MAR DE DILEMAS

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O governo respirou aliviado com a queda do dólar, depois de seis altas consecutivas, mas os investidores que pressionam os preços da moeda estão longe de dar um voto de confiança ao Palácio do Planalto quando assunto é ajuste fiscal. Ainda que vejam sinais positivos na trégua entre o Executivo e o Legislativo, ao se buscar um consenso em torno da correção da tabela do Imposto do Renda (IR), temem que a fragilidade política da presidente Dilma Rousseff, que ontem voltou a ser vaiada, acabe flexibilizando demais o arrocho tão necessário para resgatar a confiança no país.

A equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem se empenhado em mostrar que a maior parte das medidas anunciadas por ele para cumprir a meta de superavit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano depende apenas do governo. Mas, nos bastidores, técnicos admitem que a apoio do Congresso para o ajuste como um todo é vital para que o Brasil não seja rebaixado pelas agências de classificação de risco. Ressaltam que o embate político não é bom para ninguém, pois impede a volta da previsibilidade que o empresariado tanto cobra.

A grande indagação entre os agentes econômicos é se o governo também cederá ao Congresso nas medidas que restringem o acesso ao seguro-desemprego, ao abono salarial, ao auxílio-doença e às pensões por morte. A Fazenda espera economizar R$ 18 bilhões neste ano ao pôr fim à farra com esses benefícios. É o partido da presidente, o PT, aliado às centrais sindicais, o maior opositor às restrições impostas pela equipe econômica. Teme-se que as mudanças no IR e as alterações nas regras dos programas sociais abram a porteira para a desfiguração total do ajuste fiscal.

Dentro do governo, muitos admitem que o grande teste da arrumação das contas públicas será o desemprego. É possível que, já em março, a taxa de desocupação medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nas seis principais regiões metropolitanas do país encoste nos 6%, índice que não se vê desde o início de 2012. Apenas em janeiro deste ano, o desemprego saltou um ponto percentual, provocando incômodo entre os petistas mais radicais, que veem no arrocho fiscal um mal desnecessário para corrigir os equívocos cometidos por Dilma no primeiro mandato.

A inquietação que ronda os investidores vai além do ajuste fiscal. Há muito desconforto em relação ao Banco Central, admite o economista-chefe da INVX Partners, Eduardo Velho. Não se sabe, segundo ele, até que ponto a autoridade monetária está disposta a ratificar a correção dos preços relativos por meio da alta do dólar. Ao mesmo tempo que o ministro da Fazenda indica que a moeda norte-americana deve encontrar, livremente, o nível aquedado dentro do que prega o sistema de câmbio flutuante, o BC sinaliza que pode estender as intervenções no mercado por meio dos contratos de swap cambial. Foi essa percepção sobre o banco que ajudou a derrubar as cotações do dólar ontem.

Todos esse dilemas refletem o péssimo momento do governo Dilma, sem qualquer credibilidade na política econômica. Com pouco mais de dois meses, o segundo mandato da petista tem cara de velho, de fim de festa. A presidente, com a popularidade no chão, tenta se equilibrar à beira do precipício, sem o apoio do próprio partido. A Esplanada dos Ministérios está completamente parada, seja por incompetência dos escolhidos pela presidente, seja pela falta de orientação. O setor privado travou, o que só contribui para a atividade despencar. A imagem do país no exterior é terrível, tamanho o grau de corrupção que se descobriu na Petrobras.

Nesse contexto, fica impossível acreditar quando Dilma diz que os problemas enfrentados pelo Brasil são transitórios. A situação do país ainda vai piorar muito ante de melhorar. Haja paciência.

Choque de credibilidade

» O anúncio da saída de Luiz Awazu Pereira da diretoria de Política Econômica do BC, um mês depois de ser nomeado, pegou o mercado de surpresa. Mas, no entender dos investidores, pode ser uma grande oportunidade para o presidente da instituição, Alexandre Tombini, convidar alguém realmente de peso, com renome internacional, para o cargo.

Medo do fracasso

» Apesar do desejo do mercado, não será fácil para Tombini encontrar, na iniciativa privada, um economista que queira associar seu nome a um grupo que fracassou na tentativa de manter a inflação no centro da meta, de 4,5%. E que terá, no fim de ano, de pedir desculpas à nação pelo fato de o custo de vida ter superado o limite de tolerância, de 6,5%.

Fala, Tombini!

» Alexandre Tombini, por sinal, confirmou presença na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) para 23 de março. Os senadores já avisaram que querem ouvi-lo com maior frequência.

Abalo de Dilma

» Quem conversou com a presidente Dilma nos últimos dois dias ficou impressionado como ela se abalou com as manifestações do último domingo. Publicamente, a petista procurou passar força. Mas sentiu o peso da gritaria contra ela. A vaia de ontem, em um evento do setor da construção, só aumentou o desconforto da chefe de governo.

A culpa é do outro

» Os aliados de Dilma dizem que a culpa pelo inferno enfrentado pela presidente é do PT, que passou a ser sinônimo de corrupção. Os petistas, vários muito próximos do ex-presidente Lula, afirmam que Dilma está colhendo o que plantou, por ter governado com arrogância e distanciamento do partido.

Brasília, 00h20min