Os riscos dos desarranjos do dólar

Publicado em Economia

Que o Banco Central está usando o dólar para derrubar a inflação ninguém tem dúvidas. A grande pergunta que todos estão se fazendo é até onde a autoridade monetária deixará a moeda norte-americana derreter. Ontem, no início da noite, depois de a divisa cair para R$ 3,05, o BC anunciou que fará uma intervenção no câmbio. Comprará US$ 300 milhões no mercado futuro por meio de contratos de swap. De nada vai adiantar. O Brasil convive com uma grande distorção: as maiores taxas de juros do mundo. Se elas não caírem rapidamente, o dólar permanecerá em queda livre. Já se vê a moeda abaixo de R$ 3.

 

O discurso que se ouve no BC é de que o Brasil está recebendo uma enxurrada de recursos estrangeiros porque os investidores estão convencidos de que o governo vem fazendo o dever de casa. “O país voltou ao radar do capital externo”, repetem técnicos da instituição. Mas parte desse dinheiro só está interessada em lucrar com os juros estratosféricos. O diferencial de taxas em relação aos demais países é inacreditável, sobretudo quando se leva em consideração as nações desenvolvidas, onde os investidores pagam para deixar o dinheiro no banco, isto é, os juros são negativos.

 

O dólar barato demais realmente é bom para a inflação, mas provoca uma série de distorções na economia, a começar pelo excesso de importações. No passado recente, quando a administração de Dilma Rousseff tentou segurar, artificialmente, o custo de vida por meio da moeda norte-americana, o rombo nas contas externas explodiu e passou de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi preciso uma recessão brutal para que o deficit nas transações correntes desabasse. Mantido o atual derretimento do dólar, a farra voltará com força, inclusive por meio de gastos maciços com viagens ao exterior.

 

Parabéns a prazo

 

O governo vem falando em retomada do crescimento econômico. E um dos caminhos para a reativação da atividade seria o aumento das exportações. Contudo, não há como se falar em competitividade dos produtos nacionais no exterior com a moeda norte-americana no atual nível. Não há como competir sequer no mercado interno, uma vez que ficará mais barato trazer mercadorias de fora. É tudo o que os concorrentes do país querem, um mercado consumidor amplo para despejarem seus produtos e criarem empregos em suas fábricas em detrimento da geração de vagas por aqui.

 

Há, dentro do governo, quem defenda que o BC volte a comprar dólares no mercado à vista. Mas as reservas internacionais já estão elevadas demais e custam muito caro. Ao retirar os dólares do mercado, o banco é obrigado a usar títulos públicos, que pagam 13% de juros ao ano, para enxugar os reais que injeta na economia. Como o grosso das reservas internacionais está aplicado em papéis do governo dos Estados Unidos, que rendem entre 0,25% e 0,50% ao ano, o Tesouro Nacional é obrigado a arcar com a diferença de taxas.

 

Diante disso, fica claro que o melhor caminho para conter o derretimento do dólar é cortando — e rapidamente — os juros. Na próxima quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) definirá os rumos da taxa básica da economia (Selic), que está em 13%. A grande maioria dos analistas aposta em um corte de 0,75 ponto percentual. Porém, dada a forte queda da inflação, que está caminhando rapidamente para o centro da meta, de 4,5%, seria muito positivo para o país se o BC acelerasse o passo e derrubasse a Selic em pelo menos um ponto percentual, para 12%.

 

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, tem dito que o ritmo de corte por reunião do Copom será de 0,75 ponto. Na opinião do economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, o BC não deveria cantar parabéns a prazo, mas, sim, à vista. Ou seja, derrubar mais rapidamente a Selic. Para ele, a autoridade monetária poderá se arrepender mais adiante por não ter sido mais ousada e por ter estimulado uma farra desnecessária com o dólar. “A quem interessa ver repetido o fracasso do passado? Ao BC?”, indaga. “Dólar barato demais sempre leva a desarranjos. Não se espera, nem se deseja, que esse governo cometa os mesmos erros dos anteriores”, enfatiza.

 

Brasília, 06h57min