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Outro homem
Simpático, o papa Francisco disse a que veio. Sem discursos vazios, prefere mostrar com a própria vida a sugestão que oferece para o rebanho que segue Jesus Cristo. Deixa bem claro que o que ensina não é dele e quem o ouvir é a Cristo que deve responder. Trata de temas modernos, como meio ambiente, consumismo, homoafetividade. O papa surpreendeu quando, com o apoio da mídia, disse que a juventude fosse contra a maré e não tivesse medo disso. Contra a maré exatamente do que os meios de comunicação pregam. Violência, desavença, orgulho, vaidade, traição, ganância. Basta ligar a TV dois minutos e ver o que acontece. E o Ibope não tem como negar.
O índice de popularidade do papa é alto. Estamos em um país onde a descrença é generalizada tanto nos dirigentes quanto nas instituições. A cada dia, a fúria pelos lucros e o desespero pelo ter vão deixando o planeta mais inóspito ao próprio homem. A entrevista do papa Francisco dada à Civiltà Cattolica se apresenta como oásis em meio a um deserto de incertezas e angústias que vive a humanidade neste começo de século.
Ele fez diferente. É normal pôr uma igreja contra a outra, desde a escola dominical ou o catecismo até os sermões. Um precisa dizer que é melhor que o outro. Uma firma de mãos juntas em que está no livro quem vai ou quem fica. Uma igreja não aceita a presença de outras religiões no seu templo. Quando aceita, quer fazer o impossível para arrebanhar o visitante. Mais uma vez, o papa vai contra a maré.
A fala do sumo pontífice soa como chamamento do indivíduo para além das miudezas humanas, num mergulho no mais profundo de si mesmo, capaz de fazer emergir num mundo à altura dos sonhos. Ao se definir como “pecador para quem o Senhor olhou”, o papa se iguala ao homem comum de pés descalços sobre a terra e olhar fixo no céu “misericordiando”. Quando afirma que “precisa viver a vida junto dos outros”, põe às claras um ecumenismo que não é somente religioso, mas, acima de tudo, humanista.
Esse sentido lembra as reflexões do sacerdote, paleontólogo e filósofo jesuíta Teilhard de Chardin, que, ao buscar conciliar a teoria da evolução deDarwin com a doutrina católica, mostrava a síntese do que acreditava ser o verdadeiro humanismo, em que o espírito e a dignidade humana ultrapassam a matéria. Como jesuíta, Francisco, eleito papa, “foi chamado a exercer”, “Non coerceri a Maximo, sem contineri a minimo divinum est” (Não estar constrangido pelo máximo, e, no entanto, estar inteiramente contido no mínimo, isso é divino). É como alguém que está no luxuoso palácio e vê, através de uma pequena janela, todo o horizonte pela frente, maior e mais significativo.
Desse mesmo modo, a cada um é dada a possibilidade de ver a Deus a partir do próprio ponto de vista. Com essa visão é que o papa pretende reformar a Igreja. “Será sempre necessário tempo do discernimento para lançar as bases de uma mudança verdadeira e eficaz.” Na “leitura dos sinais dos tempos”, Francisco deixa claro que, ao posicionar hoje Cristo e a Igreja como centro, é possível adquirir o equilíbrio fundamental que torna possível viver na periferia, certo de que a Igreja não é uma entidade autossuficiente e distante do mundo.
Nesse sentido, Igreja é missão. No apostolado renovado, ao missionário é exigido que tenha o “pensamento aberto”, sem que as regras abafem o espírito. Entre as figuras jesuítas que mais chamaram a atenção do papa está o beato Pedro Fabro (1506-1646), pela capacidade de “diálogo com todos, mesmo os mais afastados e os adversários”.
Na administração da Igreja, diz, é preciso fazer consultas (consistórios e sínodos) antes de decidir. “Quero consultas reais, não formais”, prega. Ampliando a crença, afirma que “não existe plena identidade sem que se pertença a um povo” e que a Igreja, no seu sentir, deve, antes de tudo, estar no povo, que é sujeito e “infalível no crer”. Para ele a Igreja é a “totalidade do povo de Deus.” E continua: “Vejo a santidade no povo de Deus paciente: uma mulher que cria os filhos, um homem que trabalha para levar o pão para casa, os doentes, os sacerdotes idosos com tantas feridas, mas com um sorriso por terem servido ao Senhor, as irmãs que trabalham tanto e que vivem uma santidade escondida. Essa é, para mim, a santidade comum.”
Para os ministros da Igreja, Francisco recomenda: “Os ministros do Evangelho devem ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de saber dialogar e, mesmo, de descer às suas noites, na sua escuridão, sem perder-se. O povo de Deus quer pastores, não funcionários.” Muitos se afastam das igrejas porque até nelas impera uma burocracia desumana.
Na análise, a Igreja deve não apenas acolher, mas encontrar novos caminhos, saindo de si mesma, e ir ao encontro dos que, por qualquer razão, a abandonaram. Abrindo, portanto, um espaço para a reconciliação de todos. Nesse caso específico, Francisco admite que a ingerência espiritual na vida pessoal não é possível. “Se uma pessoa homossexual é de boa vontade e está à procura de Deus, eu não sou ninguém para julgá-la”. Desse modo, em sua visão, é preciso considerar a pessoa a partir de sua condição própria.
Francisco reconhece com realismo que, nestes tempos de agora, “mesmo o edifício moral da Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas, de perder a frescura e o perfume do Evangelho”.
(Coluna originalmente publicada em 9/9/2013)
VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam) Hoje, com Circe…
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