Ambientalistas pedem a exclusão de blocos nas bacias Potiguar e Pelotas, que constam na oferta do governo para exploração de petróleo e gás natural da 17ª rodada de licitação, cujo leilão está marcado para 7 de outubro deste ano. Na audiência pública da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizada nesta quarta-feira (3/2) para apresentar as minutas do edital e dos contratos, defensores do meio ambiente alertaram que algumas das áreas ofertadas terão impacto direto em santuários ecológicos.
A 17ª rodada ofertará 92 blocos nas bacias sedimentares marítimas de Potiguar, Campos, Santos e Pelotas, totalizando 53,9 mil km² de área. A alegação dos ambientalistas, com base em notas técnicas do Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), é de que a Bacia Potiguar (RN e CE) fica próxima ao Parque Nacional de Fernando de Noronha e à Reserva Biológica do Atol das Rocas, enquanto a Bacia de Pelotas (SC e RS) é uma região de reprodução, alimentação e corredor migratório de espécies ameaçadas de extinção.
Ao abrir a audiência pública, o diretor geral da ANP, Rodolfo Saboia, explicou que o objetivo do evento é obter subsídios e informações adicionais para o edital de licitação de blocos. “A 17ª rodada constitui marco relevante para o setor em 2021 e representa o compromisso do governo com a continuidade e previsibilidade da oferta de áreas exploratórias no país”, disse.
Saboia revelou que a ANP avalia a inclusão de 377 novos blocos que já dispõe as análises ambientais. “Ainda em 2021, há possibilidade de realizar a segunda rodada dos volumes excedentes da cessão onerosa, dos blocos Atapu e Sépia, não arrematados em 2019. A 18ª rodada, prevista para 2022, terá oferta nas bacias de Ceará e Pelotas e em águas ultraprofundas, fora do polígono do pré-sal, da Bacia do Espírito Santo”, elencou.
Apesar dos prognósticos da ANP, a 17ª rodada poderá sofrer litigância, alertou Nicole Figueiredo de Oliveira, representante do Instituto Internacional Arayara. “Estamos solicitando a exclusão de vários setores das bacias Potiguar e Pelotas. A baleia azul, um animal de até 30 metros de comprimento, tem ocorrência em blocos da 17ª rodada. A ANP assumirá o risco de agravar a extinção da baleia azul”, sustentou.
Nicole apresentou notas técnicas dos órgãos ambientais. Segundo o ICMBio, foram identificadas 61 espécies ameaçadas de extinção, sendo quatro mamíferos, em um setor e sobreposição de 38 espécies, também ameaçadas de extinção, em outro. “Cinco espécies de tartarugas marinhas que ocorrem na costa brasileira se sobrepõem aos blocos da Bacia de Potiguar, além de várias espécies de tubarões”, disse.
Quanto à Bacia de Pelotas, foram identificadas 64 espécies em um setor, 54 em outro e 32 em um terceiro, todas ameaçadas de extinção. “São tubarões, corais, albatrozes, tartarugas”, pontuou. “Queremos reafirmar a indicação do Ibama, na resolução 2/2019, para necessidade de realização de AAAS (Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares) apropriadas. A responsabilidade pelo caos climático, com a insistência em promover a exploração de combustíveis fósseis, e pelo ecocídio é também da ANP”, acusou.
Nicole ressaltou que, na documentação sobre a 17ª rodada, não há nenhum plano de mitigação. “Avisamos a todas as empresas interessadas em adquirir estes blocos, devido à ausência de análises técnicas como as AAAS, que haverá litigância. Nós iremos seguir lutando por um futuro sustentável”, concluiu ela.
Juliano Bueno de Araújo, da Coalizão Não Fracking Brasil (Coesus), alertou que há riscos ambientais e que isso pode levar a vazamentos de óleo. “A exemplo do que aconteceu em 2019, quando um acidente manchou a costa do Nordeste até o Rio de Janeiro, com prejuízo bilionário às indústrias pesqueira e do turismo, e à biodiversidade marítima”, lembrou. Segundo ele, foram 50 milhões de brasileiro impactados. “Nos gera apreensão a expansão da exploração e que empresas e a ANP não apresentem sua plena capacidade na atuação para mitigação e solução de vazamentos”, afirmou.
Segundo a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima (OC), a audiência faz parte dos leilões, mas ainda é necessária a avaliação das contribuições feitas durante a consulta pública, que terminou em janeiro. “Já houve uma redução das áreas. Inicialmente eram 128 áreas e passaram a 92. Mas, de fato, estão sendo ofertados blocos que contrariam pareceres técnicos de órgãos ambientais. O Ibama sempre destaca a importância da avaliação de toda a bacia sedimentar e sugere retirar os blocos em que não há sustentação ambiental”, esclareceu.
As AAAS, conforme Suely, têm a vantagem de avaliar vários blocos juntos e considerar o resultado acumulado. “Se isso não é feito, a empresa arremata e quando fizer os estudos, pode não conseguir licenciamento. Mas substituíram as AAAS pela manifestação integrada dos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia (MME).”
“A ausência das Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares não compromete os aspectos de proteção ambiental e segurança operacional, já que há instrumentos que obrigam as empresas a implementar medidas preventivas e de mitigação de impactos ambientais, associados a um robusto arcabouço regulatório de segurança das operações, fiscalizado regularmente pelos entes reguladores”, informou a manifestação conjunta das pastas.
Suely ressaltou que a alegação de que se resolve depois com a licença é frágil. “Deixar para depois que as empresas adquirirem esses blocos, com contrato firmado, é complicado. A hora de afastar a exploração de áreas sensíveis é agora”, assinalou. “Isso é possível. A ANP pode retirar os blocos. Aconteceu em Abrolhos. Depois a área entrou de novo em leilão e não teve interessados. Na primeira vez, houve judicialização. A corrida por leiloar blocos sem cuidado prejudica todo mundo”, acrescentou.
Procurados, o ICMBio, o Ibama e o MMA não responderam. O MME mandou procurar a ANP, que respondeu em 5 de fevereiro o seguinte: “As Manifestações Conjuntas do MME e MMA consolidam todos os pareceres ambientais obtidos do próprio MMA, do Ibama, do ICMBio), que administra as unidades de conservação federais, dos órgãos estaduais do Meio Ambiente e também da Fundação Nacional do Índio (Funai), sempre que pertinente.”
Com relação à Nota Técnica do ICMBio, remetida ao Ibama e que foi considerada na Manifestação Conjunta do MME e MMA, “o órgão não foi taxativo quanto à necessidade de exclusão prévia de áreas para oferta”. Segundo a ANP, as conclusões da nota apontaram as sensibilidades ambientais das regiões consideradas e mencionaram os impactos potenciais das atividades, mas indicaram que não seria possível uma avaliação definitiva em função da ausência de informações mais precisas.
“Como essas informações somente serão produzidas e disponibilizadas por meio da definição de projetos e sua submissão ao licenciamento ambiental, a decisão sobre a viabilidade ambiental de um empreendimento somente será conhecida nessa etapa”, informou a ANP. “O ICMBio alertou, portanto, que isso pode implicar em processos de licenciamento morosos, o que tem sido a realidade para as atividades propostas em novas fronteiras exploratórias, como é o caso.”
A agência reguladora reforçou que “qualquer atividade somente poderá ser exercida após a obtenção, por parte dos concessionários, das devidas licenças ambientais junto aos órgãos competentes”. A avaliação da viabilidade ambiental do projeto específico somente ocorrerá na etapa de licenciamento, e atividades que sejam consideradas incompatíveis com os objetivos de conservação das áreas ou cujos impactos não sejam devidamente mitigados ou compensados não serão autorizadas. “Esse é um risco assumido pelo interessado em atuar numa determinada área.”
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