Coluna no Correio: Camisa de força

Publicado em Economia

Há quase um mês, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, assumiu o compromisso público de que o ritmo de corte da taxa básica de juros (Selic), a partir daquele momento, seria de 0,75 ponto percentual a cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). O que, naquele momento, foi visto como uma notícia alvissareira tornou-se, porém, uma camisa de força para a instituição. Ontem, ao decidir derrubar a Selic de 13% para 12,25% ao ano, o BC não pôde acelerar o corte da taxa para um ponto percentual, mesmo tendo todas as condições de fazê-lo, já que a inflação caiu muito mais que o esperado.

 

Para não ratificar suas amarras, o BC recorreu a um expediente muito estranho. Decidiu retirar do comunicado pós-reunião do Copom as projeções de inflação que usa em seu cenário de referência para tomar decisões de política monetária. A omissão saltou aos olhos dos especialistas. Não sem motivo. Desde que a diretoria comandada por Ilan Goldfajn tomou posse, o BC sempre se preocupou em dar transparência a seus atos. Por isso, construiu uma reputação fundamental para retomar o controle das expectativas inflacionárias e levá-las para o centro da meta, de 4,5%.

 

Extraoficialmente, o BC diz que o cenário de referência deixou de ser relevante, porque os juros não são mais fixos. As projeções desse cenário na reunião de ontem levaram em conta juros inalterados de 13% ao ano, o que já não refletiria a realidade de taxas cadentes. O mais importante agora, segundo o BC, é o cenário de mercado, construído com juros móveis. A instituição ressalta ainda que seu cenário de referência para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estará explicitado na ata da reunião do Copom que será divulgada na próxima terça-feira.

 

Pressão latente

 

Nas últimas três decisões do Copom, quando a Selic caiu, no total, 1,25 ponto percentual, os cenários de referência foram construídos com juros fixos e, nem por isso, o BC escondeu as informações. Outra coisa: se o cenário de mercado passou a ser mais relevante para a decisão de política monetária, o BC poderia ter cortado os juros para 9% ou 9,5% ontem, já que, com essas taxas, a inflação, pelas estimativas dos analistas, ficaria abaixo do centro da meta. No cenário do mercado, a projeção é de IPCA de 4,2% para este ano e ao redor de 4,5% em 2018.

 

Para tentar sair da camisa de força na qual se meteu, o BC assegura que, caso as condições sejam favoráveis, poderá intensificar os cortes da Selic mais à frente. Mas, certamente, terá que lidar com uma forte pressão do mercado, que, a partir de agora, incorporará a perspectiva de redução de pelo menos um ponto percentual no encontro de abril do Copom. Alguns especialistas acreditam que o mercado poderá projetar queda de até 1,5 ponto, uma vez que serão decorridos longos 45 dias entre uma reunião e outra, com a economia ainda capengando, o desemprego crescendo e a inflação em queda.

 

Pura covardia

 

O BC garante que a transparência na comunicação é tudo para que a credibilidade da política monetária seja mantida. Mas por que, então, omitir o cenário de referência na nota pós-Copom? Certamente, porque, no cenário de referência, as projeções de inflação estão muito abaixo do centro da meta, o que justificaria o Copom ter sido mais ousado e cortado os juros em um ponto percentual, para 12% ao ano. O BC não quis, portanto, assumir publicamente a sua covardia.

 

Os analistas acreditam que, no cenário de referência do Banco Central, as projeções de inflação estão girando entre 3,5 e 3,8% para este ano e entre 3% e 3,5% para 2018. São estimativas muito baixas, que não combinam com juros tão altos. Os especialistas ressaltam não haver dúvidas de que o BC de Ilan tem agido corretamente, tanto que conseguiu reverter as desconfianças em relação à capacidade da instituição de levar a inflação para a meta.

 

Contudo, num país atolado em uma recessão severa, com a demanda retraída, sem investimentos produtivos e com as famílias e as empresas atoladas em dívidas, em nada a reputação do BC seria afetada se os juros caíssem um pouco mais rápido. Não custa lembrar que, no primeiro trimestre de 2009, com o mundo atropelado pelo estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, a Selic recuou 3,75 pontos em apenas três reuniões do Copom. A recessão durou pouco e a inflação fechou abaixo da meta — foi a última vez que isso aconteceu.

 

Brasília, 07h59min