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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: reprodução da internet

Lídia Jorge, famosa escritora portuguesa, tem abordado, há alguns anos, a questão da cidadania numa Europa invadida por populações vindas da África e do Oriente, fugidas das guerras e das perseguições e que trazem consigo culturas e crenças que têm assustado os europeus. Mesmo diante de tanta polêmica, tem a coragem de dizer que a cidadania é algo que se constrói em conjunto. Lembrando que uma nação é formada também pelas memórias mais dolorosas e que só há futuro possível quando essas feridas são reconhecidas. Lídia tem combatido a disseminação do ódio e do extremismo, que silenciam vozes.

Num momento em que gritos e divisões se espalham pelos quatro cantos do continente europeu, sua voz serena tem o poder de aproximar e reconciliar. Num país consumido e exausto de tanto barulho e desinformação, ela traz a firmeza e a clareza de quem planta raízes de verdade. Eis o que disse em recente discurso: “Shakespeare, Cervantes e Camões perceberam bem que, em dado momento, é possível que figuras enlouquecidas, emergidas do campo da psicopatologia, assaltem o poder e subvertam todas as regras da boa convivência. Quando ficarem em causa os fundamentos institucionais, científicos, éticos, políticos e os pilares de relação de inteligência homem-máquina entrarem num novo paradigma, que lugar nós ocuparemos como seres humanos? O que passará a ser um humano?”

Não restam dúvidas de que a Europa, primeiro, e depois o mundo estão experimentando, neste início do terceiro milênio, mudanças rápidas e desafiadoras — sobretudo os países do Ocidente, invadidos por imigrantes, que subvertem a cultura interna e tentam, ao mesmo tempo, impor a sua cultura; como é o caso de muitos imigrantes mulçumanos que estão hoje na Europa. O que fazer diante de tão inusitado e delicado momento histórico como a imigração? Eis aí outro grande desafio aos humanos que vêm a se somar a questões capitais, como a do aquecimento global e a do esgotamento dos recursos naturais.

A fala de Lídia Jorge ressoa com especial força num tempo em que as democracias ocidentais enfrentam múltiplos desafios: o avanço da desinformação, o colapso de consensos mínimos de convivência e, como pano de fundo, o agravamento das tensões identitárias trazidas pelas ondas migratórias — especialmente em países como França, Alemanha, Suécia e Reino Unido.

A escritora portuguesa aponta para um ponto essencial: a cidadania não é apenas um status jurídico, mas uma prática ativa de convivência baseada em reconhecimento mútuo, respeito e pertencimento. Quando ela evoca Shakespeare, Cervantes e Camões, não o faz por vaidade literária, mas para mostrar que, já no passado, se compreendia o risco de governos capturados por figuras patológicas que, em nome da ordem ou da tradição, promovem políticas de exclusão e medo. Esse é o risco que hoje ronda a Europa — e o Ocidente em geral.

A Europa vive uma encruzilhada que expõe a tensão entre dois valores centrais de suas democracias: o universalismo dos direitos humanos e a preservação da identidade cultural. É fato que uma minoria radical entre os imigrantes desafia os valores liberais ocidentais, promovendo a intolerância religiosa, o sexismo e até a violência. Mas é igualmente fato que a esmagadora maioria migra por necessidade, foge da guerra ou da fome e busca apenas uma vida digna.

Aqui é que a reflexão de Lídia Jorge se impõe: não podemos deixar que o medo apague a empatia. Cidadania, como ela bem diz, não é apenas documento — é ter voz, ter espaço, ser valorizado. Quando se nega cidadania a um grupo inteiro com base na origem ou religião, rompe-se a lógica democrática e abre-se espaço para políticas regressivas que desumanizam e, paradoxalmente, alimentam a radicalização.

O problema real não é a migração em si, mas a ausência de políticas de integração eficazes. O multiculturalismo falhou não porque acolheu, mas porque falhou em exigir reciprocidade cultural. A integração não é assimilação forçada, mas também não pode ser passividade estatal diante da imposição de práticas que contrariam os direitos humanos (como casamentos forçados, mutilação genital feminina ou intolerância religiosa).

Reafirmar os valores democráticos: a cidadania deve ser dada a quem se compromete com os princípios constitucionais do país que o acolhe. Isso exige contratos de integração mais firmes, mas também educação intercultural e espaços de escuta mútua. Políticas públicas de convivência têm mostrado que não basta controlar fronteiras — é preciso investir em educação, moradia e trabalho para os imigrantes. E evitar a formação de guetos sociais que alimentam o ressentimento mútuo.

O combate à radicalização, tanto à islamista quanto à de extrema-direita, é necessário. A ascensão de partidos como o Rassemblement National (França), Vox (Espanha), AfD (Alemanha) ou Chega (Portugal) mostra que o medo está sendo instrumentalizado politicamente. Esses partidos se alimentam da crise e, por vezes, a ampliam. Narrativas equilibradas se fazem necessárias junto a imprensa e a cultura, que têm um papel crucial nesse processo. É preciso não esconder os problemas, mas também não promover generalizações que criminalizam etnias ou religiões inteiras. É nessa linha que atua a fala de Lídia Jorge — sem negar as tensões, mas propondo pontes.

A frase que foi pronunciada:
“As sociedades que não seguram a justiça, criam a desordem.”
Lídia Jorge

Lídia Jorge. Foto: Divulgação

História de Brasília
Dois carros do govêrno numa reta de quatro quilômetros, em pista plana, de 25 metros de largura, rodando na mesma direção, chocaram-se espetacularmente na manhã de ontem. (Publicada em 5/5/1962)

Circe Cunha

Publicado por
Circe Cunha
Tags: #AriCunha #Brasília #ChoqueCultural #CirceCunha #Cultura #HistóriadeBrasília #ImigraçãoNoMundo #ImigrantesNaEuropa #Imposição #Mamfil

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