O camelo e a agulha

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: Paulo H. Carvalho/ Agência Brasília

                     Em matéria publicada no Podcast do nosso Correio Braziliense jornal no dia 03/07/2024, sob o título: “PPCUB – Um grande risco à qualidade de vida”, a arquiteta e urbanista Vera Ramos, integrante do Instituto Histórico e Geográfico do DF, alertou para o grande risco de Brasília vir a perder o prestigioso título de Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em 1987.

Não é pouca coisa, já que se trata da maior área tombada do mundo, com 112,5 km², talvez, por isso mesmo, tenha sido tornada alvo constante de todo o tipo de especulação imobiliária, por parte de políticos e empreiteiros locais ao longo de toda a sua existência. Dessa vez, e de forma até impetuosa, Brasília volta a sofrer mais uma tentativa de ser desfigurada por conta do controverso e malicioso Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), aprovado agora pela Câmara Distrital.

 De acordo com Vera Ramos, muitas são as cláusulas desse Plano que colocam em risco não só a manutenção do título concedido pela Unesco, mas, sobretudo, diminuem e agridem sensivelmente a qualidade de vida dos brasilienses. De início, a urbanista lembra que o partido da cidade, ou seja, a característica fundamental (personalidade) de Brasília é que ela é uma cidade parque, sendo concebida muito em função das extensas áreas verdes que a cercam. O próprio Lúcio Costa deixou isso patente quando deixou claro em seu projeto a predominância das áreas verdes sobre as áreas construídas. Dessa forma não se pode entender ou aceitar Brasília sem suas áreas verdes.

Esse é, justamente, o ponto que deixa aqueles que nada entendem de urbanismo ou dos aspectos que levaram à concepção da capital sempre animados e prontos para, a todo o instante, propor medidas para alienar essas áreas. “O urbanismo de Brasília, ensina ela, traduz uma referência ética, que significa a predominância do interesse coletivo sobre o privado”.

                     Na avaliação de Vera Ramos, o PPCUB está propondo exatamente o contrário nas diversas cláusulas aprovadas, beneficiando o interesse privado. “Essa aula de ética que o urbanismo de Brasília dá para todos nós, e para as autoridades, deveria fazer parte, inclusive, de informações para o melhor entendimento desse Plano”, enfatizou a arquiteta, ao ressaltar que os bens inscritos na Unesco, como é o caso da capital, devem possuir um plano de preservação com regras claras, tudo o que o PPCUB não parece possuir.

Outro ponto que também chamou a atenção da urbanista é que, no caso do PPCUB, não houve a participação ativa da sociedade civil o que, de certa forma, torna evidente que a comunidade brasiliense desconhece o que trata o PPCUB. Outra questão destacada por Vera Ramos é quanto ao adensamento populacional trazido pelo plano ao instituir a criação de diversos novos lotes em áreas públicas. Acontece que esses lotes estão justamente situados em áreas não edificantes, ou seja são áreas previstas para ficar vazias, sem construções. É outro conceito trazido por Lúcio Costa de intercalar o cheio e o vazio, dando sentido e harmonia a ambos.

Outro ponto que para não caber na cabeça dos leigos e interesseiros de prontidão. As áreas não edificantes, assinala Vera Ramos, não são áreas ociosas pois integram a escala bucólica, prevista por LC. A arquiteta lembrou ainda que, em qualquer intervenção válida e séria, a abordagem deve ser feita a partir da escala, uma vez que esse é um dos elementos fundamentais do tombamento. Não se pode, pois, misturar setores de uma escala com outra.

Com isso, dá para entender que aqueles que redigiram o PPCUB não conheciam nem mesmo as mais básicas regras do tombamento e mesmo de urbanismo. Além disso, o PPCUB, segundo analisa, peca por falta de transparência em vários dispositivos. A questão da volumetria, que também é uma das exigências contidas no tombamento, foi abordada com maestria. Nesse sentido, o aumento de gabarito em alguns edifícios também vão contra o estabelecido no tombamento e ferem de morte o projeto de Lúcio Costa. Na opinião de Vera Ramos, o principal em toda essa celeuma e o que importa para a sociedade é discutir, de forma honesta, os reais instrumentos de preservação e valorização do patrimônio que é de todos os brasileiros, pois como ela própria ressalta: “a população é a guardiã do patrimônio.” Com essas possibilidades de Brasília vir a perder, ao mesmo tempo, o título de patrimônio cultural da humanidade e a qualidade de vida de seus habitantes é que obriga o PPCUB ser colocado a apreciação da população local por meio de um amplo e claro referendum, que apresente ponto por ponto essa proposta. A aposta dessa coluna, que sempre tomou frente em defesa de Brasília, é que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que a população aceitar esse plano maroto e cheio de más intenções.

A frase que foi pronunciada:

“Sim. A questão é polêmica, complexa e, por vezes, difícil de ser assimilada pela população.”

Leonardo Ávila, presidente do Codese sobre os alertas em relação ao tombamento

Leonardo Ávila. Foto: Codesi / Divulgação

História de Brasília

A Rádio Educadora de Brasília bem que podia dar a hora certa. Seria uma ajuda aos ouvintes, que não são poucos. (Publicada em 10.04.1962)

Circe Cunha

Publicado por
Circe Cunha
Tags: #AriCunha #Brasília #CirceCunha #CODESI #GovernoLula #HistóriadeBrasília #Mamfil

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