Correio Econômico: O duplo mergulho do Brasil

Publicado em Economia

O pessimismo que domina a economia brasileira está ganhando contornos cada vez mais assustadores. Se, até o início do ano, a perspectiva era de que o Brasil encerraria 2018 com crescimento de 3%, agora, uma leva de especialistas já cogita a volta da recessão. Na linguagem que é característica do mercado, falam em duplo mergulho do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, depois de sair de uma das mais severas recessões da história, entre 2014 e 2016, o país pode registrar, novamente, retração na atividade, elevando o desemprego e agravando os problemas sociais.

 

O Brasil está sendo vítima de uma tempestade perfeita. Os Estados Unidos, a maior economia do planeta, está passando por um aperto monetário, com reflexos por todo o mundo. Ontem, o Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano, aumentou a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para até 2% ao ano. A instituição avisou que, em vez de três, serão quatro altas no ano — duas já se concretizaram. O Fed deixou as portas abertas para ir além, caso a inflação se mostre mais forte do que o esperado, devido à consistente recuperação econômica.

 

A subida dos juros nos EUA retira recursos dos mercados emergentes, como o Brasil, provocando a desvalorização do real ante o dólar, um problema para a inflação. A situação se agrava porque o país caminha para uma das eleições mais imprevisíveis da história. As pesquisas de intenção de votos apresentam, na liderança, candidatos sem compromissos com reformas tão importantes, como a da Previdência Social, para ajustar as contas públicas. Para completar: a greve dos caminhoneiros desnudou um governo desestruturado internamente e sem capacidade de articulação com o Congresso.

 

Gula por dólar

 

Na avaliação de especialistas, as intervenções anunciadas pelo Banco Central para tentar manter a ordem na economia não serão suficientes para evitar os estragos da tempestade que abateu o país. Desde que anunciou a venda de dólares no mercado, o BC não tem tido sossego. Os quase US$ 25 bilhões ofertados estão sendo absorvidos com avidez. Ninguém quer ficar desprotegido. Quem acompanha o dia a dia das negociações afirma que só há dois caminhos para a autoridade monetária: deixar o dólar subir e se ajustar às condições do sistema ou elevar os juros.

 

Para Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim, mesmo com as intervenções no câmbio, o Banco Central terá de subir a taxa Selic, hoje em 6,50% ao ano. Ele ressalta que, depois de ficar um bom período muito baixa, a inflação está voltando para as metas, de 4,50% neste ano e de 4,25% em 2019. “O BC não vai subir os juros por causa do câmbio, mas porque a inflação está retornando para as metas”, diz.

 

Ele ressalta que a própria autoridade monetária tem destacado que os juros atuais estão abaixo do que os analistas classificam de taxa de equilíbrio, aquela em que a economia pode crescer sem pressionar a inflação. “Muito dizem que os juros neutros estão entre 8% e 10% ano. Vamos falar que sejam de 9%. Então, se os 6,50% não são sustentáveis e a inflação começa a voltar para as metas, o BC terá de começar a retirar os estímulos da economia, independentemente do câmbio”, frisa. No entender de Padovani, a taxa Selic deverá começar a subir no fim deste ano ou no início do próximo.

 

Arrepios de pânico

 

Dentro do governo, a palavra recessão provoca arrepios. A visão é de que o BC não deixará, de forma alguma, a atividade degringolar de vez. Diz um dos mais próximos assessores do presidente Michel Temer: “O Banco Central tem instrumentos de sobra para segurar as cotações do dólar. Uma coisa é a disparada da moeda. Outra, são os preços subirem gradualmente. Mantida a gradualidade, a inflação continuará sob controle e as expectativas dos agentes financeiros se manterão dentro das metas. Nesse quadro, não há motivos para os juros aumentarem, travando mais a economia”.

 

Resta saber se os investidores terão sangue frio para ver os resultados do trabalho do BC durante a travessia até as eleições. Todos estão ariscos demais. A percepção é de que o Brasil virou de cabeça para baixo depois da greve dos caminhoneiros. Sabia-se das fragilidades do país. Agora, escancarou-se um mar de incertezas. Se conseguir evitar o duplo mergulho da economia, certamente o Banco Central de Ilan Goldfajn poderá se dar por satisfeito.

 

Brasília, 06h06min