A conservação ambiental e o desenvolvimento econômico podem e devem andar juntos. Especialistas defendem o turismo de natureza como a chave para proporcionar crescimento regional no entorno de áreas naturais bem conservadas. Iniciativas desenvolvidas na Mata Atlântica e no Pantanal usam a gestão qualificada de áreas naturais protegidas como meio para a geração de empregos e renda.
De acordo com Clóvis Borges, diretor executivo da Sociedade de Proteção da Vida Selvagem, (SPVS), instituição idealizadora da Grande Reserva Mata Atlântica, é possível qualificar áreas e transformá-las em produtos turísticos. “Os parques exigem investimentos em infraestrutura. Porém, o gestor público acha que concedendo à iniciativa privada, se livra de tudo, sem precisar proteger a área”, alerta. “Não é assim, mas garantindo 80% do orçamento, os governos estimulam a interferência da iniciativa privada nos 20% restantes, ou seja, na gestão e no investimento da economia do entorno, que dá o retorno por meio da arrecadação”, explica.
É nesse entorno que está a geração regional de emprego e renda, destaca Borges. “Não adianta vender uma natureza destruída. Porém, o Brasil tem a Mata Atlântica, um grande remanescente do bioma, formado por 2 milhões de hectares localizados nos estados do Paraná, São Paulo e Santa Catarina com muitos atrativos turísticos”, garante. “Nossa agenda é apontar as oportunidade de negócios nas grandes áreas de conservação”, afirma.
O conceito, chamado produção de natureza, segundo Borges, foi desenvolvido pelo biólogo espanhol Ignácio Jiménez-Pérez, quando trabalhou na Conservation Land Trust (CLT) por 13 anos no projeto de Esteros Del Iberá, na Argentina. Jiménez-Pérez participou da criação do maior parque natural daquele país, recuperando espécies selvagens extintas, como veado-campeiro, tamanduá-bandeira, cateto, anta, arara e onça-pintada. “Além do impacto ambiental positivo sobre a biodiversidade, a experiência de Iberá serviu para gerar novas opções de desenvolvimento para uma região marginal dentro da economia e política argentinas”, conta o biólogo, autor do livro Produção de Natureza: Parques, Rewilding e Desenvolvimento Local.
A criação do Grande Parque Iberá não só gerou novas oportunidades de emprego como também promoveu a valorização da cultura local e a criação de uma nova secretaria de turismo em uma província que antes não se via como turística. Em paralelo, a mídia internacional começou a falar sobre a região, o que fez com que o The New York Times e a revista National Geographic elegessem Iberá como um dos 50 principais lugares de natureza no mundo para se visitar.
Jiménez-Pérez enumera outros exemplos globais de sucesso da produção de natureza: o Serengeti (ou Serengueti), parque na região geográfica na África Oriental, no norte da Tanzânia e sudoeste do Quênia; o Parque Nacional Kruger, melhor lugar para safáris na África do Sul; e o Parque Nacional de Yellowstone, área selvagem e de recreação no topo de um ponto vulcânico, nos Estados Unidos.
“A demanda global turística é por experiência. Como o mundo atual é urbano, com uma classe média crescente nas cidades, esse público quer aproveitar a natureza nas férias, porque essa proximidade é importante para a saúde. Isso cria uma demanda por produtos naturais de qualidade. O Brasil tem a maior biodiversidade do mundo, mas não está vendendo esses produtos. As áreas naturais estão abandonadas, porque a sociedade não as vê como produto”, lamenta.
“Quando a sociedade enxergar que a natureza é um tipo de produção, o país poderá duplicar o número de turistas estrangeiros”, aposta. Para isso, sustenta o biólogo, é preciso que o país adote uma visão de Estado. “Não depende só do governo, mas da iniciativa privada e dos próprios ambientalistas, com um olhar mais aberto para as oportunidades”, sentencia.
Apesar das características singulares do Brasil, dados da Organização Mundial do Turismo (OMT) apontam que as taxas de crescimento do turismo internacional no país foram de 0,6%, em 2017, e 0,5%, em 2018. Já no Peru e na Argentina, segundo informações do Ministério do Comércio Exterior e Turismo do Peru e do Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina, o crescimento em 2018 foi de 10% e 7,5%, respectivamente.
Além disso, cada turista gastou, em média, US$ 53,96 por dia durante a passagem pelo Brasil, sendo que os três destinos mais procurados têm a natureza como um forte ponto em comum: Rio de Janeiro (atraindo 29,7% dos turistas), Florianópolis (17,1%) e Foz do Iguaçu (12,9%).
“Se levarmos em conta que o Brasil tem atrações naturais que incluem as cataratas mais visitadas da América, o Pantanal e a Mata Atlântica, chama atenção a escassa visitação em relação a países vizinhos”, analisa Jiménez-Pérez. “O Brasil tem um potencial enorme, mas parece evidente que há uma oportunidade perdida de valorizar e aproveitar a riquíssima biodiversidade”, ressalta.
O Brasil abriga a maior biodiversidade mundial, cerca de 20% das espécies do planeta. Dessas, a Mata Atlântica – bioma cujo território foi reduzido a 7% da sua cobertura original, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente – concentra 35% da biodiversidade vegetal nacional, além de cerca de 850 espécies de aves, 370 de anfíbios, 200 de répteis, 270 de mamíferos e 350 de peixes. “A conservação da natureza não é um empecilho para o desenvolvimento, mas sim um meio econômico que gera uma série de bens e serviços de qualidade, com alto valor agregado”, afirma Borges, da SPVS.
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