“Ao contrário dos políticos, que depois se entendem, as pessoas comuns esgarçam suas relações pessoais a ponto de deixarem de conversar”
A disputa eleitoral aprofundou as divisões no país, inclusive no âmbito familiar, no qual primos e até irmãos se digladiam como Abel e Caim. Não há um ambiente que não tenha sido contaminado pelo discurso radical a favor ou contra os candidatos que lideram as pesquisas de opinião, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Os candidatos alternativos, principalmente Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), que disputavam uma vaga no segundo turno, com a polarização, entre o mar e o rochedo, estão virando marisco. De certa forma, a pregação do voto útil das lideranças está surtindo um efeito contrário junto aos eleitores, que começam a antecipar a disputa de segundo turno.
Se considerarmos as pesquisas de opinião, quem chegar a 36% de intenções de votos nas pesquisas pode muito bem ultrapassar os 50% mais um dos votos válidos apurados nas urnas e ganhar as eleições no dia 7 de outubro. Como já destacamos em coluna anterior, foi o que aconteceu nas eleições de 1994 e 1998, quando Fernando Henrique Cardoso venceu no primeiro turno. Desde então, o fenômeno não se repetiu, nem com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002 e 2006), nem com a ex-presidente Dilma Rousseff (2010 e 2014), mas pode ocorrer agora, se os candidatos do chamado centro democrático, entre os quais se inclui Ciro Gomes em razão da deriva de tucanos e marinistas em sua direção, continuarem se desidratando na velocidade das últimas semanas.
Na verdade, há um ajuste de contas ideológico no processo eleitoral, estimulado pelo clima emocional que tomou conta das discussões nas redes sociais. Esse processo está se dando de forma anabolizada em razão das redes montadas por Bolsonaro e Haddad, mas é inegável que já se generalizou a partir do endurecimento dos discursos de Ciro, Alckmin e até Marina contra ambos. Em todos os lugares, do botequim à padaria, do trabalho às reuniões familiares, surgem conflitos e discussões acirradas. É um Fla-Flu político com muitas caneladas e tentativas de gol com a mão. A chance de que isso deixe sequelas terríveis no cenário pós-eleitoral não é pequena, porque as tropas de assalto dos candidatos estão dispostas a matar ou morrer. Ao contrário dos políticos, que depois se entendem, as pessoas comuns esgarçam suas relações pessoais a ponto de deixarem de conversar.
Há um embate de forças que estavam adormecidas desde a eleição de Tancredo Neves. Saudosistas do regime militar acreditam num projeto autoritário de resolução dos problemas nacionais. Renasceram das cinzas depois da reeleição de Dilma Rousseff e encontram ressonância num ambiente social desagregado, violento e sem esperanças. É um cenário muito parecido com o do plebiscito do desarmamento, no qual a “bancada da bala” derrotou toda a elite política e intelectual do país. De outro, temos as forças derrotadas pelo impeachment de Dilma Rousseff, que não demonstraram poder de reação e foram derrotadas nas urnas em 2016, mas agora se reagruparam em razão do desgaste do governo Michel Temer e dos líderes do PSDB envolvidos em escândalos. O carisma do ex-presidente Lula, mesmo estando preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e a memória de seus últimos anos de governo, que registraram altas taxas de crescimento, provocaram uma espécie de efeito Fênix em favor do PT.
Dois Brasis
O problema é que, como em todas as guerras, a primeira vítima é a verdade sobre a situação real do país. Também não existe um projeto que seja capaz de reunificar a nação, profundamente dividida. O Brasil setentrional é vermelho, graças à aliança do PT com as velhas oligarquias nordestinas; o meridional é azul, em razão do descontentamento da classe média e dos setores ligados ao agronegócio. A eleição será decida pelos eleitores da região Sudeste, principalmente São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. As pesquisas de opinião desta semana tendem a confirmar esse cenário. O que pode funcionar como algodão entre os cristais nessa disputa são as instituições políticas e a federação. Embora os dois principais candidatos tenham características centralizadoras e defendam um presidencialismo vertical, há que se considerar que nenhum terá maioria de votos no Congresso, seja no Senado, seja na Câmara, nem controle sobre o Judiciário, Além disso, haverá o contraponto dos governadores eleitos, praticamente todos eles políticos de carreira, alguns dos quais em segundo mandato. São essas forças que poderão mitigar o radicalismo registrado no pleito.
Se a eleição for decidida no segundo turno, o que ainda é mais provável, haverá necessidade de os candidatos derivarem ao centro em busca de alianças e assumirem compromisso com garantias e salvaguardas de caráter democrático. Será uma nova eleição, embora também polarizada, com a diferença de que Bolsonaro será beneficiado pela paridade de meios de comunicação e a recuperação da saúde, o que pode ter reflexo na sua campanha. Em contrapartida, caso se confirme a presença de Fernando Haddad no segundo turno, o candidato do PT tende a ter mais apoio entre as forças políticas. Na sociedade, porém, o ambiente belicoso deixará muitas sequelas, porque muitos não têm clareza de que a alternância de poder e o direito ao dissenso são pilares da democracia.
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