Juízes do Trabalho comparam decisão do CNJ de calar magistrados a atos do nazismo

Publicado em Economia

Em artigo publicado na edição desta quinta-feira (05/07) no Correio, juízes trabalhistas criticam duramente a decisão do Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) de proibir que magistrados possam manifestar suas opiniões pessoais em redes sociais. Eles dizem que a posição do CNJ é semelhante a atos do nazismo. Veja a íntegra do artigo.

 

GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO
Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

RODRIGO TRINDADE
Professor e juiz do trabalho na 4ª Região (RS)

 

Na noite de 10 de maio de 1933, brandindo archotes, nazistas se reuniram na praça Bebel, em Berlim, para queimar livros. Escolheram os autores que consideravam “subversivos”, como Einstein, Thomas Mann, Kafka e Marx. Em resposta para seu amigo Ernest Jones, Freud — que também tivera obras incineradas — escreveu: “Que progressos estamos fazendo. Na Idade Média, teriam queimado a mim; hoje em dia, eles se contentam em queimar meus livros”.

Em junho de 2018, a Corregedoria Nacional de Justiça decidiu não queimar juízes, mas jogar sua liberdade de expressão na fogueira. Por meio do Provimento 71/2018, pretende estabelecer verdadeira mordaça na magistratura, impedindo milhares de juízes e juízas de todo o país de poderem exercer um dos mais essenciais direitos fundamentais, a liberdade expressão, especificamente nas redes sociais.

O ato da Corregedoria esbarra em sua própria justificativa. Ao contrário do que declara, não garante a liberdade de expressão, mas cerceia-a. O Provimento caracteriza como viés político-partidário qualquer manifestação de crítica ou apoio a candidato ou partido. A atividade político-partidária — essa, sim, vedada aos magistrados em atividade — não se confunde como desgostar publicamente de alguém. Proselitismo e criticismo não são expressões sinônimas.

No Brasil, livre manifestação de pensamento é garantia constitucional de todo cidadão. Em momentos graves, é necessário repetir o óbvio: magistrados também são cidadãos. Interpretar restritivamente direito universalmente previsto na Carta Magna, através de ato administrativo monocrático, é agressão de vulto. Nem o Ato Institucional nº 5, no pior momento da Ditadura Militar, chegou ao ponto de amputar universalmente direito fundamental de todos os agentes do Judiciário.

Qualquer restrição ao direito de expor pensamento é individualmente grave. Mas quando dirigido a agentes de um Poder de Estado, alcança status de emergência institucional. É inconcebível, no atual ambiente democrático, que cidadãos não possam livremente apresentar, sempre com responsabilidade, suas opiniões.

Hans Johst, poeta nazista (sim, isso existiu), justificou a fogueira da praça Bebel com a “necessidade de purificação da literatura de elementos estranhos que pudessem alienar a cultura alemã”. O provimento 71 também exorta conceitos abstratamente relacionados à moralidade. Justifica o aprisionamento de ideias em concepções como “moralidade dos agentes públicos”, dever de “manter conduta ilibada” e “preservação da imagem, da dignidade e do prestígio do Poder Judiciário”.

As garantias constitucionais da magistratura são asseguradas pelas Nações Unidas, estabelecendo que “os magistrados gozam, como os outros cidadãos, das liberdades de expressão, convicção, associação e reunião”. No plano legislativo nacional, a Lei Orgânica da Magistratura expressamente assegura que juízes não serão punidos ou prejudicados pelas opiniões que manifestarem.

Precisamos perquirir o porquê desse tipo de iniciativa neste momento. É inegável que, no último par de anos, houve notável crescimento de importância da magistratura nacional, chamada a mediar diversas crises graves nacionais. Assim vem ocorrendo em operações de combate à corrupção, restrições de candidaturas a cargos eletivos e interpretação de leis importantes tidas por inconstitucionais, como a Reforma Trabalhista. Não é apenas o protagonismo que incomoda, mas que juízes democraticamente justifiquem seus posicionamentos junto à opinião pública.

A barreira à liberdade de opinião que se pretende impor contradiz o avançar da democracia nacional. Já não é mais aceitável que, em pleno século 21, decisões judiciais não possam ser conhecidas e debatidas pela sociedade, a partir da ampla publicidade das razões manejada pelo decisor. A integração da magistratura com todo o corpo social é demanda necessária para a legitimação do Poder Judiciário e, para isso, é essencial construir diálogos em todas as redes contemporâneas de comunicação.

Por tudo isso, a Anamatra ingressou com pedido de providências no CNJ, requerendo a revogação total ou parcial do Provimento n. 71/2018. A entidade de representação da magistratura trabalhista não aceita que militância político partidária seja confundida com o direito fundamental de liberdade de expressão.

Na Alemanha nazista, intelectualidade e opinião pública ofereceram pouca resistência à queima; e as consequências, como bem sabemos, foram nada agradáveis. Depois de 85 anos, temos oportunidade de mostrar que algo mudou na defesa da liberdade de pensamento.

 

Brasília, 11h20min