Correio Econômico: Crise à vista

Publicado em Economia

O governo está vendo com certa apreensão a disparada dos preços do dólar. A moeda norte-americana encerrou as negociações de ontem cotada a R$ 3,451 para venda, o nível mais elevado desde dezembro de 2016. A alta no dia chegou a 1,2%. Na avaliação do Palácio do Planalto, tudo o que não se quer agora é um estresse no mercado financeiro, que teria repercussões negativas na economia, a única área em que o presidente Michel Temer tem algo de bom a apresentar. Tensões no câmbio costumam espalhar ondas de incertezas que minam a produção e o consumo e, por tabela, freiam o crescimento.

 

A arrancada do dólar vem sendo puxada, majoritariamente, pelo temor de uma alta maior dos juros nos Estados Unidos. Até bem pouco tempo, o consenso era de que, no máximo, o Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano, promoveria três aumentos na taxa básica da economia. O processo seria gradual, sem traumas. Agora, 48%, quase a metade dos especialistas, acreditam que os juros terão quatro aumentos. E essa crença já se refletiu nos títulos de 10 anos do Tesouro dos EUA, cujas taxas encostaram nos 3% ao ano.

 

Nesse nível, o dinheiro que circula pelo mundo prioriza a maior economia do planeta em detrimento das nações emergentes, como o Brasil. O Planalto reconhece que a redução do fluxo de capital estrangeiro não seria tão impactante se a economia estivesse blindada. Se, por um lado, a inflação abaixo de 3% pode acomodar a alta do dólar, de outro, o rombo fiscal alimenta a aversão ao risco. Mesmo com todas as promessas de Henrique Meirelles, quando esteve à frente do Ministério da Fazenda, as contas públicas não foram ajustadas. Pelo contrário.

 

O buraco nas finanças federais só aumenta e há chance de as metas fiscais não serem cumpridas neste ano e no próximo. O governo está tão desesperado que está buscando recursos por tudo quanto é lado, raspando o tacho. Agora, o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, diz que o Tesouro pode se apropriar de R$ 10,5 bilhões do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) para cumprir a regra de ouro, que impede o pagamento de despesas correntes, como salários de servidores e aposentadorias, por meio de emissão de dívidas.

 

Empurrando com a barriga
A situação das contas públicas é tão preocupante que um assessor do presidente Michel Temer diz: “Fomos enganados. A equipe econômica sempre afirmou que tudo estava sob controle, e acreditamos. Agora, vemos que não é bem assim”. Esse mesmo interlocutor do presidente ressalta que os problemas estão se agigantando com uma equipe econômica fraca, sem força política. “Meirelles ainda tinha o respeito do Congresso, conseguia fazer andar projetos importantes para o ajuste fiscal. Os atuais ministros da Fazenda e do Planejamento não têm. Perdem tudo no Legislativo”, acrescenta.

 

Tanto que não há perspectiva de nenhum projeto importante avançar neste ano. “O Congresso praticamente fechou as portas para os pedidos da equipe econômica. É difícil acreditar na privatização da Eletrobras, na reoneração da folha de pagamento. Na melhor das hipóteses, deputados e senadores vão aprovar o cadastro positivo. Isso se o Banco Central se mantiver firme na defesa da medida”, ressalta um ministro bastante próximo de Temer. É triste ver, na avaliação dele, pastas tão cruciais quanto a Fazenda e o Planejamento entregues a pessoas sem peso político, ainda que sejam bons técnicos.

 

Também chama a atenção entre assessores de Temer a falta de imaginação da atual equipe econômica. “Os técnicos propõem sempre as mesmas coisas, como, por exemplo, o adiamento do reajuste de salários de servidores. Que falta de criatividade. Niguém acredita que isso terá o aval do Congresso, pois o aumento foi aprovado por senadores e deputados”, destaca um dos palacianos. Ele reconhece, porém, que, oficialmente, o Planalto dará todo apoio ao discurso de Eduardo Guardia e de Colnago. “Não podemos deixá-los mais fracos do que já são”, assinala.

 

A orientação no Planalto é manter o discurso positivo em meio à disparada do dólar e às incertezas das eleições. A inflação está no nível mais baixo em 20 anos, a taxa básica de juros (Selic) cairá mais 0,25 ponto percentual em maio, para 6,25% ao ano, e o crescimento vai continuar, mesmo que mais fraco. É isso que tem de ser incutido, segundo Temer, na cabeça da população. Se a bomba fiscal estourar, que seja no colo do próximo presidente. A memória do povo é tão curta que ninguém vai se lembrar que o time econômico apontado como salvador da pátria, na verdade, só empurrou o problema com a barriga.

 

Brasília, 06h27min