A Operação Lava-Jato, ao desnudar os meandros patrimonialistas de um modelo econômico que entrou em colapso, pôs em discussão as relações entre o Estado, a economia e a sociedade
Grosso modo, a ciência política e a economia hierarquizam os fatos sociais de acordo com o seu tempo de duração: os de curto prazo são acontecimentos limitados a um determinado momento e local; os de média duração são conjunturais e transbordam ao local e ao momento; os de longa duração, estruturais e projetam-se para uma ou mais gerações, regiões ou países. A dialética do tempo, porém, pode ser mais complicada. É a desconstrução do tempo como pura continuidade de pontos, uma série infinita ou a linha que se estende do passado ao futuro, ou seja, a noção passado-presente-futuro. Mas o agora (“passado-presente”) é a verdade do tempo, o tempo real.
Nesse caso, o futuro é infinito e negativo, pois resulta da oposição entre passado e presente. Por isso, podemos dizer que a retórica do “nunca antes neste país”, como se fosse possível apartar o passado do momento em que estamos vivendo, chegou ao esgotamento. O país mergulhou numa incrível espiral negativa, um redemoinho diabólico, difícil de sair. E precisa fazer escolhas muito difíceis, que não dependem apenas do governo federal, do Congresso ou da Justiça, embora um desses poderes tenha que apontar a verdadeira saída.
O tempo passa de forma diferenciada na economia e na política. Ontem, o FMI divulgou relatório no qual anunciou que Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deve sofrer queda de 3,5% este ano — em outubro, a projeção era de contração de 1%. Isso, depois de ter encolhido 3,8% em 2015, em estimativa também revisada para baixo (a queda prevista antes era de 3%), segundo o relatório Perspectiva Econômica Global, divulgado ontem. Em 2017, o FMI aponta que o Brasil deve registrar estagnação econômica, com crescimento zero, em vez da expansão de 2,3% esperada antes.O desempenho da economia brasileira ficará bem aquém da região de América Latina e Caribe como um todo, cujas expectativas são de recuo de 0,3% do PIB em 2016, e crescimento de 1,6% no próximo ano.
Não se pode esperar um cenário externo muito favorável, em razão dos preços mais baixos do petróleo e da expectativa de estabilização dos Estados Unidos em vez de recuperação da força. Os mercados emergentes e economias em desenvolvimento, para os quais estão voltadas hoje as exportações brasileiras, estão enfrentando uma nova realidade de crescimento mais baixo, com forças cíclicas e estruturais afetando o tradicional paradigma de crescimento. Ou seja, o tempo necessário para o Brasil sair da recessão e retomar o crescimento será maior do que aquele que o governo vem anunciando. Pagamos o preço dos erros cometidos por um governo cuja prioridade é preservar o poder, ainda que isso signifique desorganizar as atividades econômicas e sacrificar a população. Não existe saída de curto prazo para a economia.
Prisioneiro do passado
O tempo na política tem um calendário eleitoral fixo, alternando eleições municipais com as estaduais e nacionais a cada dois anos. Entramos num ano de disputas municipais, mas os problemas locais são agravados pela situação nacional. A crise econômica leva ao colapso os serviços públicos e as administrações locais. As eleições não resolverão a situação local nem a nacional. A crise pode até se agudizar depois delas. A opção, seria aguardar 2018, quando acaba o mandato da presidente Dilma Rousseff. O que acontecerá até lá? Ninguém sabe.
Essa é uma visão linear do tempo na política, como uma sucessão de pontos ou uma linha reta. No momento, digamos assim, o passado e o presente se digladiam em busca de uma saída, que pode ser o impeachment de Dilma, como defende uma parte da oposição, ou a realização de novas eleições, como prega a outra. Ocorre que essa opção, por uma série de razões, está bloqueada. Os grandes partidos são favorecidos pelo atual sistema eleitoral; pequenos partidos de aluguel servem de válvulas de escape para as contradições na base do governo. As intervenções do Judiciário no processo eleitoral, erráticas e intempestivas, ao contrário de reformar o sistema eleitoral e partidário, complicaram ainda mais o cenário. Ou seja, na política, o presente ainda está aprisionado pelo passado.
Chegamos à crise ética. Nela, o futuro pode ser agora. Primeiro, porque a Operação Lava-Jato, ao desnudar os meandros patrimonialistas de um modelo econômico que entrou em colapso, pôs em discussão as relações entre o Estado, a economia e a sociedade, que precisam ser redimensionadas, ou melhor, reformadas, para que o país possa retomar o crescimento de forma sustentável. Segundo, porque a Lava-Jato pode representar uma grande renovação política, ao passar a limpo a atuação dos partidos no poder e de suas lideranças. Nesse aspecto, sob o manto da Constituição Federal, a chave do futuro pode passar às mãos do Judiciário, tradicionalmente, o grande guardião do status quo. É a dialética do tempo.