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Colaboração Mamfil
O cerrado já está extinto
Destruído impiedosamente a partir dos anos 1960, primeiro para a instalação da nova capital e, em seguida, para a expansão das fronteiras agrícolas com base na exploração intensiva das monoculturas, o cerrado, como bioma, já não existe na prática.
Os impactos sobre o desaparecimento desse ecossistema já são sentidos na sua inteireza, sobretudo na diminuição e no desaparecimento de importantes reservatórios de água responsáveis pelo abastecimento de regiões. O agronegócio também tem seus dias contados. A derrubada sistemática de milhões de hectares de matas nativas para o cultivo de monoculturas e o uso intensivo de pesticidas já provocaram, na parte central do Brasil, alterações profundas e irreversíveis, de modo que as repercussões virão num crescendo difícil de prever.
Ao lado das monoculturas de grãos, plantadas em grandes latifúndios, o cerrado sofreu ainda com a introdução de outras culturas, como o eucalipto e a cana-de-açúcar, impulsionada pela campanha dos combustíveis verdes. A expansão dessas culturas empurrou o gado para outras terras, acelerando a degradação ambiental a um tal ponto que hoje se torna quase impossível medir, com precisão, os ganhos reais que essa atividade trouxe vis-à-vis dos estragos perenes que deixaram para trás. O fato é que o festejado agronegócio, responsável por saldos favoráveis na balança comercial, tem deixado um rastro de destruição de proporções bíblicas. Como se trata de um setor superavitário e com forte poder de lobby junto aos poderes da República, as vozes contrárias a essa bonança imediatista que rende lucros cada vez mais a um pequeno número de produtores são sempre taxadas de reacionárias e atrasadas, sendo muitas vezes caladas à força.
Goiás, Triângulo Mineiro, Mato Grosso, norte de São Paulo, Bahia, Tocantins, além de Piauí e sul do Amazonas já sentem os efeitos da destruição desse bioma. Trata-se não só de um crime contra os brasileiros e as próximas gerações, mas sobretudo de um crime ambiental para toda a humanidade. O que se observa é que apenas 7,2% das áreas do cerrado são protegidas por lei — a maioria em parques nacionais — e mesmo essas áreas sofrem com a propagação de incêndios, provocados pelos fazendeiros e pelo forte calor e seca.
O professor Altair Sales Barbosa, da Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), criador do Memorial do Cerrado, lembra que o cerrado é um dos primeiros ambientes do planeta formado após a extinção da vida sobre terra, há 70 milhões de anos. “Vivemos no local onde houve as formas de ambiente mais antigas da história recente do planeta, principalmente se levarmos em consideração as formações vegetais. No mínimo, o cerrado começou há 65 milhões de anos e se concretizou há 40 milhões de anos”. Para o estudioso, o cerrado já atingiu o clímax da sua evolução. Destruído, não se recuperará em sua plenitude.
O calor e a secura cada vez mais intensos refletem as mudanças drásticas das últimas décadas sendo que, a cada ano, esses reflexos serão mais sentidos. Para alguns especialistas, considerando a taxa de extinção de dois milhões de hectares por ano, daqui a apenas 15 anos (2030) o cerrado deixará de existir. Trata-se de uma previsão catastrófica, mas que não tem despertado a atenção das autoridades, satisfeitas apenas com o brilho fácil e rápido do agronegócio. É importante salientar que nessa região existem mais de 20 mil nascentes catalogadas, que abastecem 12 diferentes regiões hidrográficas do país.
Em países civilizados, a região seria tratada como área de segurança nacional, dado o valor incomensurável das suas riquezas naturais. É preciso que os novos dirigentes tenham em mente que transformar essa área em celeiro do mundo é mais uma dessas mirabolantes fantasias que escondem um passivo infinitamente maior do que toda a produção somada nos últimos anos. Altair Sales lembra que o abastecimento das três grandes bacias do continente sul-americano (Guarani, Bambuí e Urucaia) têm sua origem no cerrado. As mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas captam mais gás carbônico do que outras, em outras regiões. Mais de 50 milhões de hectares de pastagem, 15 milhões de lavouras, o plantio de espécies alienígenas — como eucalipto e cana-de-açúcar — em larga escala, além de milhares de carvoarias espalhadas nessa região, somadas às queimadas frequentes, fazem do cerrado um bioma moribundo cujo desaparecimento custará a sobrevivência de milhões de brasileiros.
O professor lembra ainda que “o cerrado foi incluído na política de expansão econômica brasileira como fronteira de expansão. É uma área fácil de trabalhar, em um planalto, sem grandes modificações geomorfológicas e com estações bem definidas. Junte-se a isso toda a tecnologia que há para a correção do solo. É possível tirar a acidez utilizando o calcário; aumentar a fertilidade usando adubos. Com isso, altera-se a qualidade do solo, mas afeta-se os lençóis subterrâneos e, sem a vegetação nativa, a água não pode mais infiltrar na terra”. O estudioso lembra que onde houve modificação do solo pela introdução do calcário e gramíneas exóticas, a vegetação nativa não brota mais. E ressalta um detalhe fundamental: “Quando se retira a vegetação nativa dos chapadões, trocando-a por outro tipo, altera-se o ambiente. Ocorre que essa vegetação introduzida — por exemplo, a soja ou o algodão — tem uma raiz extremamente superficial. Então, quando as chuvas caem, a água não infiltra como deveria. Com o passar dos tempos o nível dos lençóis vai diminuindo, afetando o nível dos aquíferos, que fica menor a cada ano.”
A devastação do cerrado tem sido responsável pelo desaparecimento de dez pequenos rios a cada ano. Esses pequenos riachos são alimentadores de outros rios maiores e o processo de seca acaba se estendendo por cadeia, com consequências que já começamos a sentir na pele. O professor alerta que “vai chegar um tempo, não muito distante, em que não haverá mais água para alimentar os rios. Então, esses rios vão desaparecer.” As consequências dessa ocupação desenfreada pelo agronegócio e outros agentes alheios ao cerrado serão, segundo Altair Sales ,ainda mais severos .“Não existem mais comunidades vegetais de formas intactas; não existem mais comunidades de animais — grande parte da fauna já foi extinta ou está em processo de extinção, os insetos e animais polinizadores já foram, na maioria, extintos também; por consequência, as plantas não dão mais frutos por não serem polinizadas, o que as leva à extinção.”
Por fim, a água, fator primordial para o equilíbrio de todo esse ecossistema, está em menor quantidade a cada ano. “Com um volume tão impressionante de previsões catastróficas como essa, o que aflige mais, sem dúvidas, é a cara de paisagem das autoridades, alheias a um futuro de penúria extrema, que já chegou.
VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam) Hoje, com Circe…
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