Antes mesmo das redes sociais, com a democratização, o motorista, a ex-mulher, a secretária e o caseiro foram protagonistas de grandes crises políticas, pelo simples testemunho honesto sobre os fatos
Foi-se o tempo em que os jornalistas tinham o monopólio da notícia. Hoje, os grandes acontecimentos mundiais são registrados em primeira mão pelos cidadãos com seus celulares nas redes sociais. Mas os jornalistas, simples mortais, ainda correm atrás dos acontecimentos, em busca de respostas para as perguntas clássicas que têm obrigação de fazer: o quê, quem, quando, onde, como e por quê?
Essas perguntas revolucionaram o jornalismo impresso nos Estados Unidos no fim do século 19, estabelecendo um padrão universal para a abertura das matérias, o chamado lead, que consiste em respondê-las logo no primeiro parágrafo. A informação instantânea pela internet, nas rádios e na tevê, porém, colocou em xeque a obrigatoriedade do lead, revalorizou os estilos e ameaça a padronização e simplificação do texto jornalístico.
O lead foi uma exigência dos tempos da composição a quente, no qual o texto era transcrito em linhas de chumbo, antes da impressão. A necessidade de hierarquizar a informação era absoluta porque permitia cortar as matérias na hora da edição, até o primeiro parágrafo, sem deixar de publicar a notícia. Para o jornalismo impresso, ainda é uma regra básica; mas o jornalismo on-line não tem a mesma limitação.
Um fenômeno correlato é a quebra do monopólio da política. A política era praticada apenas por aristocratas, diplomatas e militares; com a democracia liberal, passou a ser atribuição dos políticos e seus partidos. Deixou, porém, de ser um monopólio com os meios de comunicação de massa. Antes mesmo das redes sociais, com a democratização, o motorista, a ex-mulher, a secretária e o caseiro foram protagonistas de grandes crises políticas, pelo simples testemunho honesto sobre os fatos.
É que mentiras precisam de cúmplices. Um simples testemunho pode por tudo a perder, como aconteceu com o ex-presidente Collor de Mello, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, o publicitário Marcos Valério e o ex-ministro Antônio Palocci. A Operação Lava-Jato não abriu uma investigação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora a cúpula do PT e o próprio líder petista estejam denunciando uma suposta tentativa de incriminá-lo por parte de delegados da Polícia federal e procuradores do Ministério Público da União que investigam o escândalo da Petrobras. Entretanto, uma investigação sobre a suposta ocultação de patrimônio por parte do ex-presidente da República foi aberta pelo Ministério Público de São Paulo.
Alguns depoimentos apontam a suposta ligação entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o apartamento tríplex no Guarujá que também está sendo investigado pela Lava-Jato, o que o ex-presidente nega veementemente. Os engenheiros Rosivane Soares Cândido e Armando Dagres, da construtora Tallento — responsável pela reforma do tríplex — disseram ter presenciado a participação da ex-primeira-dama Marisa Letícia em duas reuniões sobre a reforma do apartamento. O ex-funcionário da OAS Wellington Aparecido Carneiro da Silva, responsável por fiscalizar os empreiteiros que trabalhavam nas obras, disse ter acompanhado o ex-presidente até a porta do tríplex para uma vistoria do imóvel.
Visitas
Mais preocupantes, porém, são os depoimentos do zelador do Edifício Solaris, José Afonso Pinheiro, e da porteira do condomínio, Letícia Eduarda Rodrigues da Silva Rosa, ao Ministério Público. Pinheiro relatou ter visto Lula no condomínio duas vezes na época em que o tríplex estava sendo reformado pela Tallento Construtora Ltda, empresa contratada pela OAS. A primeira vez foi quando estava sendo feita uma “limpeza geral” no imóvel. Na ocasião, destacou o funcionário, Lula estava acompanhado da ex-primeira-dama. A segunda coincidiu com a instalação do elevador privativo no apartamento. Pinheiro não detalhou aos promotores a data das supostas visitas. Em ambas as ocasiões, a OAS limpara o prédio e decorara a entrada com arranjos florais para receber Lula e dona Marisa Letícia. O zelador disse que a esposa de Lula chegou a visitar o espaço comum do edifício indagando sobre o salão de festas, a piscina e outras áreas comuns.
A porteira Letícia Eduarda também relatou ter visto Lula no prédio durante a reforma do apartamento tríplex, no fim de 2013. De acordo com a funcionária, o ex-presidente “entrou, subiu até o apartamento 164-A e foi embora”. Ela disse que viu a ex-primeira-dama no condomínio apenas uma vez por meio da câmera de monitoramento. Letícia ressaltou aos promotores que apenas familiares de Lula frequentavam o apartamento. Nas ocasiões em que Lula e familiares visitaram o tríplex, os seguranças do ex-presidente interditavam o acesso aos elevadores de uso comum do prédio. Segundo a porteira, a iniciativa não chegou a gerar “muita polêmica” porque, à época, havia poucos moradores no condomínio. Já o zelador contou que a interdição temporária dos elevadores, entretanto, “gerava muitas reclamações”. Até agora, não apareceu nenhuma foto ou gravação comprometedora, mas se alguém fez um selfie…
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