Imposto de Renda zero para classe média pode alavancar o governo Lula

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Dois elementos catalisadores dessa mudança foram a inesperada declaração do presidente Trump de que vai negociar com Lula e a pressão popular que derrubou a PEC da Blindagem

A pesquisa PoderData, realizada entre 27 e 29 de setembro, mostra que a diferença entre a aprovação do governo Lula (44%) e a desaprovação (51%) está diminuindo progressivamente. Embora separadas por apenas sete pontos percentuais, número que pode parecer ainda desfavorável, o levantamento mostra uma tendência inequívoca de virada do governo. Em maio, a diferença era de 17 pontos; em julho, recuou para 11; e agora, em setembro, para 7.

Mantida a trajetória, Lula ficará muito próximo de inverter essa relação, o que o colocaria, pela primeira vez neste mandato, em posição de franca vantagem sobre seus possíveis concorrentes: os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União); do Paraná, Ratinho Junior (PSD), e de Minas, Romeu Zema (Novo).

Essa tendência também explica a decisão de o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), anunciar que pretende concorrer novamente ao Palácio dos Bandeirantes. Bolsonarista raiz, era o único nome capaz de unir a oposição, mas enfrentou a resistência dos filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível e condenado a 27 anos e três meses de prisão. Querem que alguém do clã seja candidato.

Um dos elementos catalisadores dessa mudança, segundo a pesquisa, foi a inesperada declaração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante a Assembleia Geral da ONU, de que gosta do presidente Lula. Ao reconhecer “boa química” com o petista, Trump abriu espaço para um degelo diplomático após o tarifaço de julho que abalou as relações bilaterais. A narrativa do Planalto, que até então era de dura resistência ao protecionismo norte-americano, pôde ser suavizada pela negociação, sem parecer capitulação.

Leia também: Vieira vê “nova disposição” dos EUA após aceno de Trump a Lula

O gesto simbólico de menos de um minuto nos bastidores da ONU, quando Lula e Trump se encontraram, funcionou como sinal de que o Brasil não está isolado. Lula soube capitalizar esse movimento e transmitir a imagem de estadista capaz de dialogar até com adversários mais implacáveis. A estratégia de comunicação do governo também tem sido decisiva. Caiu no colo de Lula uma pauta robusta: a defesa da soberania contra as tarifas e, ao mesmo tempo, contra ingerência de Trump no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Enquanto o nacionalismo econômico e o combate ao golpismo favoreceram Lula, a atuação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do influenciador bolsonarista Paulo Figueiredo a favor das sanções foi corrosiva para a oposição. Tarcísio, que no primeiro momento apoiou as retaliações de Trump, saiu muito desgastado desse episódio e abriu espaço para a consolidação de outras candidaturas de direita. Quem mais avançou na sua praia preferida, a turma da Faria Lima, foi Ratinho Junior. O favoritismo favoreceu Lula porque evitou um confronto direto com Tarcísio, como faria o famoso general chinês Sun Tzu, ao menos por enquanto. A melhor estratégia é convencer o opositor a se retirar do campo de batalha.

Dividendos imediatos

O fator externo, uma variável imprevista, acabou sendo decisivo para a recuperação de Lula até agora. Fortaleceu sua base social, ampliou a empatia de parte do eleitorado de centro e neutralizou críticas sobre sua política externa. Entretanto, o que pode mesmo virar o jogo são as variáveis internas. Por isso, a ampliação da faixa de isenção do IR para até R$ 5 mil mensais e parcial para até R$ 7,35 mil pode representar o ponto de inflexão definitivo.

Promessa de campanha de 2022, a medida beneficia diretamente mais de 26 milhões de contribuintes — 65% dos declarantes. Hoje, quem ganha R$ 5 mil paga R$ 335,15 de imposto mensal. Com a mudança, esse valor ficará integralmente no bolso do trabalhador. Casos práticos, como o de uma professora que economizará quase R$ 4 mil por ano, tornam a decisão política exequível, fácil de comunicar e popular.

Ao mesmo tempo, o projeto introduz uma tributação mínima sobre super-ricos: até 10% sobre rendimentos anuais acima de R$ 600 mil. O governo também pretende avançar na linha da OCDE ao criar um imposto global de 15% sobre lucros de multinacionais. O discurso eleitoral será óbvio: aliviar o peso sobre a classe média e cobrar mais dos que concentram renda. Essa equação de justiça tributária tem forte apelo social e político. Pode ser apresentada como “virada histórica” na correção de uma das maiores distorções do sistema brasileiro: a concentração de renda e a perpetuação das desigualdades sociais.

Leia mais: Isenção do IR tem aprovação histórica na Câmara

Não por acaso houve uma disputa entre o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) sobre a paternidade da aprovação da mudança no Congresso. Mais do que uma rivalidade regional (Alagoas), refletiu diferença de postura entre a Câmara, cujo presidente, Hugo Motta (Republicanos-PB), vinha se demonstrando mais alinhado com a oposição do que com o governo, e o Senado, onde Davi Alcolumbre (União-AP) opera como uma barreira de contenção das tentativas de desestabilização do governo por parte da oposição.

Lula colherá dividendos imediatos, quando nada porque conseguiu reverter a pauta tóxica da oposição bolsonarista, graças à mobilização popular contra a PEC da Blindagem, um tiro no próprio pé do presidente da Câmara e seu colégio de líderes. Frustrou-se o perigo de aprovar a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda e não taxar os mais ricos, como era a tradição histórica. Seria uma bomba fiscal capaz de provocar mais inflação e impedir a redução da taxa de juros em 2026, o ano das eleições. Veio dai a unanimidade na votação.

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Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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