Correio Econômico: Otimismo do mercado ganha ares de cautela

Publicado em Economia

Os bons ventos que vinham soprando do exterior começam a se dissipar. Já não há mais tanta certeza entre os investidores sobre um período de calmaria no mundo que pudesse ajudar o país a fazer uma travessia tranquila até as eleições presidenciais de outubro. O Federal Reserve (Fed), Banco Central dos Estados Unidos, vai aumentar as taxas de juros. E, com a inflação se assanhando, é possível que o aperto monetário na maior economia do planeta seja bem maior do que o esperado. Os mercados emergentes sentirão o baque. A Bolsa da Valores brasileira registrou ontem o quinto pregão seguido de queda.

 

Não por acaso, Ilan Goldfajn, presidente do BC brasileiro, vem alertando sobre os riscos de eventos externos. Há um excesso de confiança nos agentes financeiros. É verdade que, no Brasil, a inflação está muito abaixo das estimativas, o que permitirá ao Comitê de Política Monetária (Copom) cortar, nesta quarta-feira, a taxa básica de juros (Selic) de 6,75% para 6,50%. Contudo, se realmente o Fed, que também se reunirá amanhã, pisar no acelerador, boa parte dos investimentos estrangeiros que estão no Brasil migrará para os EUA e as cotações do dólar tenderão a subir, pressionando o custo de vida.

 

Economista-chefe do Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes), Eduardo Velho ressalta que, no radar dos investidores, o BC dos Estados Unidos dará três aumentos nos juros. Isso já está precificado pelo mercado. Como, porém, a inflação está subindo mais forte, girando entre 1,7% e 1,9% ao ano, dependendo do índice, bem próximo dos 2% toleráveis, não será surpresa se outros aumentos nos juros forem anunciados. “O governo de Donald Trump está promovendo uma grande expansão fiscal. É mais inflação. Portanto, o Fed pode ser mais rigoroso do que o mercado está apostando”, explica.

 

Os juros mais altos nos Estados Unidos não afetam apenas o dólar. Impactam também os preços das commodities. Como grande exportador desses produtos com cotação internacional, o Brasil sofre. Antevendo isso, alguns investidores derrubaram os preços das ações da Vale. Os papéis ordinários (ON) da mineradora perderam 2,84% do valor somente ontem. Em março, a desvalorização chega a 7,84%. “Tudo indica que veremos um mercado mais volátil daqui por diante, com as oscilações se acentuando à medida que as eleições forem se aproximando”, ressalta Velho.

 

De olho em Lula

 

Dentro do governo, o discurso é bem mais otimista. “Estamos com uma economia em franco processo de recuperação, combinando inflação e juros em baixa”, diz um integrante do grupo palaciano mais próximo do presidente Michel Temer. Para ele, nem mesmo a queda em janeiro de 0,56% do Índice do Banco Central (IBC-Br), prévia do Produto Interno Bruto (PIB), tirou o ânimo do governo. “Temos dados consistentes de que o nível de atividade está em ascensão. Os próximos meses vão mostrar que estamos certos”, acrescenta.

 

A aposta do governo é de que a economia mais forte viabilize um dos candidatos de centro-direita nas eleições. Hoje, há vários postulantes ao Planalto com características mais moderadas e com visão mais reformista. Mas nenhum deles vitaminado o suficiente para se colocar no segundo turno. Aliados de Temer dizem que há muita chance de um candidato de esquerda ir para a disputa final. Pode ser Ciro Gomes, do PDT. Mas, para isso, será preciso que ele tenha o apoio de Lula e do PT, o que não está certo. Os petistas estão divididos em relação a esse apoio. Uma ala teme ver a bancada no Congresso minguar se o partido não lançar um cabeça de chapa na corrida para o Planalto.

 

Há outra variável no radar do governo e do mercado. Uma coisa é Lula preso; outra, o petista fazendo campanha para um candidato Brasil afora. Por isso, é grande a torcida para que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decida logo por levar o petista para atrás das grades, mantendo-o na cadeia pelo menos até o fim das eleições. “Com certeza, o risco Lula já foi maior. Ele está fora da disputa, mas, se não for preso, provocará muito tumulto no pleito”, destaca o assessor palaciano.

 

Na visão dele, mais do que nunca, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, precisa ser firme e não ceder às pressões para colocar em pauta a votação sobre a possibilidade de prisão depois de o réu ser condenado em segunda instância. Se ela ceder e o STF mudar o entendimento sobre o tema, o aumento dos juros nos Estados Unidos não será nada perto do que poderá ocorrer nos mercados.

 

Brasília, 06h38min