FGV: PIB de 2020 já estava fraco antes da chegada da covid-19

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

 

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil já estava fraco antes mesmo da chegada do coronavírus ao país e a chegada da pandemia de covid-19 ajudou o país entrar em recessão logo no primeiro trimestre. Essa é uma das constatações do estudo divulgado nesta segunda-feira (29/06) pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da Fundação Getulio Vargas (FGV). 

 

De acordo com dados do Codace, o pico no ciclo de crescimento da economia brasileira ocorreu no quarto trimestre de 2019, sinalizando que, “a partir de primeiro trimestre de 2020”, o país dava sinais entrou em nova recessão econômica antes mesmo de o novo coronavírus chegar ao país, que gerou impactos negativos na atividade a partir da segunda metade de março.

 

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB brasileiro encolheu 1,5% no primeiro trimestre de 2020. Uma economia entra em recessão quando registra dois trimestres consecutivos de queda e as projeções do mercado para o segundo trimestre não são nada animadoras, apontando tombo de até 15%.

 

O grupo de economistas do Codace, que esteve reunido no último dia 26, identificou a ocorrência de um pico no ciclo de negócios brasileiro no quarto trimestre de 2019, informou a nota do órgão divulgada hoje. “O pico representa o fim de uma expansão econômica que durou 12 trimestres — entre o primeiro trimestre de 2017 e o quarto de 2019 — e sinaliza a entrada do país em uma recessão a partir do primeiro trimestre de 2020”, destacou o documento.

 

Um dos integrantes do Codace, o economista Marco Bonomo, professor do Insper, demonstrou preocupação com os dados levantados pelo Comitê. “Essa recessão é muito preocupante. É muito profunda. Tem potencial de ser a maior da história”, afirmou Bonomo ao Blog. Segundo ele, a economia brasileira vinha crescendo muito pouco no primeiro trimestre. “O choque devido à pandemia em meados de março foi suficiente para a economia registrar recessão logo no primeiro trimestre”, comentou.

 

Para Bonomo, a recessão não começou em janeiro, mas o PIB vinha apresentando um desempenho fraco nos primeiros meses do ano. “Se a economia estivesse registrando um crescimento forte, não ia ser o choque na segunda metade de março (devido à covid-19) que iria fazer o PIB cair no primeiro trimestre”, destacou. Segundo ele, por enquanto,  o Comitê se eximiu de dizer quando no primeiro trimestre começou a recessão.

 

O Codace também realizou a datação mensal da recessão de 2014 a 2016 ao identificar um pico em março de 2014 e um vale em dezembro de 2016. “Isso significa que a recessão teria durado 33 meses, entre abril de 2014 e dezembro de 2016” destacou o documento. Essa taxa está acima da média de 17,7 meses computada nas crises anteriores estudadas pelo Comitê. Na década perdida, de 1980, a recessão chegou a durar 28 meses, entre o pico de outubro de 1980 até o vale de fevereiro de 1983.

 

“A recessão que durou mais tempo foi a última, de 2014 a 2016, que durou 33 meses. Mas a mais profunda será a da covid-19, mas ainda temos apenas os primeiros dados sobre ela. Ainda não dá para prever a duração porque estamos no meio dessa recessão”, destacou ao Blog, a economista Marcelle Chauvet, professora da Universidade da Califórnia. “A economia estava se recuperando muito lentamente desde 2017. Alguns setores estavam bem fracos antes da covid-19, outros, em expansão”, adicionou.

 

Além de Bonomo e de Chauvet, integram o Codace os economistas Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e coordenador e diretor da AC Pastore & Associados; Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real e diretor do Iepe-Casa das Garças; João Victor Issler professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE) da FGV-RJ; Paulo Picchetti, professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da FGV-SP, e Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, Fernando Veloso, professor da EPGE-FGV e pesquisador do Ibre-FGV e Vagner Ardeo, vice-diretor do Ibre-FGV.

 

Veja abaixo o gráfico que mostra o tamanho das últimas recessões levantadas pelo Codace e destacadas nos períodos em cinza:

 

Discurso equivocado

 

Os dados do Codace confirmando que o PIB de 2020 já estava fraco no começo do ano contradizem o discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, que sempre fala em suas apresentações ao mercado de que a economia brasileira estava “decolando” neste ano, mas o “avião foi abatido” pela crise provocada pela covid-19. 

 

“O ministro tem errado todas as previsões que ele tem feito para o mercado e o estudo do Codace, confirma o fato de que Guedes não acerta uma”, destacou o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB). Ele citou vários equívocos da equipe econômica que viraram piada no meio acadêmico e do mercado ao tentarem reinventar a roda da macroeconomia, como tentar separar o PIB público do PIB privado e, recentemente, incluir o deficit fiscal na conta de carga tributária.

 

Vale ressaltar que a pandemia de covid-19, denominada de “gripezinha” pelo presidente Jair Bolsonaro (que ainda insiste em rebater visões científicas sobre o tema), está colocando o mundo na maior recessão da história e já matou mais de 57 mil brasileiros e mais de 500 mil pessoas no mundo. Especialistas não cansam de alertar para os riscos do afrouxamento precipitado na maioria das cidades do país e as consequências na economia.

 

Diante do agravamento das consequências da covid-19 pelo mundo, as novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), estima que o PIB global deverá encolher 4,9% neste ano, e o tombo do PIB brasileiro será quase o dobro: 9,1%. Na semana passada, o Banco Central alterou de estabilidade para queda de 6,4% a previsão de queda do PIB brasileiro em 2020.

 

Em março, o professor da UnB previa queda de 10% no PIB. “Essa era o percentual que os economistas da Espanha estavam prevendo para o país europeu e, como aquela economia é parecida com a brasileira, porque é baseada em serviços, não havia como não prever uma queda brusca desse tamanho”, disse Oreiro.