A imprensa livre como alvo

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DESDE 1960 »

jornalista_aricunha@outlook.com

com Circe Cunha com MAMFIL

Durante os anos que antecederam a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder e mesmo ao longo dos primeiros anos do governo Lula, a imprensa, de um modo geral, vivia uma espécie de lua de mel com a legenda e com a maioria dos movimentos sociais de esquerda. A coisa parecia natural, pois havia, por parte dos jornalistas mais jovens e mesmo pela geração dos anos de chumbo, uma relativa esperança de que, afinal, o Brasil resolveria, de vez, os graves e seculares problemas de desigualdade social.

A subida da rampa do Planalto pelos partidos de esquerda tinha sido aguardada e adiada desde os anos 1960. Durante o regime militar, esse sonho ficara guardado em segredo por muitos anos. Havia, portanto, uma grande expectativa com a vitória das esquerdas. Não se passaram nem cinco anos e as relações começaram a desandar. O ano de 2005 marca um ponto de viragem nesse romance.

Com a eclosão do escândalo do mensalão, começaram a aparecer as primeiras contradições dentro de um movimento que todos acreditavam e apostavam como moralizador e saneador do Estado. À medida que a imprensa livre investigava e passava a seguir as inúmeras pistas, aumentavam os sinais de fadiga, que levariam a uma espécie de rompimento forçado e definitivo.

A cada enxadada no solo, uma minhoca, a cada pena puxada, surgia uma galinha inteira. Contradições atrás de contradições, desmentidos constantes e, por fim, o divórcio litigioso opondo mídia livre de um lado e o PT e os movimentos sociais, de outro. Estabelecida a cizânia, restou ao partido no poder buscar na cartilha das táticas de guerrilha ou algo do gênero, a melhor estratégia para deter o avanço da imprensa sobre os fatos que não paravam de aparecer.

O ardil escolhido, aquele que parecia trazer melhores resultados para defender o partido das manchetes diárias escandalosas, foi, além da adoção de uma sistemática difusão de calúnias contra a imprensa, feita pelos chamados blogs sujos, custeados, obviamente, com dinheiro público, a colocação de boa parte dessa mesma imprensa como inimigo declarado do PT. Passou-se então a segunda fase desse estratagema, com a incitação aberta para que os simpatizantes que ainda permaneceram sob a órbita do partido atacassem e agredissem, sem tréguas, os profissionais de toda a imprensa hostil ao PT.

Alcunhada com o epônimo de mídia golpista, a ordem das lideranças do partido foi baixar o pau na imprensa, perseguir e espancar jornalistas, repórteres, cinegrafistas e fotógrafos e todos que ousassem criticar a legenda e seu líder máximo. No entanto, a tática de transformar a imprensa em alvo, como a maioria das decisões autocráticas desse partido, provocou um efeito contrário: quanto mais atacam a mídia, mais a população vai percebendo quanto risco todo o país correu, caso essa turma ficasse, como pretendia, décadas no poder.

A frase que não foi pronunciada

“Ao ouvir a opinião dos ministros do STF sobre o aborto, pensei logo. Imaginem se a mãe deles pensasse da mesma forma! Se as Excelências tiveram a chance de viver, não deveriam privar outros seres humanos da mesma oportunidade”.

Dona Dita, lendo sobre o caso do aborto em Xerém.

Malhete

Inacreditável que, com o aparato tecnológico que temos hoje, depois de 200 mil anos de vida humana na Terra, os ministros da Suprema Corte brasileira nunca tenham assistido no YouTube vídeos retratando o pavor de um aborto. O Brasil só faz questão de se igualar aos países desenvolvidos no que é negativo. Isso é fato.

Desenvolvido

Por que o Brasil não imita os países desenvolvidos para proteger a população dos agrotóxicos, do sal e do açúcar? Por que não imita a mobilidade nas cidades modernas? Por que não adota a legislação contra a corrupção adotada no Japão? Por que não revê o direito penal e os procedimentos processuais para imitar os Estados Unidos?

Máxima Vênia

Disse a ministra Cármen Lúcia que criminalizar juiz é tática da ditadura. Mas e quando ministros da mais alta corte do país autorizam o cometimento de um crime? O que pensar? Permitir o aborto no primeiro trimestre da gravidez, matando um ser humano indefeso com a anuência do STF, é mais absurdo que a ditadura. Pelo menos as vítimas que sobreviveram nos anos de chumbo tiveram a chance de descrever o horror que sofreram.

Laqueadura

“É dominante, no mundo democrático e desenvolvido, a percepção de que a criminalização da interrupção voluntária da gestação atinge gravemente diversos direitos fundamentais da mulher, com reflexos visíveis sobre a dignidade humana”, disse o ministro Barroso. Isso quer dizer que arrancar um filho do útero é postura digna? Então um conselho de notáveis toma a decisão de que interromper a gravidez é parte de um mundo democrático e fundamenta a defesa nos direitos da mulher e dignidade humana? Entende-se que o ventre da mãe está fora do espaço para a dignidade?

Inerente

“O tempo e as coisas não param. Os avanços alcançados pela sociedade são progressivos. Inconcebível, no campo do pensar, é a estagnação. Inconcebível é o misoneísmo.” Na fala do ministro Marco Aurélio de Mello, fica a certeza de que ele não aproveitou o aparato tecnológico para assistir no YouTube um aborto com um mês de vida, dois ou em qualquer idade da criança. Sim. Porque não adianta dizer que um ser humano ainda não nascido não é ser humano.

História de Brasília

O fato de o senhor ser alto funcionário, e ter sob sua guarda um carro do Estado, não implica em que sua mulher, suas irmãs, sua namorada ou suas parentas aprendam a dirigir no carro que não lhe pertence. (Publicado em 19/09/1961)

Circe Cunha

Publicado por
Circe Cunha
Tags: DH Direitos Humanos STF aborto Ari Cunha Circe Cunha

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