Uma capital em risco

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Brasília – DF

Brasília nasceu para ser a capital do futuro. Projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1987, a cidade modernista se consolidou como símbolo da arquitetura e do urbanismo do século XX. No entanto, o que se vê hoje, sobretudo no coração do Plano Piloto, é um processo lento, porém contínuo, de degradação urbana, que ameaça não apenas a paisagem urbana, mas o próprio título de patrimônio mundial.

Nos últimos anos, a ocupação irregular de áreas públicas, especialmente com barracos de lata e construções improvisadas, vem crescendo de forma quase incontrolável, parece que com a anuência dos órgãos de vigilância sanitária e das administrações. A situação é mais visível em locais de intenso fluxo econômico, como a tradicional avenida W3 Norte e Sul, que já foi o polo mais importante do comércio de rua da capital. Hoje, pontos de ônibus e estacionamentos convivem com trailers de metal mal instalados, que se transformaram em bares improvisados, lanchonetes ou oficinas precárias, alterando a paisagem pensada por Lúcio Costa para ser harmônica, funcional e monumental. “Brasília foi concebida como uma obra de arte coletiva, em que cada detalhe urbanístico dialoga com o conjunto”. O que vemos hoje é a descaracterização desse projeto.

Quando se permite a ocupação irregular, a paisagem perde sua coerência, e a cidade, seu sentido original”, afirma o urbanista Henrique Tavares, professor da Universidade de Brasília. A preocupação não é apenas estética. Especialistas alertam que a crescente desordem urbana pode colocar Brasília sob risco de ser incluída na lista de Patrimônios da Humanidade ameaçados da Unesco — e, no limite, perder a chancela. “O título não é eterno. Ele depende da conservação da integridade do bem tombado. Se a cidade continuar a se deteriorar, a Unesco pode rever a decisão, assim como já aconteceu com outros sítios no mundo”, alerta a arquiteta Marta Campos, pesquisadora de patrimônio cultural. A ocupação irregular de espaços públicos não é um fenômeno isolado. Em diferentes pontos do Plano Piloto surgem feiras improvisadas, estacionamentos clandestinos e até habitações precárias.

O cenário dialoga com a chamada teoria das janelas quebradas, formulada nos anos 1980 por criminólogos norte-americanos. A ideia central é que sinais de abandono e descuido — como pichações, lixo acumulado, prédios depredados ou barracos improvisados — criam um ambiente que favorece mais degradação, estimulando o crime, a desordem e o afastamento das pessoas. “Quando uma cidade começa a dar sinais de abandono, a tendência é de que isso se intensifique em efeito cascata. O que hoje é apenas feio, amanhã pode se tornar perigoso. E, no caso de Brasília, pode se tornar também um prejuízo simbólico, já que a capital pode perder o prestígio internacional que conquistou com o título da Unesco”, explica o sociólogo Paulo Sérgio Almeida. O impacto econômico também preocupa.

Com a degradação visível de áreas centrais, Brasília corre o risco de afastar turistas que buscam justamente a experiência arquitetônica e urbanística única da cidade. Além disso, especialistas em políticas públicas alertam que a deterioração urbana pode até afetar a permanência de órgãos internacionais e nacionais na capital. “Nenhuma instituição de peso deseja estar associada a uma cidade em franco processo de decadência. A perda da vitalidade urbana pode gerar até mesmo desvalorização do Plano Piloto, afastando investimentos e funções administrativas”, acrescenta Almeida. A W3, símbolo maior dessa decadência, ilustra de forma clara o problema. Lojas fechadas, calçadas esburacadas, comércio informal espalhado em trailers metálicos e pontos de ônibus transformados em depósitos improvisados compõem uma paisagem distante do sonho modernista. “A W3 já foi chamada de vitrine de Brasília. Hoje é um espelho partido da capital. Se não houver ação enérgica, será tarde demais para recuperar a avenida”, lamenta o arquiteto Roberto Meireles.

Entre promessas de revitalização e fiscalizações pontuais, o fato é que o avanço da degradação segue um ritmo mais rápido do que as medidas de contenção. O poder público parece incapaz de responder à altura, enquanto a cidade — símbolo de modernidade e racionalidade — vai se tornando refém da ocupação desordenada e da indiferença. Brasília, que um dia nasceu para ser vitrine de um país que olhava para o futuro, hoje se vê às voltas com um presente de improvisos, barracos e trailers de lata. Se a teoria das janelas quebradas se confirmar, a lenta corrosão pode se transformar em colapso — e o que foi um dia patrimônio da humanidade pode se tornar apenas mais um caso de descuido e esquecimento.

A frase que foi pronunciada:

“O orgulho é muito grande para quem nasceu nesta cidade. Esta cidade tem algo de encanto, é a capital de todos os povos, da esperança, da união, de todos os brasileiros.”

Governador Ibaneis no discurso de posse.

Governador Ibaneis Rocha. Foto: Ed Alves/CB/D.A Press

História de Brasília

Um registro social: hoje, o Newton Araujo, da Prefeitura faz cinco anos de Brasília. (Publicado em 09.05.1962) icado em 09.05.1962)

Circe Cunha

Publicado por
Circe Cunha
Tags: #AriCunha #Brasília #CirceCunha #HistóriadeBrasília #Mamfil

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