“Temer não pode frustrar o país”, diz Alessandra Ribeiro

Publicado em Economia

POR ROSANA HESSEL

 

A economista Alessandra Ribeiro não vê com o mesmo entusiasmo do mercado o governo do presidente interino, Michel Temer. Sócia e diretora da área de Macroeconomia e Política da Tendências Consultoria, ela abusa da palavra cautela em suas análises e ressalta que o otimismo excessivo que tem derrubado o dólar é passageiro.

Na avaliação dela, diante dos sinais contraditórios dados pelo peemedebista, a cobrança dos agentes econômicos será enorme depois que o Senado aprovar o impeachment definitivo de Dilma Rousseff em agosto. “Se houver frustração, a lua de mel acabará rapidamente”, diz.

Para Alessandra, com “a corda no pescoço”, não restará alternativa ao governo senão aumentar tributos. Ela aposta que serão elevados a Cide, que incinde sobre os combustíveis, e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). “O governo precisará de pelo menos R$ 50 bilhões por ano extras para evitar o descontrole das contas. Isso inclui as privatizações”, frisa.

No entender da economista, esse pode ser um bom momento para a compra da moeda norte-americana, sobretudo por aqueles que têm viagem marcada para o exterior nos próximos meses. A tendência é de o dólar recuperar as forças gradualmente e fechar o ano em R$ 3,42 — hoje, a moeda está abaixo de R$ 3,30.

Ela só contempla queda da taxa básica de juros (Selic) em novembro e assinala que, mesmo com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos à inflação do ano anterior, as contas públicas continuarão no vermelho até 2023 e a dívida pública só começará a cair em 2026. Veja os principais trechos da entrevista que a Alessandra concedeu ao Correio.

 

15/07/2016.  Crédito: Rosana Hessel/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Economista Alessandra Ribeiro, da Tendencias Consultoria.
Foto: Rosana Hessel/CB/D.A Press

 

O que se pode esperar do governo Temer após o resultado das eleições da presidência da Câmara? O processo mostrou que a base está meio rachada. Isso pode atrapalhar o andamento do ajuste fiscal no Congresso?
A nossa avaliação é positiva em relação à agenda do Palácio do Planalto com a eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para o comando da Câmara. Dado o apoio que ele teve, isso deve facilitar, em alguma medida, a agenda de Temer. Sabemos que, dificilmente, sairá alguma coisa agora. Não dá para esperar nada até o impeachment definitivo de Dilma Rousseff. Agora, pós-impeachment, tudo tem que ser encaminhado, sobretudo a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impõe um teto para os gastos. Isso tem que sair neste segundo semestre.

 

Aumentam as chances de aprovação dessa PEC?
Em relação a outros candidatos, sim. Maia tem um discurso mais favorável ao ajuste proposto pela equipe econômica. Teve apoio do DEM, do PSDB e de Moreira Franco, um dos conselheiros de Temer. Agora, um dos pontos relevantes da agenda fiscal, a reforma da Previdência, não deve sair neste ano. Talvez, no primeiro semestre de 2017. Mas se sair a PEC dos gastos e algum avanço na questão da Previdência, já se terá um bom direcionamento.

 

Mas isso será suficiente para reverter a deterioração das contas públicas?
Não. Pelos nossos cálculos, somente com a PEC dos gastos, veremos resultado positivo nas contas públicas apenas em 2023. E olha que, no nosso cenário, a economia já se recupera no ano que vem. Cresce 1,2%, em 2017, e 2,3%, em 2018.

 

Está havendo exageros na perspectiva de recuperação da economia? Há quem aposte em crescimento de até 2% em 2017?
Eu já vi previsões para 2018 muito mais otimistas, de 3%, 3,5% até 4% de crescimento. Quem trabalha com esses números aposta em uma recuperação cíclica. A indústria vai desovando os estoques e, depois, volta a produzir em um nível mais normal. Hoje, a indústria está muito afetada por estoques altos. A partir do momento em que os estoques caem e a produção se adequa mais à demanda, isso pode gerar um impulso maior no PIB. Mas temos um pouco mais de cautela e não achamos que conseguiremos ver esse ritmo de até 4% de alta. O PIB potencial do país (a capacidade de crescer sem pressionar a inflação) diminuiu muito nos últimos anos. Acreditamos que esteja entre 2% e 2,5%. Mas há gente que fala em 1%.

 

A maior aposta do crescimento vem das exportações. O dólar caindo pode ser um empecilho?
Com certeza. Dólar baixo limita a força das exportações. Isso se torna um problema, porque os investimentos produtivos ainda não devem reagir, devido à capacidade ociosa da indústria. Ainda que o governo prometa concessões e algumas privatizações, é difícil que isso se reverta em aumento do PIB a curto prazo. Portanto, é complicado apostar que, mesmo em 2017, se tenha algum efeito concreto. Além disso, o consumo, um dos grandes motores da economia, está travado. As famílias estão muito endividadas. O comprometimento da renda com débitos chega a 55%.

 

Esse endividamento ocorre num período de elevado desemprego. O que esperar?
Pelo nosso histórico, considerando o saldo de crédito dividido pela massa de renda de um ano, o pico do endividamento das famílias ocorreu em dezembro de 2015, de 56%. A taxa atual ainda é muito alta, até porque o crédito, além de caro, está escasso. Os bancos andam muito seletivos. Tudo isso num cenário em que a taxa de desemprego poderá bater em 13% neste ano e ficar, em média, próxima a esse nível em 2017. Com essa média, a renda real ainda cairá cerca de 1% no ano que vem. Em 2018, o desemprego voltará para a média de 11,7%.

 

E como o PIB crescerá com esse quadro?
Vai ser uma dificuldade. Tem um componente cíclico, que entendemos, porque haverá uma readequação, mas há limitadores muito grandes. Por isso, a retomada não é um consenso entre os economistas. Há aqueles muito otimistas e muita gente mais cautelosa.

 

As incertezas continuam latentes, estimuladas pelo próprio governo.
Certamente. Michel Temer emitiu sinais muito ruins e contraditórios em relação ao ajuste fiscal. Ele conseguiu aprovar algumas coisas, é verdade, como a DRU (Desvinculação das Receitas da União), e tem uma equipe muito boa. Mas ao conceder reajustes do funcionalismo, por exemplo, levantou dúvidas. Pode ser um dos custos para a aprovação do impeachment. O problema é se isso continuar depois do afastamento definitivo de Dilma. Temos dúvidas.

 

O pacote de bondades de Temer já passa de R$ 130 bilhões.
Justamente. Por isso, estamos mais cautelosos. O mercado financeiro está dando o benefício da dúvida total. É bolsa subindo 40% em dólar desde o começo do ano e o real mais valorizado. Mas, se passar o impeachment e não houver sinalizações mais concretas de comprometimento com o ajuste fiscal, essa lua de mel vai acabar.

 

Olhando um pouco para essa questão do deficit fiscal. Como estão suas projeções de quando haverá a reversão?
Não tem milagre. Pelas nossas contas, o governo conseguirá aprovar o limite dos gastos e terá que fazer um esforço adicional por ano de R$ 50 bilhões. Estamos colocando nessa conta aumento de imposto, concessões, privatização, repatriação de recursos do exterior, um pouco de tudo. Mesmo assim, não é fácil conseguir um resultado primário ligeiramente acima de zero em 2019. Ou seja, além do limite dos gastos, ainda serão necessários mais R$ 50 bilhões por ano. É muito difícil.

 

É um bom momento para a privatização?
Se o governo está com a corda no pescoço, tudo o que ele conseguir fazer de receita e limitar o crescimento da dívida será muito bem-vindo. Se tudo der certo e as receitas esperadas entrarem no caixa do governo, a dívida pública bruta baterá em 85% do PIB em 2021. No ano que vem, vai para 74% do PIB. Se a gente pegar os dados do final de 2013, quando os débitos estavam em 55% do PIB, o aumento será de 30 pontos percentuais. São R$ 60 bilhões para cada ponto a mais na dívida. É muito. Tudo o que conseguir limitar o crescimento desse estoque brutal é válido, porque esse estoque é financiado a uma taxa de juros alta. Para controlar o crescimento da dívida será preciso um resultado primário cada vez maior, de pelo menos 3% do PIB.

 

E quando o país vai conseguir isso?
No nosso cenário de longo prazo, que é 2026, a dívida pública cairá muito pouco. Estamos falando de um prazo de 10 anos e um recuo muito pequeno.

 

Aumento de imposto será inevitável? E a volta da CPMF?
Não contemplamos a volta da CPMF no nosso cenário. É um imposto muito difícil de ser aprovado. Primeiro, porque o Temer não é um líder com grande capital político. Muito pelo contrário, é bem baixo. Segundo, esse imposto é muito estigmatizado. A população se mobiliza contra ele. Nem o Lula, lá atrás, mesmo com o capital político que tinha, conseguiu manter o tributo. Agora, Cide, IOF, juros sobre capital próprio, isso o governo conseguirá emplacar. A Cide é mais fácil. É só uma canetada, e isso deverá acontecer ainda este ano, porque há noventena para o início da cobrança. Estamos prevendo R$ 0,15 por litro da gasolina e do diesel, o que, pelas nossas contas, daria R$ 18 bilhões de arrecadação. Não é pouca coisa. Tem gente que acha que pode ser mais de R$ 0,20, mas não acredito.

 

Como está vendo a inflação?
Se o Banco Central conseguir levar o custo de vida a ficar entre 4,7% e 4,8% em 2017 já será um belo serviço. Estamos prevendo uma taxa de 5% para o ano que vem e de 4,5% em 2018.

 

Há espaço para a queda dos juros ainda neste ano?
A nossa avaliação é de que o BC só deverá cortar os juros na última reunião do ano do Copom (Comitê de Política Monetária), marcada para o fim de novembro. A taxa Selic deve terminar o ano em 13,75%. O mercado acha que a queda pode começar em outubro. Mas somos mais cautelosos.

 

O dólar está caindo. É hora de comprar a moeda?
Com certeza. A nossa expectativa é que o dólar suba gradualmente. Nós estimamos cotação de R$ 3,42 no fim deste ano e de R$ 3,53 em 2017. Se estivermos corretos com essa projeção, é um bom momento para comprar.

 

Brasília, 09h10min