O verbo roubar

Publicado em Crônicas

 

 

Credito: Reproducao. Padre Antônio Vieira foi importantíssimo na história do Brasil e de Portugal.
Padre Antônio Vieira. Crédito: reprodução

 

 

Severino Francisco

Neste momento dramático da república, em que as roubalheiras mais delirantes vieram à tona, esta coluna conseguiu uma entrevista mediúnica exclusiva com o ilustre padre Antonio Vieira, o autor de Os sermões. Fiat lux! (Dá uma luz, mestre!, em tradução livre).

 

Como o senhor definiria o ato de roubar?

O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco faz piratas, o roubar com muito, os Alexandres, os imperadores.

 

Por que o senhor defende essa escala?

Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, este furtam e enforcam. Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador por ter roubado uma província! Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só.

 

Qual a responsabilidade dos príncipes?

Isaías dizia sobre os príncipes em Jerusalém: são companheiros de ladrões. E por quê? São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e os poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendam; e são finalmente seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar no inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo. Aquele que tem obrigação de impedir que se não furte, se o não impediu, fica obrigado a restituir o que se furtou.

 

O que propicia os ladrões nas repúblicas?

Pagou o furto quem elegeu e quem deu ofício ao ladrão. A porta por onde legitimamente se entra ao ofício, é só o merecimento; e todo o que não entra pela porta, não diz Cristo que é ladrão, senão ladrão e ladrão. E por quê duas vezes ladrão? Uma vez porque furta o ofício, e outra vez pelo que há de furtar com ele.

 

Como o senhor observa o comportamento da classe política em relação ao verbo roubar?

Conjugam por todos os modos o verbo rapio. Tanto que lá chegam, começam a furtar pelo modo indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos, é que lhe apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar tudo.

 

O poder concentrado nas mãos influi na conjugação?

Furtam pelo modo imperativo, porque como têm o mero e misto império, todo ele aplicam despoticamente às execuções da rapia. Furtam pelo modo mandativo, porque aceitam quanto lhes mandam; e para que mandem todos, os que não mandam não são aceitos.

 

Que avaliação faz o senhor da declinação dos imperfeitos?

Não lhes escapam os imperfeitos, os perfeitos, mais-que-perfeitos, e quais outros, porque furtam, furtaram, furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse. Em suma que o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do mesmo verbo: a furtar para furtar. E quando eles têm conjugado assim toda a voz ativa, e as miseráveis províncias suportada toda a passiva, eles, como se tiveram feito grandes serviços, tornam carregados de despojos e ricos; e elas ficam roubadas, e consumidas.

 

O senhor entende que os ladrões de carteirinha deveriam ter uma segunda chance na política?

Não. Ainda que haja de viver 900 anos, e houvesse de viver 9 mil, uma vez que roubou, e é conhecido por ladrão, nunca mais deve ser restituído, nem há de entrar no mesmo posto.

 

O que o senhor diria às pessoas honestas?

Que vós, que vossas mulheres, que vossos filhos, e que todos nós nos sustentássemos dos nossos braços. Porque melhor é sustentar do suor próprio do que do sangue alheio.

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