Traço de arte

Publicado em Crônicas

 

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Severino Francisco

Pedi uma ilustração a Kleber Sales, da equipe da editoria de arte do Correio, para uma matéria sobre a célebre polêmica musical e poética entre os sambistas Noel Rosa e Wilson Batista. Ficou tão boa que logo pensei em colocar em uma moldura. Era mesmo uma obra de arte. Em tempos de altas parafernálias tecnológicas da era digital, ele faz aquarelas artesanais.

 

É certeiro em destacar algum aspecto absolutamente revelador do personagem caricaturado. Desenhou Guinga com oito dedos dedilhando o violão. Ao se ver flagrado sob esse olhar, Guinga ficou tão comovido que declarou a Kleber: “Cara, você é um artista porque capta a alma das pessoas”. A maioria dos caricaturados ilustres se torna fã de Kleber: Hamilton de Holanda, João Bosco e Paulinho da Viola, entre outros.

 

No caso da caricatura de Paulinho da Viola, o segredo está no sorriso luminoso e meio angelical do sambista. Já na ilustração para Adoniram Barbosa, Kleber instalou um subúrbio animado, povoado de bares e de um trem das onze, no chapéu do autor de sambas com gosto de pastel e de pizza. Ao retratar Freud, o criador da psicanálise, enfatizou o olhar perscrutador do personagem, a pose hierática e uma fumaça enigmática que se esvai do charuto fumegante.

 

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Enquanto isso, em outra caricatura, o escritor colombiano Gabriel García Marquez se refestela em uma máquina de escrever manual clássica como se estivesse sentado em uma confortável poltrona. Hermeto Paschoal nada no branco da página reduzido somente ao sopro concentrado em sua flauta, com o vazado do papel representando a vasta cabeleira.

 

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Qual é o segredo de uma boa caricatura? Kleber gosta de citar uma definição de Loredano. Quando ele viu uma caricatura de Jânio Quadros no traço de Trimano, comentou: “É como se ele fosse a única pessoa capaz de enxergar Jânio Quadros”. É essa também a impressão que a gente tem ao ver uma ilustração do Kleber.

 

Ele cresceu em uma casa em que todos desenhavam e, mesmo sendo o caçula da família, garatujava e travava batalhas épicas de disputa do traço com os irmãos mais velhos. Tinha de honrar a origem de único brasiliense de uma linhagem de mineiros. Sempre estava de lápis em riste na ponta dos dedos.

#43

Estudou artes plásticas na UnB. Era fã de Loredano, de Carcamo e de Lan. Quando a situação econômica da família apertou, ele precisou trabalhar. Mesmo inserido na escala do processo industrial, o jornal sempre abriu espaço para que se insinuasse o traço dos artistas. No caso de Kleber, ele começou a trabalhar no Correio na função de infogravista. Quando surgiu uma vaga, pediu a oportunidade e nunca mais parou de desenhar.

 

Durante o Salão Internacional de Humor de Porto Alegre, Kleber faturou os dois prêmios principais: o de Melhor desenho para imprensa, com a ilustração sobre Gabriel García Marquez, e o de Melhor caricatura, com o traço sobre o bruxo do som Hermeto Paschoal. Prestem atenção nas caricaturas do Kleber, ele é um craque.

 

 

 

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