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–> A NEOENERGIA E O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
Paulo Cardoso de Oliveira*
Vivemos atualmente uma realidade na qual os serviços públicos aos poucos vão deixando de ser prestados pelo Estado e passam a ser delegados à iniciativa privada, fato esse que tem provocado uma evolução no pensamento jurídico, especialmente no tocante à própria noção de serviço público.
Desde a escola francesa fundada por Léon Duguit, o serviço público vem sofrendo mudanças conceituais, passando da noção de toda e qualquer atividade que atendesse às necessidades coletivas, para a de atividade prestada direta ou indiretamente pelo Estado sob regime de direito público.
Nos EUA, apesar da concepção liberal daquele país, algumas atividades de forte interesse social são submetidas a um poder de polícia mais intenso realizado por um Estado preponderantemente regulador, são as public utilities. O elemento diferenciador entre essas atividades e a antiga noção de serviço público está no fato de serem titularizadas pela iniciativa privada com limitações estatais nas quais se exerce o denominado Poder de Polícia pelo Estado.
Percebe-se, atualmente, no Brasil que os serviços públicos, mais e mais, saem da órbita de prestação estatal direta e migram para a execução por particulares, exigindo a presença do Estado na regulação deles, por conta do denominado interesse público.
Um princípio essencial que se tem mantido imutável na noção de serviço público é a noção de que sua prestação deve ser ininterrupta, traduzida no princípio da continuidade, garantidor da regularidade na prestação dos serviços de interesse coletivo.
A legislação trata disso, desde a Constituição até as leis infraconstitucionais, como o Código do Consumidor, Lei n. 8.078/1990, norma que possui dispositivo voltado aos concessionários e permissionários dos serviços públicos, o artigo 22, segundo o qual tais empresas delegadas são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e quando essenciais, contínuos.
Não há dúvidas de que o serviço de fornecimento de energia elétrica é essencial e sua interrupção poderá causar impacto em direitos fundamentais dos consumidores. Isso, todavia, vem sendo ignorado pela empresa Neoenergia, que assumiu os serviços no Distrito Federal anteriormente prestados pela CEB.
A qualidade da prestação caiu repentinamente, sendo notório que semáforos de áreas de tráfego intenso passam semanas desligados por falta de energia e que residências ficam sem energia por mais de 24 horas, em face de transformadores que queimam e que não são reparados.
Recente episódio é bastante revelador: um pombo chocou-se com um transformador causando curto-circuito e desligando a energia de várias residências no Lago Sul. Isso ocorreu por volta das cinco horas da manhã de sexta-feira. Houve acionamento da empresa em vários momentos: pelo sistema SMS (torpedo) que era oferecido no passado pela CEB, pelo Whatsapp e via telefone, sem qualquer providência. No final da tarde daquele dia, estiveram no local servidores da empresa que identificaram o poste onde o transformador estava localizado e repassaram os dados para a concessionária. Apenas às sete horas da manhã do dia seguinte, sábado, a Neoenergia iniciou o conserto e regularizou o problema por volta das oito horas.
A descontinuidade foi flagrante e reveladora da ineficiência da empresa; os prejuízos incalculáveis.
A causa é simples: a Neoenergia ignorou o princípio da continuidade. Tão logo assumiu, ofereceu aos antigos funcionários da CEB um Plano de Desligamento Voluntário (PDV), levando boa parte dos trabalhadores, alguns técnicos experientes, a se desligarem da empresa. Fez isso sem que tivesse pessoal treinado para tal, começando a preparar pessoas só após a debandada dos antigos funcionários. Obviamente, a razão da ineficiência está escancarada: o serviço passou a ser descontinuado por falta de pessoal especializado.
O episódio é revelador: a empresa priorizou o lucro esquecendo-se de que assumiu um encargo público de prestação de um serviço essencial, devendo realizar as mudanças de forma gradual. Faltou bom senso, razoabilidade. Pelo visto inexistiu no plano de desligamento de colaboradores um planejamento que evitasse a descontinuidade.
A situação é grave e tende a piorar: há notícias de estão previstos mais dois Planos de Desligamento Voluntário na Neoenergia: um em novembro deste ano e outro em março de 2022.
Com a palavra o estado concedente.
*Advogado e professor.
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