Não restou alternativa ao BC a não ser apressar o corte dos juros

Publicado em Economia

Auxiliares próximos do presidente Michel Temer se assanharam com o resultado da inflação de fevereiro, que ficou em 0,33%, abaixo de todas as estimativas de mercado e o menor índice para o mês em 17 anos. Todos acreditam que acabaram as desculpas usadas pelo Banco Central para não acelerar o processo de cortes da taxa básica de juros (Selic), que está em 12,25% ao ano. Há quem acredite que o excesso de conservadorismo da autoridade monetária pode fazer com que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) feche este ano bem abaixo do centro da meta, de 4,5% — algo entre 3,5% e 4%.

 

“O nosso temor, hoje, é de que o BC erre para baixo, que a inflação caia muito, sem que isso resulte em um pouco mais de crescimento”, diz um dos assessores presidenciais. Não se pode esquecer, no entender dele, que, como a inflação vem caindo muito mais rápido que a Selic, os juros reais estão subindo. “Teoricamente, está havendo um aperto monetário e não um alívio”, frisa. Em outubro do ano passado, quando a taxa básica baixou para 14%, os juros reais estavam em 5,7%. Agora, com a Selic a 12,25%, os juros reais atingiram 7,1%. “Não é possível que o BC não esteja vendo isso”, acrescenta.

 

No Palácio do Planalto, a aposta majoritária é de que o Banco Central reduzirá a Selic em, pelo menos, um ponto percentual na reunião de abril do Comitê de Política Monetária (Copom). Já em fevereiro, acreditava-se que o BC seria mais ousado, mas a diretoria comandada por Ilan Goldfajn preferiu não avançar muito o passo e optou por uma queda de 0,75 ponto. Entre os auxiliares de Temer, a visão é de que, agora, o corte de um ponto nos juros virou piso. Ou seja, será o mínimo a ser cogitado pela autoridade monetária, que tirou a camisa de força à qual havia se amarrado.

 

Serviços

 

A inflação vem surpreendendo para baixo o BC e o mercado desde outubro do ano passado, quando os preços começaram a desabar com força, sobretudo os dos alimentos. A recessão econômica, que muitos acreditavam que estava sendo revertida, ficou mais forte. O desemprego se acentuou, minando de vez o poder de compra das famílias. O fechamento de empresas bateu recorde e o endividamento não deu trégua. “Nesse ambiente, não há como a inflação se sustentar”, explica o economista Carlos Thadeu Filho, sócio da consultoria MacroAgro.

 

O consumo está tão travado, ressalta Thadeu, que a inflação de serviços, fundamental para as decisões de política monetária do BC, não resistiu. De janeiro para fevereiro, baixou de 5,87% para 5,46%. Tudo indica que esse indicador encerrará este ano no nível mais baixo em, pelo menos, uma década e meia. E mais: ao longo de fevereiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice de difusão, que mede a variação de produtos e serviços que tiveram reajustes, cedeu de 63,3% para 50,9%. Para o BC, um índice confortável é sempre abaixo de 60%.

 

Os dados da inflação são tão favoráveis, que a grande maioria das instituições financeiras reduziu as estimativas para este ano, fato que se refletirá na pesquisa semanal Focus realizada pelo BC. Maior banco privado do país, o Itaú Unibanco diminuiu a projeção para o IPCA de 4,4% para 4,1%. Pelos cálculos do Bank of America Merril Lynch, a variação do custo de vida será de 4,4%. Thadeu, da MacroAgro, prevê 3,8%. “Dificilmente, a inflação ficará acima da meta. A probabilidade maior é de que encerre 2017 bem próxima de 4%”, afirma o economista.

 

Agressividade

 

O mercado acredita que a tendência é de que, até às vésperas da próxima reunião do Copom, o BC reforce o discurso de que acelerará o corte dos juros. Esse movimento começou a ser construído no comunicado pós-reunião do Comitê, dias antes do carnaval. Agora, de posse de números mais consistentes da inflação e diante de perspectiva de lenta recuperação da economia, não será problema para a instituição empurrar o mercado para um quase consenso de queda de um ponto dos juros.

 

Marcos Casarin, economista-chefe para a América Latina da Oxford Economics, aposta que a maior agressividade do BC resultará em duas reduções seguidas da Selic de um ponto percentual, uma, em abril, outra, em maio. Os juros cederiam, portanto, para 10,25% ao ano. Essa aposta se baseia na necessidade de o BC dar uma sacudida na atividade, que se mantém muito fraca. Tão debilitada que ele foi obrigado a rever as projeções de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 de 0,4% para 0,1%. Isso, depois de dois anos seguidos de recessão.

Para André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, um corte de 0,75 ponto nos juros não se justifica no quadro atual, de inflação em forte queda e de profunda deterioração econômica. “Essa leitura vai contra o que vínhamos argumentando. Acreditávamos que o BC deixaria o mercado cortar os juros sozinho e ficaria, de maneira propositada, atrás da curva para ter espaço para agir em caso de necessidade. Mas as pressões no sentido de reduções maiores dos juros são substanciais. São pressões teóricas, de ordem política e de mercado”, frisa. Todas com argumentos fortes.

 

Brasília, 06h30min