Crédito: Ricardo Stuckert / PR

Lula ri por último na reunião do G20

Publicado em Alemanha, China, Economia, EUA, Europa, França, Governo, Guerra, Itália, Itamaraty, Meio ambiente, Palestina, Política, Política, Reino Unido, Rio de Janeiro, Rússia, Ucrânia, Violência

O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate às desigualdades

Se não houver nenhum imprevisto grave ou ninguém falar besteira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já pode comemorar o seu sucesso pessoal na reunião do G20, o grupo dos países mais ricos do planeta, com a adesão da Argentina à Aliança contra a Fome e a Pobreza, num documento final que fala em reforma do Conselho de Segurança da ONU, taxação de super-ricos e combate ao aquecimento global. Recalcitrante, o presidente argentino, Javier Milei, havia criticado o texto, mas voltou atrás depois de exaustivas negociações entre os diplomatas que articularam a declaração do grupo.

A unanimidade do encontro a favor do combate à fome e à pobreza é uma vitória pessoal de Lula. São 82 países, entre os quais os mais ricos do mundo, e 148 organizações internacionais, instituições financeiras e ONGs que apoiam a iniciativa, uma bandeira de Lula desde o primeiro mandato.

Leia também: Em vitória do Brasil, G20 tem adesão em massa à aliança contra a fome

Na abertura do encontro, ao discursar, Lula marcou posição em relação a temas nos quais havia pouca possibilidade de avanço no encontro, entre os quais as guerras da Ucrânia e do Oriente Médio. Criticou Israel e a Rússia, indiretamente, ao citar as invasões da Faixa de Gaza e da Ucrânia, e atacou sanções unilaterais impostas a outros países, porém, sem fazer referência aos Estados Unidos.

“Do Iraque à Ucrânia, da Bósnia à Gaza, consolida-se a percepção de que nem todo território merece ter sua integridade respeitada e nem toda vida tem o mesmo valor. Intervenções desastrosas subverteram a ordem no Afeganistão e na Líbia. A indiferença relegou o Sudão e o Haiti ao esquecimento. Sanções unilaterais produzem sofrimento e atingem os mais vulneráveis”, argumentou. O documento conclama que “todas as partes devem cumprir suas obrigações sob o direito internacional, incluindo o humanitário e de direitos humanos, condenando ataques contra civis e infraestrutura.”

O presidente brasileiro havia criticado o neoliberalismo pela deterioração da situação internacional: “Não é surpresa que a desigualdade fomente ódio, extremismo e violência. Nem que a democracia esteja sob ameaça. A globalização neoliberal fracassou”. O presidente brasileiro também defendeu que a taxação de 2% sobre o patrimônio de indivíduos super-ricos poderia gerar recursos da ordem de US$ 250 bilhões por ano para serem investidos no enfrentamento dos desafios sociais e ambientais do nosso tempo. O texto final incorporou a tese, genericamente.

Leia também: Documento final do G20 tem menção inédita à taxação de super-ricos, apesar de oposição da Argentina

Lula também marcou posição diante de temas nos quais o Brasil tem limitações estratégicas, por falta de projeção de poder econômico e militar, mas o Itamaraty, politicamente, demonstrou sua tradicional capacidade de articulação na condução da reunião, sob a presidência de Lula. Dois grandes protagonistas da política mundial não participaram do encontro: Vladimir Putin, da Rússia, representado pelo chanceler Sergey Lavrov; e o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Sem o apoio do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden; do presidente chinês, Xi Jinping; do presidente da França, Emmanuel Macron; do chanceler da Alemanha, Olaf Scholz; e da primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, não haveria possibilidade de um consenso básico.

Governança global

O fato de defender a democracia como um tema central do seu discurso foi relevante para Lula na relação com os países europeus, num encontro que reuniu líderes de regimes autoritários, como os da Rússia e da Indonésia; autocráticos, como o da Arábia Saudita; e iliberais, casos da Índia e da Turquia, todos players da política mundial. Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, com poder de veto sobre qualquer proposta, por exemplo, concordaram com a necessidade de reforma desse órgão da ONU.

Lula criticou e responsabilizou o imobilismo do Conselho de Segurança pela escalada das guerras de Gaza e da Ucrânia. Como Biden autorizou a utilização de mísseis de longo alcance de fabricação norte-americana contra a Rússia, que promete retaliar duramente a Ucrânia se isso ocorrer, a tensão na Europa aumentou e esse assunto dividiu as atenções dos chefes de Estado na reunião. Era um tema que Lula tentava evitar, para não complicar e melar reunião.

Leia também: O que esperar de Putin após decisão dos EUA de permitir mísseis de longo alcance contra a Rússia

Objetivamente, a reforma da governança global entrou na agenda do G20 por outra porta. A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza foi uma proposta apresentada por Lula no encontro do G20 realizado em Nova Delhi. Agora, ganhou materialidade, porque tem metas e fontes de financiamento. Cerca de 750 milhões de pessoas estão na miséria no mundo. Como potência agrícola, produtora de grãos e proteína, o Brasil tem projeção internacional para protagonizar esse esforço.

BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), presidido pelo brasileiro Ilan Goldfajn, se comprometeu a destinar até US$ 25 bilhões (R$ 145 bilhões) para financiar ações da Aliança. O Banco Mundial também deverá financiar os países que apoiarem a Aliança. As metas são alcançar 500 milhões de pessoas com programas de transferências de renda e sistemas de proteção social até 2030; expandir as merendas escolares para mais 150 milhões de crianças com fome endêmica; promover a saúde materna e infantil para 200 milhões de mulheres e crianças de 0 a 6 anos; e atingir 100 milhões de mulheres nos programas de inclusão.

Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo