Quem são os selvagens

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada por Ari Cunha (In memoriam)

Desde 1960, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Charge do Latuff

Na Constituição brasileira, promulgada em 1988, denominada por seus autores como a Carta Cidadã, diz, em seu artigo 231, que: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Com isso fica, pelo menos no texto de nossa Lei Maior, consagrado o direito dos indígenas de manter e preservar suas terras, assim como sua cultura, seguindo assim o que mais esses povos respeitam e seguem que é a tradição ancestral.
De fato, desde sempre, antropólogos, sertanistas e pesquisadores, devotados às causas indígenas, sempre fizeram questão em frisar que não existe índio sem terra. Trata-se de um binômio, que deve merecer das autoridades e de todo o brasileiro que se preze, o maior respeito e aceitação. Cabral , no século XV, oriundo do que viria a ser a futura metrópole do Brasil, foi o primeiro invasor oficial das terras indígenas. A ele se seguiram milhares de outros ao longo dos séculos, numa cruenta realidade que persiste ainda hoje, em pleno século XXI. Vamos acumulando quase seis séculos de ignomínia contra os que seriam os verdadeiros donos dessas terras.
Ao longo dos últimos quinhentos anos, o contato entre brancos e índios tem sido, no Brasil, claramente nefasto para essas populações autóctones. A começar pelo processo bruto da aculturação como imposição ou sujeição sócio-cultural, resultando daí, em muitos casos, no chamado etnocídio ou na destruição dos traços culturais de uma etnia. Essa história, iniciada, candidamente, nas missões dos primeiros jesuítas do século XVI, por meio dos métodos de catequização dos povos indígenas, prosseguiu em todo continente americano com a utilização de métodos e outras estratégias que, ao final resultaram na quase completa destruição dessas antigas sociedades.
Dos cinco milhões de índios que habitavam o Brasil à época do descobrimento, pouco mais de 450 mil restaram atualmente, espalhados por 650 diferentes áreas, abrigando pouco mais de 225 etnias ou sociedades. Se, ao longo dos séculos a dizimação desses povos, considerados “sem alma” pelo homem branco, foi feita de maneira direta e sem subterfúgios, hoje esse processo continua silencioso por meio da assimilação desregrada de hábitos e vícios da cultura branca pelos indígenas.
Hoje, ao lado dos antigos métodos de envenenamento dessas civilizações, a falta de infraestrutura de saneamento básico, principalmente com relação à água potável, tem provocado a morte de uma criança indígena a cada três dias, vitimada por diarreias e outros males. Encurralados pela civilização branca, muitos índios têm recorrido ao suicídio como forma de se libertar desse jugo moderno.
Indiferentes a esse flagelo cometido contra os legítimos donos dessas terras, lavamos as mãos, como é hábito entre nós. Nossa omissão em relação a esse tema, torna-nos partícipes desse atentado contra os primeiros e mais legítimos brasileiros de todos e nos colocam, aos olhos do mundo como sendo os verdadeiros selvagens, indiferentes e insensíveis a delicadeza e sofisticação desses povos.
O conceito de assimilação, ainda presente na concepção de muitos e que prega a tese de que os indígenas formam uma categoria social transitória, ou seja, destinada a desaparecer com o tempo, quer por processos de aniquilamento, que é o que temos visto ao longo de toda a nossa história, ou simplesmente vítimas do fenômeno da assimilação por parte do homem branco, também chamada de aculturação, parece ter sido superada, em parte, pela atual Constituição. Caso contrário, como explicar o rumoroso julgamento, feito agora pelo Supremo Tribunal Federal (STF), denominado Marco Temporal.
Na realidade, trata-se de um problema que só tem despertado algum interesse da população pelo fato de muitas nações indígenas estarem, há semanas, acampadas no coração da capital do país, à espera desse julgamento.
Por sua importância, não apenas para os próprios indígenas, mas para toda a nação, essa é uma questão histórica que deveria merecer maior engajamento de todos os brasileiros, tanto para pacificar um assunto secular, como para demonstrar ao mundo que já podemos nos considerar um povo civilizado, apto a solucionar , de modo plenamente satisfatório e justo, nossos próprios problemas, principalmente esse que nos remete a nossa própria formação como nação.
É do alheamento de muitos de nós, que se valem o atual governo, os madeireiros, os garimpeiros e muitas ONGs para prorrogar o que tem sido visto, aos olhos do mundo num crime que, direta ou indiretamente, está sendo cometido por cada um de nós.
A frase que não foi pronunciada:
“Não doem as costas, doem as cargas. Não doem os olhos, dói a injustiça. Não dói a cabeça, doem os pensamentos. Não dói a garganta, dói o que você não se expressa ou se exprime com raiva. Não dói o estômago, dói o que a alma não digere. Não dói o fígado, dói a raiva contida. Não dói o coração, dói o amor. E é precisamente ele, o amor mesmo, quem contém o mais poderoso remédio.”
Anciã indígena Cherokee
Reprodução: Brasil de Fato
História de Brasília
Assim seriam evitados os fins de semana que funcionários passam fora de Brasília em carros do governo e não seriam tomados os lugares de motoristas profissionais que buscam emprego por toda parte. (Publicada em 08/02/1962)
Circe Cunha

Publicado por
Circe Cunha
Tags: #AriCunha #Brasília #CF88 #CirceCunha #CongressoNacional #Etnocídio #HistóriadeBrasília #IndígenasNoBrasil #Índios #Mamfil #MarcoTemporal STF

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