Lula antecipa campanha à reeleição, Tarcísio vai à marcha evangélica

compartilhe

O petista venceu na capital e foi derrotado por Bolsonaro no interior, mas emergiu um adversário novo no Palácio dos Bandeirantes, que traduziu a força da extrema-direita em São Paulo

Em entrevista ao podcast Mano a Mano, conduzido pelo rapper Mano Brown e pela jornalista Semayat Oliveira, gravada no último domingo (15/6) e publicada na madrugada desta quinta-feira (19/6), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) proposto pelo Ministério da Fazenda. A medida aumenta a carga tributária para setores beneficiados por isenções fiscais, para garantir equilíbrio fiscal e assegurar investimentos em áreas sociais.

Lula foi entrevistado antes da acachapante derrota do governo na Câmara, que aprovou um pedido de urgência para derrubar o aumento do IOF por 346 a 97 votos, na segunda-feira (16/6). Os “aliados” do Centrão votaram em massa contra o governo, que ficou confinado ao campo minoritário da esquerda. Lula argumenta que a elevação do imposto é necessária para evitar cortes no orçamento da saúde, da educação e de obras públicas.

Apesar das adversidades, Lula parece disposto a travar uma disputa política com o Congresso em torno da tributação das operações financeiras, para garantir as políticas de transferência de renda do governo. “Toda vez que a gente vai ultrapassar o arcabouço fiscal, a gente tem que cortar no Orçamento. Então, se eu tiver que cortar R$ 40 bilhões em obras, saúde e educação, o IOF é para fazer essa compensação. Essa briga nós temos que fazer, não dá para a gente ceder toda hora”, disse o presidente.

A derrota não mudou a opinião de Lula, que adotou uma narrativa claramente eleitoral. Segundo ele, a proposta busca fazer justiça fiscal, atingindo setores altamente lucrativos que hoje pagam pouco imposto, como as plataformas de apostas on-line e as fintechs. O problema é que isso virou um cabo de guerra. O governo já editou três decretos sobre o IOF, todos muito rejeitados pelo Congresso. O último decreto, na quarta-feira, reduziu a expectativa de arrecadação de R$ 19,1 bilhões para R$ 6 bilhões ou R$ 7 bilhões.

“As bets pagam 12%, nós queremos que paguem 18%. Eles ganham bilhões e bilhões. Não querem pagar. As fintechs, hoje, são quase que uns bancos, não querem pagar”, concluiu. Lula assumiu mais uma vez seu desejo de disputar a reeleição, se estiver bem de saúde. Sua narrativa é mais voltada para sua base eleitoral do que aos seus aliados do Centrão, que estão contra o aumento.

Leia também: Em tom de campanha, Lula desafia opositores

De certa forma, na entrevista do Mano a Mano, apresentou uma agenda de campanha: isenção de Imposto de Renda a quem ganha até R$ 5 mil; programas para reforma de casas de pessoas de baixa renda; financiamento da compra de moto elétrica para entregador por aplicativo; regulamentação das redes sociais e combate à disseminação de conteúdos falsos; e as polêmicas pesquisas de petróleo na Margem Equatorial da costa da Amazônia. Mas reconheceu que as pessoas não têm a sensação de que as coisas estão melhorando e se queixou da “imbecilidade” da extrema-direita no Congresso.

A alternativa paulista

O problema é que Lula precisa recorrer às cerimônias oficiais, entrevistas e conversas com influenciadores, como no programa Mano a Mano, para falar com seus eleitores. Disputará uma eleição na qual a oposição já está à vontade nas ruas. Nesta quinta-feira, por exemplo, a estrela da Marcha para Jesus de 2025 na Avenida Tiradentes, na capital paulista, foi Tarcísio de Freitas (Republicanos), o governador de São Paulo, ao lado do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e dos presidentes do PSD, Gilberto Kassab, e do PL, Valdemar Costa Neto. Não havia o menor espaço para Lula participar da marcha sem levar uma vaia bruta.

Enrolado numa bandeira de Israel, Tarcísio focou seu discurso em temas religiosos e falou em “reconciliação”. Disse que o país precisa se livrar da “idolatria e corrupção”. Para bom entendedor, colocou-se como um político acima da polarização entre Lula e Bolsonaro. Embora não assuma a candidatura, isso é música para a elite econômica do país e os partidos de centro-direita, que torcem por isso.

Leia mais: Tarcísio canta com bandeira de Israel em Marcha para Jesus

Quem tem a chave da candidatura de Tarcísio chama-se Jair Bolsonaro. Sem apoio do ex-presidente da República, que está inelegível, não tem como ter os votos da extrema-direita, seria apenas mais um candidato paulista a ser derrotado. A propósito, houve uma mudança estrutural na política de São Paulo após as eleições de 2022. Lula venceu na capital e foi derrotado por Bolsonaro no interior, mas emergiu um adversário novo no Palácio dos Bandeirantes, que traduziu a força da extrema-direita. O PSDB, que protagonizou o moderno na política brasileira junto com o PT, hegemônico em São Paulo desde 1994, foi desbancado pelo bolsonarismo.

PSDB e PT se propunham a modernizar o país e superar o patrimonialismo. Os tucanos, a partir de um núcleo de intelectuais, empresários e políticos, pela via da reforma do Estado, do equilíbrio fiscal e da integração à economia mundial; os petistas, que reuniram intelectuais, sindicalistas e militantes de esquerda, numa perspectiva nacional desenvolvimentista, de redistribuição de renda e ampliação da democracia. Ambos foram abduzidos pelo transformismo político. O PT nunca seduziu o interior paulista, o PSDB foi volatilizado. A alternativa que emerge em São Paulo é uma nova modernização conservadora e “iliberal”, alinhada a Donald Trump e à extrema-direita mundial.

Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

Posts recentes

Master, ameaça sistêmica à superestrutura financeira e jurídica do país

Ao entrar no coração de uma crise bancária ainda em investigação, o STF corre o…

3 horas atrás

Lula ganha de Motta presente de Natal de R$ 20 bi em aumento de receita

No fundo, a reaproximação é um pacto de sobrevivência para 2026. Motta precisa operar a…

1 dia atrás

De olho nas emendas parlamentares, Flávio Dino vira “caçador de jabutis”

Dino suspendeu os efeitos do dispositivo legal que exumava as emendas secretas. O dispositivo previa…

3 dias atrás

Orçamento sob medida para as eleições: R$ 61 bi em emendas parlamentares

Na prática, o que se vê é a substituição do planejamento público por uma lógica…

5 dias atrás

Supostos negócios de Lulinha com Careca do INSS são dor de cabeça para Lula

Estava tudo sob controle na CPMI, até aparecerem indícios de que Antônio Carlos Camilo Antunes,…

1 semana atrás