A exceção e a regra

Compartilhe

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

Charge do Amarildo

Em tempos de crise e incertezas, é sempre prudente ouvir e aprender com aqueles que fazem de sua vida profissional um contínuo processo de pensar e repensar o país. É o caso aqui de prestar a atenção na longa exposição feita há poucos dias pelo eminente professor universitário, cientista político e filósofo, Fernando Schuler. Depois de mais de 35 anos de vigência da Constituição de 1988, talvez tenha chegado o momento de refletir sobre o legado dessa Carta-cidadã, suas consequências e o que esse documento tem a ver com o momento atual que o país atravessa.

Num país tão dividido, como temos hoje, com uma história política tão turbulenta, com duas ditaduras no século 20, havia o pensamento que, finalmente, foi construída uma democracia liberal, avalia o professor. Ou seja, tínhamos uma democracia fundada em regras e direitos constitucionais, que seriam respeitados e, em torno dos quais, haveria um forte consenso, em vários níveis, inclusive, e principalmente, na estabilidade jurídica. Não foi o que obtivemos, afirmou.

Para reforçar essa sua avaliação, o professor diz que a atual crise o levou a reler o clássico de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, em busca de pistas sobre o atual momento. Nele, Fernando Schuler encontrou uma dessas pistas contidas na obra de 1936, que indicava que, historicamente, o Brasil nunca assimilou de fato a impessoalidade clássica do liberalismo. Pelo contrário, nossa formação histórica, nossa cultura, sempre favoreceu a afetividade sobre a frieza das regras. A observância das regras é fundamental numa democracia liberal. Esse ponto está contido no capítulo 5, intitulado “O homem cordial”.

Ao contrário da cultura anglo-saxônica, onde há uma prevalência do cérebro nas decisões, no Brasil essa atitude é mais centrada no coração e na afetividade, ou seja, nas paixões. Por isso, o personalismo e o patrimonialismo imperam nas decisões do governo. E essa particularidade tem sido mais que nefasta para o país e tem nos afastado de um desenvolvimento efetivo e duradouro, já que tudo no governo tem dependido das relações de amizade, convicções e de proximidades perigosas para um Estado que busca a democracia e a igualdade.

O que temos por essas bandas é a igualdade dos iguais. Para o restante, os rigores da lei fria. Em países como os Estados Unidos, o que vale é o que está nas leis e não o que um indivíduo ou outro acha ou decodifica, por mais que a situação seja complexa. “Ou estamos, todos nós, subordinados às mesmas regras do jogo, ou estamos subordinados à interpretação de alguém sobre as regras do jogo”, diz o professor.

Para Schuler, quando os direitos individuais e coletivos passam a ser subordinados à visão de alguém que passa a “achar” quais são esses direitos, o perigo aparece. As garantias, os direitos e as prerrogativas não podem, segundo esse pensador, variar de acordo com a interpretação de quem detém o poder num determinado instante. “O direito é feito de palavras”, diz. O que equivale a dizer: se mudamos o sentido das palavras, mudamos também o sentido do direito.

O espaço deve ser sempre a exceção, e não a regra. Em nosso país, ensina o filósofo, se isso virar regra, teremos um sério problema. O fato é que as interpretações, em cada um dos campos dessa nossa polarização política, não refletem a realidade e se baseiam muito mais nas ideias que cada um quer ver efetivadas. A verdade é que o caminho para a consolidação de uma realidade do tipo liberal passa longe dessas ideias polarizadas. Afinal, quem pode afirmar que a democracia não poderia ser defendida dentro das regras existentes de democracia? Questiona Schuler. “O fato de que a gente tenha se desviado das garantias institucionais, dos direitos individuais, da liberdade de expressão, tal como reza a Constituição brasileira, na minha opinião, apontou uma falha de nossa democracia, e não uma fortaleza da nossa democracia, como muitos querem fazer crer”, alertou.

É preciso, na visão desse professor, que todos entendam que hoje nos punimos pelo o que não está escrito em nosso ordenamento jurídico, mas pelo o que se interpreta desse ordenamento. Assim, hoje são punidas pessoas por delito de opinião, o que representa uma censura. Censura essa que é expressamente proibida em nossa Constituição democrática. Assim, temos vários brasileiros que respondem por delito de opinião e banidos das redes e apagados do meio público. O que temos hoje, longe do nosso ordenamento jurídico, é simplesmente o abuso de poder e não outra coisa qualquer.

A frase que foi pronunciada:
“O Espírito que prevalece entre os Homens de todos os graus, todas as idades e sexos é o Espírito da Liberdade.”
Abigail Adams, 1775

Abigail Adams. Foto: Getty Images. (1744-1818)

História de Brasília
Os três diretores acusados pelo sr. Hélio Fernandes como “traquejados no manejo da maior máquina de corrupção” são os senhores Frank Ballalai May, Vasco Viana de Andrade e Jaime Almeida. O dr. Frank, antes da Novacap, era diretor do Banco do Nordeste. Valeu sempre como um homem de bem. O dr. Vasco substituiu o dr. Moacir Gomes e Sousa e o dr. Bernardo Sayão. Fez um milhão e meio de metros quadrados de asfalto dentro do Distrito Federal, fora as outras obras, e o dr. Jaime Almeida, lidando sempre com a parte financeira, tem mantido a impecabilidade que todos conhecem. (Publicada em 25/4/962)

Circe Cunha

Publicado por
Circe Cunha
Tags: #AbusoDePoder #AriCunha #Brasília #Censura #CirceCunha #ConstituiçãoDemocrática #ConstituiçãoFederal #Democracia #HistóriadeBrasília #InterpretaçãoDaLei #Mamfil

Posts recentes

  • ÍNTEGRA

Feliz 2025, de coração

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam) Hoje, com Circe…

2 semanas atrás
  • ÍNTEGRA

Comissões e omissões

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam) Hoje, com Circe…

3 semanas atrás
  • ÍNTEGRA

A vez dos bichos

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam) Hoje, com Circe…

3 semanas atrás
  • ÍNTEGRA

Em busca do Santo Graal

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam) Hoje, com Circe…

4 semanas atrás
  • ÍNTEGRA

O cordão umbilical com o dólar

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam) Hoje, com Circe…

4 semanas atrás
  • ÍNTEGRA

Dos planos para amanhã

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam) Hoje, com Circe…

4 semanas atrás