mais do que dela toma ou recebe.
– O nível de prosperidade material universalizável em escala planetária é aproximadamente aquele que os países mais ricos conheciam em média por volta de 1970, com a condição que o obtenhamos com as técnicas produtivas de hoje. Como não pode ser exigido o mesmo esforço ecológico dos países que mais extraíram da Natureza após séculos e daqueles que começam somente agora a fazê-lo, i.e, aos mais ricos e aos mais pobres, respectivamente, cabe aos países mais opulentos fazer de tal forma que suas explorações da Natureza diminuam regularmente em relação aos padrões dos anos de 1970. Se eles querem preservar seu nível de vida atual, o progresso das técnicas deve consagrar-se prioritariamente a esse objetivo;
– A prioridade absoluta é a redução das emissões de CO2 e o recurso prioritário a energias renováveis alternativas tanto à energia nuclear quanto ao petróleo;
– A relação de dom/contradom deve se exercer especialmente com os animais, que devem deixar de ser considerados como material industrial. E, mais genericamente, com a Terra.
Considerações econômicas
Não há correlação comprovada entre riqueza monetária ou material, de um lado, e felicidade ou bem-estar, de outro. O estado ecológico do planeta torna necessário buscar todas as formas possíveis de prosperidade sem crescimento. É necessário para isso, em uma perspectiva de economia plural, instaurar um equilíbrio entre Mercado, economia pública e economia de tipo associativo (social e solidária), dependendo se os bens ou os serviços a serem produzidos são individuais, coletivos ou comuns.
– O mercado e a busca por uma rentabilidade monetária são plenamente legítimos desde que respeitem – notadamente via direitos (sociais e) sindicais – os postulados de comum humanidade e de comum socialidade, e que estejam em coerência com as considerações ecológicas precedentes;
– Isso implica no estabelecimento de um teto aos ganhos e ao patrimônio dos dirigentes de empresa ou das estrelas do esporte ou do show business, que pode ser relativamente elevado, mas não além do que supõe o senso de decência comum (common decency);
– A prioridade é lutar contra as derivas rentistas e especulativas da economia
financeira que são a principal causa da desmedida capitalista. Isso implica em impedir a dissociação entre economia real e economia financeira, regulando de perto a atividade bancária e os mercados financeiros e de matérias-primas, limitando o tamanho dos bancos e dando fim aos paraísos fiscais;
– Assim se tornará possível o desenvolvimento efetivo de todas as riquezas humanas, que estão bem longe de se reduzir unicamente à riqueza econômica, material ou monetária: o sentido de dever cumprido, da solidariedade ou do lúdico; todas as formas de criatividade artística, técnica, científica, literária, teórica, esportiva etc. Em uma palavra, toda riqueza inerente a uma forma ou outra de gratuidade e à relação com os outros.
Capítulo V: E mais concretamente?
Edificar uma sociedade convivial universalizável, que vise assegurar a todos uma prosperidade e um bem-estar satisfatórios, sem contar com um crescimento forte e perpétuo, que se tornou impossível e perigoso e, para isso, lutar contra todas as formas de ilimitação e de desmedida – como se nota, o desafio é considerável. E a tarefa, árdua e perigosa. Não se deve dissimular o fato de que será preciso, para obter êxito, enfrentar forças extraordinárias e temíveis tanto financeiras, quanto materiais, técnicas, científicas ou intelectuais, militares e criminais.
Que fazer?
Contra essas forças colossais e frequentemente invisíveis e ilocalizáveis, as três armas principais serão:
– A indignação experimentada em face da desmedida e da corrupção e a vergonha, que se faz necessária de ser sentida por aqueles que diretamente ou indiretamente, ativamente ou passivamente, violam os princípios de comum humanidade e de comum socialidade;
– O sentimento de pertencimento a uma comunidade humana mundial. Sentimento de ser milhões, dezenas de milhões, ou mesmo bilhões de indivíduos, de todos os países, de todas as línguas, de todas as culturas e religiões, de toda a condição social, a participar no mesmo combate por um mundo plenamente humanizado. É preciso, para isso, que eles possam partilhar um símbolo comum que os designa como lutando contra a corrupção e a ilimitação;
– Muito além das “escolhas racionais” de uns e de outros, a mobilização dos afetos e das paixões. Nada se faz sem eles, seja a pior ou a melhor das coisas. O pior é o apelo ao assassinato, que nutre as paixões totalitárias, sectárias e extremistas. O melhor é o que pode conduzir à edificação, em escala planetária, de sociedades efetivamente democráticas, civilizadas e convivialistas;
– Sobre essas bases será possível, aos que se reconhecem nos princípios do convivialismo, influenciar radicalmente no jogo político instituído e empregar toda a sua criatividade para inventar outras maneiras de viver, de produzir, de brincar, de amar, de pensar e de ensinar. Viver convivialmente. Rivalizar-se sem se odiar ou se destruir. Isso tudo em uma perspectiva ao mesmo tempo de reterritorialização e de relocalização e de abertura à sociedade mundial em vias de se edificar;
– Localmente, ou em um e outro setor determinado de atividade, conselhos livremente constituídos sondarão as condições de implementação efetiva dos princípios convivialistas. Comunicando com seus homólogos de outras regiões, de outros países ou de outros continentes, eles tecerão a trama de uma sociedade civil mundial associacionista;
– A Internet, as novas tecnologias e a ciência estarão ao serviço da construção dessa sociedade civil ao mesmo tempo local e mundial. E ao mesmo tempo poderosamente enraizada e aberta à alteridade. Assim se desenha um novo Progressismo, livre de todo economismo e de todo cientificismo;
– Talvez, para simbolizar e encarnar a unidade do convivialismo, para se pronunciar, com uma autoridade e uma repercussão midiática suficientes, sobre as múltiplas questões urgentes a decidir, seria sensato, em conexão com todas as redes de conselhos convivialistas, criar um esboço de Assembleia Mundial compreendendo os representantes da sociedade civil mundial associacionista, da filosofia, das ciências humanas e sociais e das diferentes correntes éticas, espirituais e religiosas que se reconhecem nos princípios do convivialismo.
Ruptura e transição
O mais difícil, no intuito de possibilitar uma grande inflexão da opinião pública mundial indispensável para se desviar da trajetória que leva ao caos e à catástrofe prováveis – ou em todo caso possíveis –, é propor um conjunto de medidas políticas, econômicas e sociais que permitam ao maior número mensurar o que ele tem a ganhar com um novo acordo (um New Deal) convivialista, não somente em médio e longo prazo, mas imediatamente. Já a partir de amanhã. Não pode haver uma resposta absolutamente geral para essa questão. Muitas coisas dependem do contexto específico, histórico, geográfico, cultural, político etc., próprio a cada país, região ou conjunto suprarregional ou supranacional. Mas toda política convivialista concreta e aplicada deverá necessariamente levar em consideração:
– O imperativo da justiça e da comum socialidade, que implica na redução das desigualdades vertiginosas que explodiram em todos os lugares desde os anos 1970 entre os mais ricos e o resto da população, e a instauração conjugada de uma renda mínima e de uma renda máxima, a um ritmo mais ou menos rápido conforme as circunstâncias locais;
– A preocupação de dar vida aos territórios e às localidades, e assim de reterritorializar e de relocalizar o que a globalização tanto desterritorializou e deslocalizou. Só pode existir convivialismo na abertura aos outros, certamente, mas também em um entre si suficientemente sólido para que seja fonte de confiança e cordialidade;
– A absoluta necessidade de preservar o meio ambiente e os recursos naturais; responder a isso não deve ser visto como uma carga ou um fardo suplementar, mas, ao contrário, como uma formidável oportunidade de inventar novos modos de vida, de encontrar novas fontes de criatividade e de dinamizar novamente os territórios;
– A obrigação imperiosa de fazer o desemprego desaparecer e oferecer a todos uma função e um papel reconhecidos entre as atividades úteis à sociedade. O desenvolvimento de políticas de reterritorialização e de luta contra os desafios ambientais contribuirá para isso fortemente. Mas essa política de redistribuição dos empregos só poderá ganhar toda amplitude e ter efeitos potencialmente significativos se combinada com medidas de diminuição do tempo de trabalho e com forte incentivo à expansão da economia associacionista (social e solidária).
Na Europa, uma fragilidade a mais se instaurou em razão da aceleração imprudente de uma integração econômica e monetária não coordenada com nenhuma integração política e social. Essa dessincronização terminou por deixar muitos países europeus em um estado de impotência e de aflição insuportável. Qualquer solução a ser adotada deve absolutamente ter como objetivo conjugar de novo, sob uma forma ou outra: soberania monetária, soberania política e soberania social.
A tradução do convivialismo em ações concretas deve articular, na prática, respostas à urgência de melhorar as condições de vida das camadas populares e a edificação de uma alternativa ao modo de existência atual tão carregado de múltiplas ameaças. Uma alternativa que cessará de fazer crer que o crescimento econômico ilimitado ainda poderia ser a solução para todos nossos males.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…