Recuo perigoso

Publicado em Economia

A falta de disposição do governo para enfrentar pesados lobbies está limitando suas ações para tentar retomar o crescimento econômico. Desde a semana passada, quando o Palácio do Planalto anunciou que agiria para reduzir o pessimismo e mostrar que as ações para estimular o Produto Interno Bruto (PIB) não se restringiriam às medidas fiscais, criou-se uma enorme expectativa entre os agentes produtivos. O que se viu até agora, porém, pouco correspondeu às expectativas. Um sentimento de frustração começa a ganhar espaço.

 

A maior decepção vem de empresários do varejo e do setor de serviços. Era grande a confiança entre eles de que o Planalto levasse adiante a promessa de liberar, por meio de uma medida provisória, que pode ser editada nesta quinta-feira, o que eles classificam como trabalho intermitente, que permite às empresas contratarem mão de obra para jornadas móveis. Os contratos podem ser por hora e fechados com várias empresas. Isso, no entender dos empresários, é um instrumento importantíssimo para a redução do desemprego.

 

As estimativas são de que, em cinco anos, com o trabalho intermitente, o país poderia criar até 5 milhões de vagas. É muito para uma economia que ostenta hoje um recorde de 12 milhões de desempregados. Os postos abertos poderiam ser preenchidos, principalmente, por jovens de até 24 anos, os mais afetados pela onda de demissões que atormenta o país. Também abrigariam pessoas que só podem trabalhar meio expediente ou nos fins de semana.

 

Todos os ministérios envolvidos na discussão sobre o assunto defendem a medida, com exceção da pasta do Trabalho. O presidente Michel Temer preferiu, contudo, ceder à pressão das centrais sindicais, que acusam o governo de estimular o trabalho escravo. Ele acredita que comprar briga agora com esses grupos organizados pode custar caro e dar margem para os críticos que estão jogando pesado para barrar a reforma da Previdência Social, projeto considerado prioritário.

 

Esvaziamento

 
Caso deixe de fora o trabalho intermitente, o pacote de estímulo ao emprego que o governo pretende lançar amanhã ficará esvaziado. Priorizará apenas a indústria, que já não é capaz de absorver o grosso da mão de obra disponível. Como diz um ministro, o Planalto virá com um discurso de redução do desemprego, mas não dará nenhum incentivo para os setores que mais empregam, o varejo e o de serviços. “O governo continuará descolado da realidade, um erro enorme”, diz.

 

O pior, ressalta esse ministro, é que o risco de nada sair nesta semana ou mesmo neste ano é grande. Ele conta que a medida provisória que prorroga o Programa de Seguro ao Emprego (PSE), que termina no fim deste mês, está ameaçada por uma guerra aberta entre os ministérios da Fazenda e do Trabalho. A pasta comandada por Ronaldo Nogueira quer que o programa, que permite a redução de até 30% nos salários, com o governo bancando a diferença, seja permanente. Já Henrique Meirelles defende a prorrogação por apenas mais um ano.

 

“Discussões e divergências são naturais. O problema é que, num clima de grande ansiedade e insatisfação, o governo cria expectativas e, depois, não entrega o que prometeu”, destaca o mesmo ministro. Ele acredita que, se sair, o pacote do emprego ficará pela metade. “Pelo menos uma coisa boa deve prevalecer, a possibilidade de as convenções coletivas prevalecerem nas negociações entre patrões e empregados. Será um avanço e tanto sobre uma legislação atrasada”, afirma.

 

Agenda furada

 

A frustração também foi alimentada pelo Banco Central. O presidente da instituição, Ilan Goldfajn, prometeu anunciar uma série de medidas de curto prazo para forçar a queda dos juros no país. Contudo, só entregou ontem uma agenda de intenções. Na semana passada, Meirelles informou que o BC lançaria um pacote para forçar uma maior competição entre os bancos, o que permitiria, sobretudo, queda das taxas cobradas pelos cartões de crédito e mudanças nos prazos de pagamento. As administradoras de cartões, no entanto, gritaram e o BC se recolheu.

 

Houve, porém, quem comemorasse a falta de ousadia do Banco Central: os donos de ações das empresas de cartões e de bancos. Os preços dos papéis subiram na bolsa de valores depois que Ilan recuou. “O BC frustrou até mesmo o presidente Michel Temer e o ministro Meirelles. Os dois haviam anunciado que haveria mudanças no mercado de crédito e redução no prazo de pagamento das administradoras de cartões aos lojistas, hoje de 30 dias”, diz um técnico da equipe econômica.

 

A lista de recuos do governo inclui, ainda, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Criou-se a expectativa de uso de recursos dos trabalhadores para o pagamento de dívidas. A ideia era permitir saques de até R$ 1,5 mil para reduzir o endividamento das famílias, o que poderia resultar na liberação de pelo menos R$ 30 bilhões. As construtoras, porém, chiaram, alegando que poderia faltar dinheiro para o financiamento à casa própria. A proposta, defendida pelo Ministério do Planejamento, foi, então, engavetada.

 

“Esse tipo de movimento não é bom para o governo. Passa muito a imagem de fragilidade, de falta de união”, reconhece um importante aliado de Temer. “Vamos torcer para que deslizes como esses não se repitam. O relógio, como se sabe, está correndo contra. Já passou da hora de o governo acertar o passo”, complementa.

 

Brasília, 06h50min