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Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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É possível que, num futuro não tão distante, a inteligência artificial não apenas transforme a economia, o trabalho e a comunicação, mas também provoque um abalo tão profundo nos fundamentos filosóficos do Ocidente, que suas colunas históricas – o humanismo, a ética, a dignidade da pessoa humana, a noção de responsabilidade moral -, deixem de sustentar a vida coletiva da mesma maneira que o fizeram por milênios. A hipótese, que até pouco tempo parecia restrita à ficção científica, volta agora a frequentar o debate público com crescente inquietação, sobretudo porque a velocidade das inovações supera largamente a capacidade das instituições, das leis e até mesmo da consciência social de acompanhar o impacto desse novo ator que emerge, silenciosamente, nas engrenagens digitais do mundo contemporâneo.
Desde seus primórdios, o Ocidente construiu-se sobre bases que não eram meramente técnicas ou utilitárias. A invenção da filosofia na Grécia, a codificação do direito em Roma, a moralidade hebraico-cristã, a redescoberta da razão no Iluminismo e a consagração do indivíduo na modernidade compõem o alicerce cultural que fez, da liberdade, do debate racional e da responsabilidade pessoal, valores inegociáveis. Esse edifício, embora frequentemente contestado, mostrou extraordinária capacidade de resistência diante das guerras, das revoluções, do totalitarismo e até das mudanças tecnológicas que marcaram os últimos séculos. Mas, agora, ele se depara com um desafio inédito: a presença de máquinas capazes não apenas de executar comandos, mas de simular processos de pensamento, orientar decisões e apresentar interpretações do mundo que competem com aquelas tradicionalmente elaboradas pelos seres humanos.
Se a técnica sempre foi um instrumento subordinado ao discernimento moral, a IA inaugura uma zona cinzenta em que a fronteira entre instrumentalidade e autonomia se torna difusa. Nunca foi tão fácil delegar à máquina tarefas que vão muito além da eficiência operacional e penetram no território sensível das escolhas humanas, da formação de opinião, da organização social e até das narrativas culturais pelas quais compreendemos a nós mesmos. O risco não está apenas no mau uso ou na manipulação, mas na possibilidade de que sistemas algorítmicos opacos, impessoais e programados para otimizar resultados tornem-se lentamente árbitros silenciosos das decisões que, por tradição, exigiam prudência, intencionalidade e consciência ética.
Enquanto o humanismo, visão que coloca a pessoa no centro da vida social, pressupõe limites que impedem que qualquer mecanismo, seja ele político, econômico ou tecnológico, reduza o homem a um dado estatístico, a IA, movida por uma lógica de processamento e eficiência, tende a enxergar o humano não como fim, mas como variável. E essa mudança sutil, quase imperceptível no cotidiano, pode ter consequências profundas: ao transferirmos, às máquinas, o trabalho de julgar, decidir e até interpretar comportamentos, corremos o risco de atrofiar as virtudes que sustentaram a civilização ocidental, como a responsabilidade, o discernimento, a intuição moral e a capacidade de dizer “não” às imposições externas. O verdadeiro perigo não está no momento em que a IA se tornar mais inteligente que o homem em termos computacionais, mas naquele instante silencioso em que começamos a aceitar que seus critérios substituam os nossos, que suas inferências se tornem mais confiáveis do que nossa consciência, que sua lógica interna construída nos meandros de linhas de código passe a orientar a vida pública com a autoridade de um novo oráculo digital.
Civilizações não colapsam apenas por violência ou catástrofes repentinas; muitas sucumbem pela erosão lenta de suas referências simbólicas, pela perda de confiança no próprio legado, pela substituição de seus valores por sistemas abstratos que prometem eficiência, mas cobram o preço da alma coletiva, é o que nos mostra a história.
Hoje, o Ocidente vive uma tensão que ainda não foi compreendida em toda a sua gravidade. Enquanto governos e corporações aceleram a integração da ética, que deveria orientar os rumos da tecnologia, parece cada vez mais pressionada a adaptar-se a ela, como se princípios milenares pudessem ser reescritos de acordo com a conveniência de sistemas digitais treinados sobre bases de dados, cujo conteúdo não obedece a nenhum critério moral universal. Esse cenário não exige medo irracional, mas vigilância lúcida. A inteligência artificial não precisa e talvez nunca precise tornar-se consciente para remodelar profundamente a civilização; basta que nos acostumemos a terceirizar para ela as decisões difíceis, os julgamentos morais, as responsabilidades coletivas e até a formulação das narrativas que organizam nossa percepção do mundo. O perigo maior não é que as máquinas nos oprimam deliberadamente, mas que nós, fascinados por sua precisão e comodidade, abramos mão de exercer aquilo que sempre definiu a condição humana: a capacidade de escolher, de ponderar, de errar, de refletir, de assumir a autoria de nossas ações e de sustentar uma ética que transcende qualquer cálculo.
Nem condenado, nem garantido está o nosso futuro. Se quisermos preservar o legado grego da razão, o romano do direito e o judaico-cristão da dignidade humana, será necessário reafirmar, com rigor e coragem, que nenhuma tecnologia, por mais avançada que seja, pode ocupar o lugar da consciência moral. A civilização sobreviverá se recordar que os algoritmos não têm alma, não sofrem, não erram por compaixão, não assumem culpa, não pedem perdão e não amam. E é precisamente nessas imperfeições humanas que residem a força, a beleza e a responsabilidade que moldaram o Ocidente ao longo de dois milênios. Cabe a nós decidir se a herança recebida será preservada, transformada ou simplesmente substituída por uma racionalidade do tipo “maquinicista” que, por mais eficiente que seja, jamais compreenderá o que significa ser humano e sua história até o presente.
A frase que foi pronunciada:
“Um país onde tudo é dirigido pela vilania.”
Leopoldina (do livro de Rodrigo Trespach, Histórias não Contadas, pág.128)
História de Brasília
Estado de emergência para o Nordeste. Esta, a decisão do Conselho de Ministros, determinando providências à SUDENE para abastecer as cidades e aumentar as obras assistenciais aos flagelados. (Publicada em 13.05.1962)
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