O cenário novo pode ser ameaçador do ponto de vista da política interna, mas também oferece oportunidades geopolíticas para o Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) parabenizou o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, pelo retorno dele à Casa Branca após quatro anos. “Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada”, escreveu Lula. A mensagem equivale a uma bandeira branca, após o presidente brasileiro, às vésperas da eleição, ter afirmado que torcia pela vitória da vice-presidente Kamala Harris, a candidata democrata, e via o republicano, o presidente eleito, como uma ameaça à democracia.
Lula não tem outra opção, precisa manter boas relações com o novo presidente dos Estados Unidos, ainda que ele seja um aliado incondicional do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nesse caso, o que prevalece não é posição ideológica do PT, cuja presidente, Gleisi Hoffmann, na nota que o partido divulgou sobre a eleição de Trump, parecia menos preocupada com Trump e mais com o pacote fiscal que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad está prestes a anunciar, para conter a inflação e a escalada dos juros.
A posição de Lula reflete o posicionamento estratégico do Itamaraty, que lida com um cenário internacional completamente novo, que pode ser ameaçador do ponto de vista da política interna, mas também oferece oportunidades para o Brasil na geopolítica mundial. A eleição de Trump deve acelerar a reestruturação das cadeias de valor globais, em razão da guerra comercial entre Estados Unidos e China, e o Brasil precisa se reposicionar de forma equilibrada e sagaz nesse jogo.
Para enfrentar a China, os Estados Unidos precisam de mercados alternativos. Isso cria oportunidades para o Brasil aumentar suas exportações para os dois países. Tanto empresas norte-americanas como chinesas estão realizando investimentos fora da Ásia, principalmente nos setores de tecnologia, automotivo e manufaturas. Podemos também nos beneficiar de um novo boom de exportações de produtos agrícolas e minérios para a China, que busca segurança alimentar e de matérias-primas. De igual maneira, os Estados Unidos tendem a ampliar a compra de soja, carne, petróleo e manufaturas brasileiras.
Entretanto, será preciso administrar os aspectos negativos dessa reestruturação, como a dependência em relação aos insumos chineses, as pressões internas e externas para um alinhamento automático aos Estados Unidos ou à China e a nossa instabilidade econômica, que já afeta o câmbio, a inflação e a taxa de juros, que, nesta quarta-feira, subiu meio ponto percentual, chegando a 11,25% (Selic).
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Sócios
Sem dúvida, Lula perdeu com a eleição de Trump, mas não está sozinho. Alguns líderes mundiais estão perdendo até mais. São sócios da derrota de Kamala Harris os principais atores da União Europeia: Emmanuel Macron (França), Olaf Scholz (Alemanha) e Ursula von der Leyen (presidente da Comissão Europeia). No leste europeu, perdem Donald Tusk (Polônia) e Volodymyr Zelensky (Ucrânia), que não é um aliado de Lula por causa de suas relações com Putin.
O trabalhista Keir Starmer (Reino Unido) e o socialista Pedro Sanches (Espanha) também saíram perdendo, assim como os falcões da (OTAN) Organização do Tratado do Atlântico Norte. Na América Latina, perdem Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia) e Lopes Obrador (México). Outros players da política mundial estão na mesma situação: o progressista Justin Trudeau (Canadá), Cyril Ramaphosa (África do Sul), Tsai Ing-wen (Taiwan) e Yoon Suk-yeol (Coreia do Sul).
Em contrapartida, a grande coalizão de extrema-direita tem agora um líder que a transforma numa força mais coesa e decisiva na política mundial. Além do ex-presidente Jair Bolsonaro, que sai fortalecido das eleições americanas, Trump terá como aliados Viktor Orbán (Hungria), Marine Le Pen (França), Giorgia Meloni (Itália), Javier Milei (Argentina), Santiago Abascal (Espanha), Recep Tayyip Erdo?an (Turquia), Benjamin Netanyahu (Israel), Shigeru Ishiba (Japão), Narendra Modi (Índia) e Rasmus Paludan (Dinamarca), recentemente condenado na Suécia por queimar o Alcoorão.
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Nove entre cada dez analistas avaliam que a eleição de Trump é boa para Vladimir Putin, porém, para isso, será preciso suspender as sanções econômicas contra a Rússia e confrontar os aliados europeus, que veem os russos como ameaça. Nesse cenário, como ficaria a relação com o Brics, cuja expansão é patrocinada pela China e que já vinha sofrendo restrições dos Estados Unidos?
Trump é pragmático nas relações bilaterais e despreza o multilateralismo. O eixo de sua política externa será a disputa comercial com a China, sobretudo para evitar a criação de uma moeda própria do Brics. Por isso, o Brasil será muito pressionado a moderar sua estratégia de fortalecimento do chamado Sul Global, assim como a África do Sul, que depende da ajuda financeira americana. A Rússia terá maior margem de manobra para um acordo de paz na Ucrânia. Finalmente, a Índia, aliada dos Estados Unidos, será estimulada a emular com a China, pois atualmente é a economia em maior expansão na Ásia.
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