As flores murcharam

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O governo até se esforçou para vender a imagem de que está tudo dominado, dos caciques da base governista aos empresários e banqueiros do país. Mesmo com o carnaval, não é assim que a banda toca

Com o fim do recesso, acabou a moleza para a presidente Dilma Rousseff e os estrategistas do Palácio do Planalto, que somente não aproveitaram melhor as flores do recesso porque são mestres em pisar no próprio jardim. Tudo bem que a Operação Lava-Jato roubou a cena no recesso, ainda mais com a investigação sobre o Condomínio Solaris, uma espécie de Edifício Balança Mas Não Cai petista. O governo até se esforçou para vender a imagem de que está tudo dominado, dos caciques da base governista aos empresários e banqueiros do país. Mesmo com o refresco do carnaval, não é assim que a banda toca.
Por exemplo, ontem a britânica The Economist mostrou para o mundo que o mise-en-scène oficial não funcionou: a revista ironiza ao afirmar que o Brasil é uma festa à beira do precipício, numa alusão ao nosso carnaval de rua. Para os investidores, a folia não será uma trégua para a crise. A revista resume os indicadores econômicos negativos — inflação, deficit público, falta de investimento, desvalorização da moeda —, avalia que o impeachment continuará na pauta do Congresso e mostra que a crise social pode ser ainda mais dramática por causa da epidemia de zika vírus e sua possível relação com a microcefalia. Tudo verdade.
O país visto por nós, porém, tem mais sutilezas. Uma delas é a situação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujo afastamento do cargo e do mandato foi pedido pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos estiveram juntos, ontem, na abertura dos trabalhos do Judiciário, e não se cumprimentaram. Janot sequer citou o presidente da Câmara, terceiro na linha de sucessão da presidente Dilma, em seu discurso, como seria de praxe. Há expectativa de que o pedido seja levado ao plenário pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, a pedido do ministro-relator da Operação Lava-Jato, Teori Zavaski, nas sessões de quarta ou quinta-feira.
Entretanto, os estrategistas do Palácio do Planalto torcem para que Cunha permaneça no cargo e responda ao processo de cassação do mandato no Conselho de Ética da Câmara, o que seria uma maneira de manter o bode no meio da sala, embaralhando as cartas para a opinião pública. À frente da Casa, Cunha desgasta a proposta de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, ambos travam uma batalha de vida ou morte pelo controle da liderança do PMDB na Câmara. Dilma defende a reeleição do atual líder da bancada, Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Cunha apoia a candidatura do deputado Hugo Motta (PMDB-PB), seu aliado fiel. O STF definiu que caberá aos líderes indicar os nomes dos integrantes da comissão especial que examinará a admissibilidade do pedido de impeachment. O PMDB tem oito integrantes na comissão de 62 nomes, o que praticamente define a maioria.
No Senado, onde a base governista é mais estruturada, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), também está sob investigação da Lava-Jato, mas é um mestre na arte da sobrevivência política. Foi um dos artífices da recondução do procurador-geral Rodrigo Janot e se comporta como bom cabrito toda vez os procuradores da Lava-Jato vazam alguma informação comprometedora: não berra. Calheiros tem uma carta na manga que pode virar de pernas para o ar as relações entre os partidos no Congresso: a promulgação da emenda constitucional que abre uma janela de 30 dias para o troca-troca de partidos. A proposta surgiu com objetivo de esvaziar a oposição e enfraquecer o PMDB, mas a situação política do país se alterou profundamente desde quando foi urdida pelos alquimistas de Dilma.
A presidente Dilma Rousseff amarga grande impopularidade, o governo é desaprovado pela ampla maioria, o PT se atolou na lama do pré-sal e o ex-presidente Luiz Lula Silva nada contra a correnteza da Lava-Jato. O passe livre para os deputados ainda pode servir para o governo controlar a liderança do PMDB, mas o risco colateral é engordar as bancadas da oposição, inclusive a da Rede, de Marina Silva, que já goza de grande popularidade e poderia ampliar seu tempo de televisão com a entrada de novos deputados.

No Congresso também se decidirá outro assunto vital para o Palácio do Planalto: a recriação da CPMF, o antigo imposto do cheque, que enfrenta grande oposição na sociedade. O governo ainda não tem votos suficientes para aprovar o tributo, cuja arrecadação foi incluída no Orçamento de 2016, embora ele nem exista ainda. Estima-se em R$ 10 bilhões a receita a ser obtida com o tributo, a partir de setembro. Para isso, precisa ser criado até maio, pois somente pode ser cobrado 90 dias após a promulgação.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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