Fracasso na concessão de portos evidencia incompetência do governo

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POR SIMONE KAFRUNI

 

O leilão de sala vazia para o arrendamento de Terminais de Uso Privados (TUPs) no Pará, que foi adiado em março, e, em junho, novamente suspenso, descortinou problemas ainda mais graves do que a falta de atratividade dos contratos oferecidos pelo governo: as péssimas condições dos acessos aos portos brasileiros. Seja por terra, pela água, ou por trilhos, as condições de transporte de cargas aos terminais portuários são tão precárias no Brasil que os custos com frete chegam a representar até 50% do valor dos produtos exportados.

 

Dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostram que as perdas com a precariedade dos modais de transporte que levam os produtos aos portos brasileiros podem chegar a R$ 12 bilhões por ano. O pior é que a situação, que já está ruim, tende a se deteriorar. Diante do atual quadro político e econômico, os investimentos minguaram, estreitando ainda mais os gargalos de infraestrutura.

 

Para os especialistas do setor, a situação dos acessos aos terminais do país traduz a falta de atenção do governo com a questão portuária a despeito do fato de que mais de 90% das exportações brasileiras são escoadas pela via marítima. Apenas 10% são transportados além da fronteira Oeste do país por rodovias. O diretor executivo da CNT, Bruno Batista, explica que o volume de investimentos destinado aos portos sempre foi baixo. “Eles acabaram relegados a segundo plano e ficam nas áreas urbanas, onde foram concebidos, o que faz com que os acessos terrestres sejam comprometidos”, explica.

 

Batista alerta que, para chegar a Santos, o maior porto do Hemisfério Sul, os caminhões precisam passar por dentro da cidade. Situação que se repete na maioria dos terminais brasileiros. “Os acessos ferroviários também têm problemas, falta controle e há invasões nas áreas de domínio que resultam em queda da velocidade operacional. A profundidade dos canais de acesso é outro problema”, elenca.

 

Além de insuficiente, o investimento público destinado aos transportes no país nem sempre é totalmente utilizado. Historicamente, o governo deixa de executar 30% do orçamento destinado ao setor. Em 2012, dos R$ 28 bilhões autorizados, apenas R$ 13,6 bilhões foram executados. De lá para cá, apesar das necessidades terem aumentado, os recursos encolheram. “Chegamos, em 2016, com orçamento de R$ 10,7 bilhões. E deve haver contingenciamento, porque o Orçamento ainda está nebuloso. É muito baixo para as necessidades do setor”, afirma.

 

Modelagem

 

O que o governo tem feito, diz o especialista, é relegar os investimentos para a iniciativa privada. “No entanto, o último leilão foi suspenso pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Isso deu um sinal ruim para o investidor, que precisa ter um horizonte de retorno mais amplo”, comenta.

 

Além de suspensos, na primeira vez, com a alegação de problemas técnicos, os leilões foram remarcados e novamente não se realizaram. O último arrendamento de área para fertilizantes do porto de Santarém, no Pará, marcado para 10 de junho, também fracassou. Segundo a Antaq, a modelagem dos editais deverá ser ajustada com o objetivo de melhor atender à demanda atual. Para os especialistas, no entanto, não há dúvida: faltam interessados. Mas por quê?

 

Na avaliação de Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, além dos problemas nos contratos oferecidos pelo governo, que não garantem segurança jurídica, os últimos terminais de uso privado colocados em leilão para arrendamento não tiveram interessados porque os portos brasileiros sofrem com péssimos acessos, o que afasta os investidores privados. “Porto precisa de carga e de acesso. Os terminais do Pará teriam carga garantida porque o escoamento da produção de grãos do Centro-Oeste teria custo logístico muito menor pelos portos do chamado Arco Norte. O problema ali é a BR-163, que é precária, muito ruim mesmo”, destaca.

 

O setor agrícola, o mais pujante da economia brasileira, é o que mais sofre com a falta de competitividade logística do país. “Quanto maior a velocidade permitida nos acessos, maior a eficiência no transbordo, maior a competitividade logística. O que a gente vê no Brasil é o dinamismo do setor agrícola se esvair”, lamenta o diretor da CNT.

 

Luiz Antônio Fayet, consultor de Planejamento Estratégico e Logística da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), ressalta que o agronegócio brasileiro aparece no primeiro time do mercado internacional, apesar da falta de competitividade logística. “O setor nasceu na Região Sul, expandiu-se para as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, que não têm infraestrutura adequada. Por isso, da porteira para dentro, o agronegócio brasileiro é espetacular, mas, saindo dali, perdemos a guerra”, diz.

 

O consultor da CNA explica que, de 2009 a 2013, a quantidade de soja e milho deslocada acima do paralelo 16 para os portos das regiões Sul e Sudeste passou de 38 milhões de toneladas para aproximadamente 60 milhões. “Isso dá uma ideia do que representa o volume deslocado de grãos. A falta de infraestrutura no chamado Arco Norte — que abrange desde Itacoatiara (AM) até o Porto do Pecém (CE) — resulta em congestionamento nos transportes terrestres das regiões Sul e Sudeste.

 

O caminho rodoviário mais curto, para os portos do Norte, passa pela BR-163, que tem problemas em toda a sua extensão. No período de chuvas, os caminhões ficam atolados na via, pelas condições dramáticas da pista. Contudo, por sua localização estratégica, próxima do Centro-Oeste, maior produtor de grãos, o uso mais intensivo da rodovia poderia baratear muito o frete. Estudo da CNT calcula que a economia no frete dos grãos poderia chegar a R$ 125 por tonelada com o uso dos portos do Arco Norte. Para isso, seria fundamental a intermodalidade, com o uso de hidrovias.

 

Hidrovias ajudariam

 

O transporte de cargas por rios não é um assunto muito comum no Brasil. “Não à toa, não se ouve falar em melhorias de hidrovias, simplesmente porque esses projetos não existem”, alerta Bruno Batista, diretor da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Dentro da dotação orçamentária que o governo faz para o setor, apenas 1,7% é destinado ao transporte aquaviário. “É sempre a menor destinação. E, historicamente, do aquaviário grande parte fica em intervenção portuária.”

 

Em Santa Catarina, existem cinco terminais portuários — Imbituba, Itajaí, Navegantes, São Francisco do Sul e Itapoiá — em uma extensão de pouco mais de 500 quilômetros de costa. Em nenhum deles há acessos adequados. O vice-presidente da Fiesc, federação das indústrias do estado, Mário Cezar Aguiar, explica que para chegar ao porto de Itapoá ainda é preciso passar por dentro do município de Garuva. “Falta concluir o trecho que o liga diretamente à BR-101, que é a rodovia que interliga os cinco portos e já dá sinais de esgotamento. A obra de duplicação dura mais de 20 anos e ainda não terminou”, argumenta. Enquanto esses gargalos não são solucionados, segundo ele, o custo logístico dos produtores é o dobro dos países com o qual competem.

 

A grande preocupação, no momento em que o país precisar retomar investimento, é que a falta de interesse provoque um atraso na infraestrutura logística que pode chegar a 20 anos. Bruno Batista, diretor da CNT, esclarece que previsão do governo era ter uma mudança modal em 2022. “Foram elencados projetos prioritários, mas nada saiu do papel ou andou. Mais uma vez, perdeu-se um ciclo muito favorável de investimento em infraestrutura. Por não fazer isso, por conta das deficiências operacionais que o governo tem, vamos amargar um ciclo longo de problemas”, alerta.

 

O especialista alega que as obras de engenharia são demoradas. Rodovias e ferrovias demoram de 15 a 20 anos para ficarem prontas. Enquanto isso, o setor produtivo amarga prejuízos bilionários. “As perdas em todas as modalidades, rodoviário, ferroviário, aquaviário, são superiores a R$ 12 bilhões por ano. Já se perde mais do que o governo está disposto a investir, com o orçamento de R$ 10,7 bilhões”, lamenta.

 

Para Luiz Fayet, consultor da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), no momento em que houver condições logísticas adequadas, o deslocamento da porteira até um porto de embarque será reduzido entre 500 e 1 mil quilômetros de percursos terrestres. “Isso poderá significar uma redução média nacional de custos logísticos na ordem de US$ 50 por tonelada”, calcula.

 

Brasília, 00h01min