VISTO, LIDO E OUVIDO

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Doze anos de Realismo fantástico
       Que a realidade supera a ficção, não há o que discutir. Agora quando a realidade e a ficção começam a operar juntas, distorcendo o que são fatos e tornando fato o que é ficção só ocorre mesmo no Brasil nos dias de hoje.
       Entre as décadas de 1960 e 1970 a América Latina, incluindo o Brasil, foi tomada por um tipo novo de abordagem literária, que tratava a realidade sob um ponto de vista mágico. Elementos fantásticos se misturavam a crenças populares, num cruzamento entre superstição, modernidade, tecnologia e lendas urbanas, tudo tratado de forma natural. Júlio Cortázar, Gabriel Garcia Marques, Dias Gomes, Roberto Drummond, são alguns dos representantes dessa corrente literária.
       O fim dos regimes ditatoriais na América Latina e no Brasil, coincidiu com o desaparecimento desse tipo de literatura . Curiosamente o continente não precisou mais do que alguns anos para experimentar no mundo real o que era apenas ficção escrita. O mundo formado por personagens fantásticos saltou das páginas dos livros e passou a ocupar os principais palácios de governo por toda a América.
       Caudilhos mortos  retornavam ao mundo dos vivos e , sob a forma de um passarinho dava orientação do além para o reino onde tudo faltava , principalmente  papel higiênico, gasto para limpar a sujeira sem fim do regime. Uma Viúva inconsolável e sempre em trajes negros, rodeada de jovens  e sensuais assessores tem seu nome escrito num bilhete  encontrado junto ao cadáver de um juiz que ameaçava prendê-la na manhã seguinte. O índio da etnia uru-aimará  assume o comando de seu país pela terceira vez e mascando folhas de coca, como seus antigos ancestrais sonha em destruir o grande irmão branco do Norte, pelo uso alterado da folha mágica. Na parte meridional do continente, um   ex-guerrilheiro, de um dos grupos clandestinos mais temidos no passado, eleito presidente, desfila a bordo de seu velho fusquinha, calçando sandálias e ternos surradas   e ganha   ares de santidade pelo desprezo que dispensa ao mundo material.
       No entanto , nenhum desses personagens meio reais, meio fantasiosos, que habitam o continente, se igualam, em termos de realismo fantástico, ao que os brasileiros vem vivenciando nos últimos doze anos. Por estas bandas , o fim do regime ditatorial, propiciou, com a exceção de apenas dois presidentes,  uma sequência contínua de governantes, que não fosse pela tragédia que representaram para a vida nacional, seriam dignos de figurar no rol da ficção mágica, como personagens caricatas de si mesmo.
        De longe a mais representativa dessas figuras mágicas surgiu nos portões das fábricas de São Paulo, montou um partido político só seu e para seus fiéis mais próximos. Ganhando as eleições, deu início à um governo que a cada dia surpreende pelo ineditismo das ações e pelo que vem sendo revelado do modo sui generis de governar. Nem de longe o melhor e mais criativo ficcionista do planeta conseguiria imaginar e escrever o que ocorre no mundo real dos brasileiros.  Como num folhetim  de milhares de páginas, as tramas,  vão vindo  à luz de forma ininterrupta,  mostrando um estado muito além da imaginação. Em 2005, com o estouro do escândalo do mensalão, a população passou a acompanhar pelo rádio, a mais longa novela da República, transmitida diretamente das sessões da CPI dos Correios. Estavam ali alinhados todos os ingredientes para uma boa obra ficcional. Dinheiro, poder, ambição, traição, mortes. Tudo dosado com alguns  detalhes de chanchada. Pedro Malasartes, Macunaína, Saci-pererê, Zé das Medalhas, estavam todos ali misturados e bem representados. O que a nação não sabia é que os episódios do mensalão, que terminou com o maior julgamento já feito pelo Supremo, foi apenas um prólogo do que se seguiria envolvendo a maior petroleira do país. Mas esta já é outra novela, embora com os mesmos personagens centrais.
Ari Cunha

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Ari Cunha

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