UM PAÍS EM COMA

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O segundo trimestre do ano está quase na metade e a única certeza que se tem neste momento é que a atividade continua afundando. Não há, entre o empresariado, nenhuma disposição em falar em ampliação dos negócios sem que se tenha um horizonte claro. A economia real depende de um ativo que desapareceu há tempos do Brasil: previsibilidade. O país tem hoje dois governos, um que pode ser apeado do poder em pouco mais de uma semana; outro, que opera à margem, é visto como salvação, mas ainda não manda em nada. Nesse ambiente tão confuso e inédito, qualquer passo em falso é prejuízo na certa.

 

Há uma disposição entre os empresários de dar um voto de confiança a Michel Temer, que pode ser alçado ao Palácio do Planalto caso o Senado aprove o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mas, diante do estrago na economia e do fato de uma penca de empresas estarem à beira da falência, muitos têm dúvidas se o vice-presidente da República será capaz de dar a virada que o país precisa e no tempo que o capital necessita. Dois ou três meses a mais de paralisia na atividade levarão muitas companhias a fecharem as portas. O prazo de validade do peemedebista, portanto, é curto.

 

A perspectiva é de que, mesmo com Temer no comando do país, o Produto Interno Bruto (PIB) caia até o último trimestre do ano. Na melhor das hipóteses, o resultado pode ser positivo entre outubro e dezembro, representando o ponto de virada que todos esperam. Para isso, porém, será importante que a equipe econômica de um eventual governo do vice esteja preparada para anunciar medidas que, a médio prazo, possam tirar o Brasil do atoleiro. Não haverá espaço para paliativos.

 

Pacote de fim de festa

 

O quase nomeado ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já tomará posse devendo. Um pequeno desvio de rota fará com que toda a possível retomada da confiança vire fumaça. O ex-presidente do Banco Central vem falando como chefe da equipe econômica, mas tanto empresários quanto investidores cobram ações concretas e plausíveis. Não querem que se repita a frustração com Joaquim Levy, que surgiu, no início do mandato de Dilma, como salvador da pátria, prometeu arrumar a casa e, em pouco mais de seis meses, já estava completamente esvaziado.

 

O quadro se agrava porque Dilma já preparou sua vingança. Com todas as medidas anunciadas nos últimos dias e o que ela promete dar de benefícios dentro do pacote de fim festa, ou de “bondades”, como preferem seus aliados, há uma bomba fiscal de pelo menos R$ 10 bilhões. Como Temer se sentirá intimidado a reverter parte das medidas, que têm muito apelo popular, Meirelles terá que anunciar um corte drástico de despesas, o que muitos consideram impossível, ou assumir que o rombo nas contas deste ano será muito maior do que os R$ 96,6 bilhões estimados pelo atual chefe da Fazenda, Nelson Barbosa.

 

Temer e Meirelles têm a vantagem de todos darem 2016 como perdido. Quer dizer: o que importa é a partir do ano que vem. O futuro governo terá que dar garantias de que a saída do atoleiro será possível. Por enquanto, tudo são promessas e desejos. Pior: o ministério que se está desenhando para a gestão do peemedebista tende a repetir a mediocridade que prevaleceu nas administrações de Dilma, por estar contaminado por interesses políticos — cargos distribuídos em troca de votos sem que os ocupantes tenham capacidade técnica.

 

Ruídos estatísticos

 

O que o Brasil precisa neste momento é de metas realistas e críveis, ainda que a travessia seja longa e dolorosa. Há um dado relevante, no entender do presidente da consultoria Macrométrica, Chico Lopes: mesmo com toda a desastrosa política econômica dos últimos anos, o país está com seus sinais vitais preservados. Para ele, o paciente está em coma, começando a esboçar reação. Nada que seja motivo de comemoração, mas alguns indicadores mostram que é possível preparar a retomada para 2017 se nenhuma surpresa negativa surgir no meio do caminho.

 

Lopes, que presidiu o Banco Central, reconhece que os sinais vitais observados em alguns segmentos podem ser apenas ruídos estatísticos. “Mas para um paciente em estado comatoso, qualquer sinal vital é ótima notícia”, assinala. Nesse contexto, a responsabilidade de Temer fica maior. Se ele errar na mão, o país que respira por aparelhos irá à falência total. E tudo de ruim que prevalece agora — desemprego, inflação alta e restrição de crédito — se tornará brincadeira de criança. O vice que Dilma chama de traidor poderá ter o mesmo destino que ela: a porta dos fundos do Palácio do Planalto.

 

Brasília, 06h30min