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Jeans quer justiça
Que é isso, companheiro? Barrar-me no tribunal só porque sou jeans? Pera lá! Eu escondi o joelho de muita gente importante. Gente trabalhadora e tida como trabalhadora. Escondi o joelho de intelectuais também. Por falar nisso, nunca mais vi ninguém daquela época. Vivia no meio do povo. Andando no poeirão brabo. Chegando a todos os confins desse Brasilzão de meu Deus.
Conheci gente das palafitas e dos barracos no morro. Conheci gente da China, da Rússia, de Cuba, da Polônia e de outros países interessantes. Conheci gente que não parecia gente. E muita gente boa também. Viajei com esse povo pra cima e pra baixo. Na mala, todo tipo de jeans.
Acho que quem se movimenta mais prefere um tecido que dura mais tempo limpo, pega no pesado, amassa pouco, esquenta quando precisa e esfria no calor. Jeans não é um tecido qualquer. Nasceu no ambiente da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Serviu a força motriz. Foi aparecendo devagarinho. Só gente que trabalhava muito gostava da gente.
Tenho orgulho de ser jeans. Cor bonita. Cor do céu. Agora, como tudo o que é moderno, precisei me adaptar. Posso ser pré-lavado, preto, branco, amarelo, vermelho, da cor de todas as raças. Estou pelo mundo.
Meu valor é tão grande que as madames me compram até rasgado. É um jeito preguiçoso de alcançar mais rápido aqueles que rasgaram de verdade porque estavam no batente. Se pudesse ter um carro, teria o adesivo: “Orgulho de ser jeans”. Ou, então: “Sou jeans, não esmoreço nunca”. Quando me passam pra frente é porque não aguentam mais. Mas de calça viro bermuda; de bermuda, short; de short, saia, bolsa e porta-lápis.
Quem me tem me adora. Quem me adora não me assume. Por isso, acho que foi uma falta de respeito me barrarem na mais alta Corte do país. Só porque sou jeans? Peça indumentária de 97,3% da população brasileira. Represento o caboclo, o peão, o trabalhador rural. Represento os estudantes deste país. Represento o partido que está sendo julgado neste momento. Na primeira convenção do PT, só tinha jeans. Ninguém foi barrado.
Vá às feiras. Todos os joelhos cobertos por jeans, nas universidades, nas ruas movimentadas das metrópoles. Jeans, jeans, jeans. Barraram-me. Isso vou precisar de um tempo para perdoar. Mesmo porque o filho de quem me barrou estava no cinema usando jeans.
Respeito não se faz pelo pano que cobre a pele. Taí, no que deu aqueles que tinham ideologia: convenceram os filiados do partido de que não precisavam ter medo de serem felizes. Foi só tirar o jeans que tudo degringolou.
Foi só me trocarem pela gravata que perderam o juízo, a raiz, a verdade. Preferiram os tecidos que cobrem o joelho de quem foi picado pela mosca azul. De quem se vende, de quem quer se dar bem a qualquer custo. De quem esbravejava nos discursos contra o que é hoje.
Blue como o jeans. Indigo. Indigno. Indignado. É assim que está o povo brasileiro. Não por causa do jeans que foi barrado. Mas por causa de quem esteve um dia dentro de um jeans. A Corte Suprema. Calça jeans. Um corte supremo. A tevê transmitia tudo. O jeans na telinha, misturado com traje social, não combinava. Social. Aquilo que pressupõe relações entre as pessoas, sociabilidade, modo de ser, de estar, de agir e de se manifestar. Quer algo mais social que o jeans?
Em uma roda de chope, passeando pelo parque, viajando, ou em protestos e passeatas. Eu era feliz e não sabia. Eu nunca tive medo de ser feliz. Comia poeira, passava horas em reuniões infinitas. Ouvia o povo falando errado e achava bonito. Povo de verdade. Aquele da mão grossa, cheia de calos. Gostava também do povo com calo na cabeça. Que usava óculos fundo de garrafa.
Acreditava que um mundo melhor seria possível. Seria possível o social. Deixar os pobres menos pobres. Acabar com a fome. Mas, cá entre nós, muitas dessas ideias nasceram também por quem não gostava de jeans.
A diferença é que uns queriam se dar bem, outros queriam que todos se dessem bem. Agora, não. Tradição é o que interessa. Jeans está fora do que é justiça porque ela não gosta de jeans. Interessante que o assunto tratado no STF é a ética. A vergonha na cara.
Tenho certeza de que eu era o que menos interessava ali. Estava enganado. A Justiça não é cega coisa nenhuma. Justiça que escolhe a roupa do povo é porque enxerga sim. E muito bem.
Conheço muita gente que por baixo dos panos não é nada do que parece ser. A roupa não é tão importante quanto a pele. Por baixo da pele é que se esconde um coração, umpensamento, um fígado. Por vestir jeans e blusa branca, a ex-senadora Heloisa Helena foi barrada várias vezes no Senado.
Aqueles que usam jeans, quando estão em casa, aprenderam a julgar as pessoas pelas roupas. É por essas e outras que os ladrões preferem terno e gravata. Assustam menos, passam por onde querem e roubam sem ser molestados. Já que enxerga, abra o olho e faça justiça!
(Coluna originalmente publicada em19/8/2012)
VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam) Hoje, com Circe…
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