DEFICIT DE CREDIBILIDADE

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Apesar dos sinais claros de resistência, a presidente Dilma Rousseff parece estar trazendo seu discurso para mais próximo da realidade, bem longe das mentiras que propagandeou durante a última campanha eleitoral. Ao dizer, ontem, que o governo “esgotou” todos os recursos para combater a crise econômica, por insistir em “políticas de crédito bastante subsidiadas” e em desonerações excessivas, assumiu que passou dos limites na execução de uma política equivocada de estímulo ao consumo e de favorecimento a setores específicos, com forte lobby em Brasília.

Não está sendo fácil para a presidente assumir publicamente o quanto errou nos últimos quatro anos na condução do país. Mas é questão de sobrevivência. Fragilizada politicamente, com a popularidade no chão e manifestações pipocando por todo o país, Dilma precisa reconquistar a confiança de empresários e investidores para reverter o movimento que está levando a economia para o buraco. Ela sabe que carrega nos ombros, por culpa própria, um deficit de credibilidade que paralisou a atividade. São poucos os que acreditam no que a chefe do Executivo diz.

Ao adotar um modelo centralista, de forte intervenção na economia, Dilma implodiu todas as pontes com os agentes econômicos. Acabou com um bem precioso para quem trabalha com o longo prazo: a previsibilidade. Escureceu o horizonte ao descuidar da inflação, que caminha firme para os 8%. Tirou a capacidade das empresas de calcularem o custo da energia em seus negócios. Criou a perspectiva de tarifaço ao manter congelados os preços dos combustíveis. Deixou as contas públicas em farrapos e levou a dívida pública para níveis alarmantes devido aos subsídios que agora admite.

Há, porém, um longo caminho a ser percorrido até que os discursos de Dilma tenham a relevância do cargo que ocupa. Na visão dos agentes econômicos e da população — como mostram as pesquisas de popularidade —, a presidente consolidou a imagem de mentirosa. A desconfiança em relação a ela é tamanha, que os investidores mantêm firme as apostas de que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, responsável por botar o governo em ordem, não ficará muito tempo no cargo. Para eles, a petista ainda não deu mostras consistentes da convicção de que mudou para valer, de que seu discurso atual não é mais uma das peças de marketing do publicitário João Santana.

Ata da coerência

Na tentativa de reverter o colapso da confiança, o Banco Central procurou manter a coerência dos mais recentes discursos na ata do Comitê de Política Monetária divulgada ontem. Assumiu que a inflação deste ano será muito maior do que vinha anunciando e que pode manter o ritmo de alta da taxa básica de juros (Selic) em 0,50 ponto percentual na reunião de abril.

Foi a primeira ata de Luiz Awazu Pereira como diretor de Política Econômica do BC. Ao manter todas as portas abertas para os rumos dos juros, a autoridade monetária indicou que há muitas variáveis sobre as quais não tem controle em jogo. Por isso, não pode se comprometer com o encerramento do ciclo de aperto em abril, com apenas mais uma alta de 0,25 ponto, como preveem economistas de renome.

A mais relevante dessas variáveis é o dólar. Está se formando o consenso no mercado de que o Federal Reserve (Fed), o BC dos Estados Unidos, elevará os juros ainda neste ano, provavelmente a partir de junho. Se isso ocorrer em meio às crises econômica e política do Brasil, é possível que o dólar rompa por aqui a barreira dos R$ 3,50. Ainda que o governo insista em dizer que, diante do fraco desempenho da atividade, não há muito espaço para o repasse do câmbio para os preços, o impacto de uma nova arrancada da moeda norte-americana na inflação será forte.

Além do dólar, o BC de Alexandre Tombini não tem sob controle o ajuste fiscal. O empenho demonstrado por Joaquim Levy não impede que haja frustração na aprovação de medidas que estão sendo avaliadas pelo Congresso. A fragilidade da base de apoio do governo é explícita. Nada indica que o Palácio do Planalto conseguirá juntar os cacos tão cedo.

Ajuste na comunicação

» Para analistas do mercado, o melhor da ata do Copom foi o sinal de que o Banco Central não está mais disposto a errar. Mas, pelo sim, pelo não, muitos manterão o pé atrás até que seja divulgado o relatório trimestral de inflação no fim deste mês. Só então, terão a certeza de que a política de comunicação da autoridade monetária foi ajustada.

Mercadante balança

» A fritura do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, está sendo alimentada pelo Planalto, por assessores muito próximos da presidente Dilma. Ninguém suporta mais a arrogância e a falta de tato do ministro, acusado de ser o mentor de boa parte dos equívocos políticos cometidos pela chefe de governo. O ministro, porém, garante que está mais firme do que nunca no cargo.

Café com protesto

» João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), conciliou, na quarta-feira, um cafezinho no Planalto com Miguel Rossetto, secretário-geral da Presidência da República, com um protesto, horas depois, debaixo da janela do ministro da Fazenda. “Os ajustes que o seu Levy fez foram burradas”, diz.

Stédile dá lição

» Apesar de ser mestre em invasões, Stédile critica os protestos contra a presidente Dilma Rousseff. “Alguns grupos querem criar um clima de confusão, usando a mídia.” Ele ressalva que apoia a liberdade de manifestação. “Todos têm o direito de protestar, desde que dentro da lei e com respeito, como nós fazemos”, afirma.

Brasília, 00h20min