A astúcia como estratégia de desorganização na reforma administrativa

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Na tese “A força do fraco: a astúcia como estratégia de desorganização dos jogos de poder no sertão nordestino”, Layra de Souza Cruz Sarmento, do Instituto de Ciências Humanas da UnB, sobre a Literatura de Cordel, destaca que “a astúcia ou o quengo fino são as estratégias de sobrevivência das categorias oprimidas, a fim de desorganizar os jogos de poder e opressão, determinados pelos detentores do poder”. Ao que parece, essa começa a ser a contrapartida dos servidores no combate ao discurso oficial (que se apropriou da estratégia da desorganização) na reforma administrativa

Desorganização, medidas contraditórias, guerra de comunicação e confusão deliberada de conceitos para turvar a visão da sociedade e privilegiar a concentração de renda. Tudo isso temperado com ofensas, grosserias e ironias de cunho machista, sexista e racista. Um caldo de cultura que toma conta do país, cujos resultados serão sentidos em 20 ou 30 anos. Essa é a análise sobre o momento político e econômico de grande parte dos servidores públicos federais, que votaram em massa na atual gestão e foram pegos de surpresa com o apelido de parasitas. “Muita gente não sabe que a reforma administrativa, como vem sendo ventilada, não terá efeito. Até porque o governo acena com ajuste fiscal e corte de gastos e contraditoriamente expande despesas”, revela Osiane Arieira, presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Superintendência de Seguros Privados (SindSusep).

A autarquia recebeu adicional de R$ 12,7 milhões para pagar empregados do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) e do Banco do Brasil (BB) em cargos de assessoramento e comissionados (DAS 4). “O DAS 4 tem valor de R$ 10 mil. Quando o servidor ocupa a função recebe 60% do valor. Quando vem de empresa pública, o valor é cheio. Ou seja, mais gastos. Dizem que, para economizar, foi fechada a superintendência do Sul. Agora, nove pessoas estão na AGU, pagas pela Susep”, destaca. Osiane concorda que o Estado deve se modernizar, mas não à custa da quebra da estabilidade das carreiras de Estado, da redução de até 25% de salário e jornada ou com remunerações iniciais de R$ 5 mil. “O Plano Mais Brasil vai paralisar o país. A crise no INSS prova que a inovação não dispensa o servidor. O governo está confuso. Sequer consegue avaliar onde precisa de mais mão de obra. Parece um ato deliberado”, enfatiza.

Desvio

Assim, a conjuntura deixa claro que a reforma administrativa, após sucessivas promessas de entrega ao Congresso e adiamentos na apresentação do texto, não está enterrada. “O governo tenta desviar as atenções. Mas é importante destacar que são coisas distintas: o Plano mais Brasil – PEC Emergencial (186/2019), PEC da Revisão dos Fundos (187/2019) e PEC do Pacto Federativo (188/2019) – focam o hoje, é imediato. A reforma administrativa, não sabemos o teor, pretende consolidar mudanças futuras. Precisamos ficar de olho em tudo que virá daqui para frente”, analisa a presidente do SindSusep. Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), concorda que o risco da administrativa é a consolidação do pacote de maldades e acrescenta necessidade de vigilância à PEC 438/2019, do deputado Pedro Paulo (DEM/RJ, para conter o crescimento das despesas obrigatórias e regulamentar a regra de ouro).

“São assuntos graves, com poder de destruição. A redução de pessoal vai ser drástica, podendo chegar a 40% do quantitativo na ativa”, destaca Marques. Nos cálculos do líder sindical, aproximadamente 120 mil servidores, dos atuais cerca de 600 mil ativos, estão em condições de se aposentar. “Vão sobrar em torno de 480 mil. Com a redução de um quarto (25%) da jornada, serão mais 120 mil de fora. Ou seja, um baque de 240 mil de imediato. É muito preocupante”, contabilizou. Os resultados de ações como essas são claros, segundo ele. “O que acontece com o fim do Estado social vem sendo demonstrado nos filmes. A arte tem sincronicidade com o mundo real. Quando se tira tudo do povo, ele se revolta como ficou evidente em Coringa, Parasita, entre outros”, profetiza.

Realidade

Antonio Carlos Fernandes, presidente da Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Conacate), acredita que, passado o susto, as pessoas tiveram um choque de realidade. “As propostas do governo não vão prosperar. Os servidores já começam a questionar os reais objetivos das reformas. Despertaram. Estão levantando um ponto de interrogação”. O mais difícil será, disse Fernandes, encontrar o método efetivo para convencer a sociedade dos riscos que fatalmente virão. “Deixamos o julgamento correr apenas com o advogado de acusação. Costumamos dizer que as carreiras de Estado são ilhas de excelência. Mas são ilhas porque cercadas de água (outras categorias) por todos os lados. Se a água secar, viraremos alvos”, comparou Fernandes. Ele lembrou que poucos se preocupam em ler a exposição de motivos dos projetos governamentais.

“Em todos eles, é citado o Vale do Silício e outras instituições estrangeiras. Ou seja, a equipe econômica não tem noção do que acontece no Brasil. Lamentavelmente, as pessoas estavam com um ‘basta’ instalado na garganta e não conseguimos capitalizar. Chegou a hora de fazer o contraponto. Devemos até agradecer ao Guedes por nos chamar de parasitas. Ele expôs o porão onde as coisas são decididas e abalou a certeza de que o extremismo está certo”, alerta Antonio Carlos Fernandes. Décio Bruno Lopes, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), diz que tudo hoje em dia influencia na opinião dos cidadãos, nos atos do Congresso e na apreciação do Judiciário. “Divergências entre Guedes e Bolsonaro. Sensação de incerteza sobre a administrativa no Congresso. Ofensas ao funcionalismo. Fatos que criam um clima negativo para o servidor, enquanto o governo vai passando o que ele quer”, enumera Lopes.

Ele também entende que a reforma administrativa não deve ser desconsiderada, mas a PEC Emergencial tem que ser revirada de ponta a cabeça, analisada e reanalisada com lupa. “Essa medida desvaloriza, desmoraliza e destrói o funcionalismo. A princípio, a população que aplaude vai achar que fez muito bem em praticamente extinguir o serviço público. Mas em 20 ou 30 anos, vai sofrer as consequências, como no Chile, por exemplo, que despencou do conceito liberal de potência para o caos. Essa é uma guerra de comunicação que não faz bem para ninguém”, afirmou o presidente da Anfip. O mais grave, disse, é que esses que agora pregam o Estado mínimo não estarão aqui para responder pelos erros. “Talvez estejam com a família fora do país”, ironiza, ao lembrar a citação à “farra das domésticas” nos Estados Unidos – termo usado pelo ministro Paulo Guedes.

Plano mais Brasil – Carta branca para o governo?

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O Plano mais Brasil, apresentado na terça-feira pelo governo, animou o mercado, ao mesmo tempo em que causou mais insegurança entre servidores públicos e de estatais

Para a maioria do funcionalismo, o Executivo quer uma carta branca para decidir sozinho como e quando apertar o cinto, sem o aval do Congresso. Analistas de contas públicas discordam. Na análise deles, a intenção, ao contrário, é mostrar com clareza a dimensão e a urgência do ajuste das contas públicas, a partir de mecanismos seguros que evitem, no futuro, uma profusão de novos projetos emergenciais de contenção de gastos.

O mecanismo mais discutido no chamado “Estado de emergência fiscal” foi o gatilho. No pacote, o governo define regras que serão automaticamente acionadas em algumas condições. Tão logo o Congresso autorize o desenquadramento da regra de ouro (mudança na Constituição para permitir que se endivide para pagar gastos do funcionamento da máquina pública), o Executivo federal quer ter a prerrogativa de limar imediatamente qualquer gasto com servidor, quando constatar que operações de créditos (empréstimos) superaram a despesa de capital (investimentos).

O mesmo instrumento será automático para Estados, municípios e Distrito Federal, quando a despesa corrente (o desembolso) ultrapassar 95% da receita corrente (a arrecadação). Quando isso acontecer, será possível a todos os entes reduzir jornada de trabalho, com desconto proporcional de salários, em no máximo 25%; não criar, não corrigir ou até suspender pagamento, retroativo ou futuro, de despesa com pessoal, como vantagem, auxílio, bônus, abono, verbas de representação ou outro benefício a servidores ou dependentes; além de deixar de criar cargo ou emprego; de reestruturar carreiras; de admitir ou contratar; e de fazer concurso público.

Sem promoção

Quem esperava promoção funcional, se as contas não forem ajustadas, não terá progressão por pelo menos dois anos. Com exceção de juízes, membros do MP, serviço exterior, policiais e outros, desde que a progressão altere a atribuição (ex.: de cabo para sargento). Somente com os federais, o governo vai economizar R$ 50 bilhões, em 10 anos, afirmou Jeferson Bittencourt, diretor de Programa da Secretaria Especial de Fazenda, do Ministério da Economia. No primeiro ano, sem progressões e com redução de até 25% da jornada, o desembolso do Tesouro Nacional cai em R$ 12 bilhões – R$ 2 bilhões de progressões e R$ 10 bilhões com a jornada menor.

Segundo Antônio Augusto Queiroz, analista, consultor político e sócio-diretor da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, o servidor pode se preparar para ficar indeterminadamente sem reajuste salarial, sem promoção e sem correção de benefícios. “Se o gasto continuar fora do limite estabelecido na PEC, não haverá limitação de tempo. A rigor, hoje, se a proposta estivesse em vigor, o pacote seria acionado. O gatilho começa a vigorar com base no segundo mês do ano anterior. Ou seja, se o governo declarou que gasta mais do que arrecada há seis anos, não tenho dúvida que a regra é permanente”, afirmou.

E não somente na União, governadores de 12 Estados, com despesas de pessoal acima de 60% da receita corrente líquida, também estariam de mãos atadas. Entre eles, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Acre, Piauí, Maranhão, Pernambuco e Rio Grande do Norte. “O Plano mais Brasil apenas reduz despesa com servidor e com projetos sociais. Para o funcionalismo, o efeito é imediato. Mas a parte que corta ou reduz subsídios para empresas somente entra em vigor em 2026”, assinalou Queiroz.

Gatilho necessário

O especialista em contas públicas Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, afirmou que todas as medidas do Plano mais Brasil são positivas, embora sujeitas a muitas resistências em todas os Poderes e esferas. O gatilho que evita o aumento dos gastos, para ele, é fundamental. Ele lembrou que o Brasil tem três importantes leis (Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), lei de teto dos gastos e lei da regra de ouro) e nenhuma delas impedia de verdade o aumento das despesas.

“Todas tinham brechas. Ou algum mecanismo de fuga ou se passa por cima da legislação, se o Congresso autorizar. Alguma coisa tinha que ser feita. A economia brasileira está na UTI. Essa nova ideia da PEC não chega exatamente a ser uma carta branca. Vai ter que passar pelo Congresso primeiro”, lembrou Castello Branco. O que o Executivo quer é bem mais amplo. “É botar um bode na sala, com a pergunta, tanto para o Legislativo quanto para o Judiciário: agora é para valer, vamos levar a sério o ajuste fiscal e o futuro do país, ou vamos deixar o Brasil quebrar à mercê de interesses corporativos?”, questionou o secretário-geral da Contas Abertas.

O servidor como alvo do pacote fiscal do governo Bolsonaro

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A PEC, como se vê, tem como alvo preferencial a despesa com pessoal, prevendo a redução de direitos e condicionando qualquer reajuste ou benefício ao servidor à regra de outro e ao teto de gasto, mecanismos do ajuste fiscal que focam apenas e exclusivamente a despesa. A proposta, embora apresentada antes da reforma administrativa, que também visa ao corte de despesas e direitos, será complementar a esta

Antônio Augusto de Queiroz*

O governo Bolsonaro, por intermédio de seu líder no Senado, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), apresentou um conjunto de três Propostas de Emenda à Constituição (PEC), que irão tramitar no Senado Federal, com o propósito de conter o crescimento da despesa obrigatória, regulamentar a regra de outro, institui plano de revisão de despesa, desvincular, desindexar e desobrigar despesas, além de liberar recursos vinculados a fundos públicos. Não constam desse pacote, nem a reforma administrativa nem a tributária, que serão objetos dos Deputados.

Neste texto, entretanto, vamos analisar apenas a PEC que propõe medidas permanentes e emergências de controle do crescimento das despesas obrigatórias e de reequilíbrio fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, cujo propósito é basicamente o mesmo de duas outras PECs já em tramitação no Congresso, uma de autoria do Deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), a PEC 438/2018, e outra de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), PEC 182/2019, ambas voltadas para conter a expansão do gasto público, em especial, com direitos sociais e com os servidores públicos.

A PEC do governo Bolsonaro, em seu texto permanente, impõe novas restrições ao gasto público, especialmente com pessoal, tornando nulo de pleno direito ato que contrarie a nova determinação constitucional, além de prever a redução de direitos, merecendo destaque os dispositivos que:

1) Autorizam a redução de jornada com redução de salário, por ato normativo do Poder ou órgão (não precisa de lei) que especifique a duração, a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da medida;

2) Vedam que lei ou ato que conceda ou autorize qualquer pagamento, com efeito retroativo, de despesa com pessoal, inclusive de vantagem, auxílio, bônus, abono, verbas de representação ou benefício de qualquer natureza;

3) Autorizam o acionamento do gatilho do corte de gasto com servidor, independentemente de ter ou não ultrapassado o limite de gasto com pessoal, sempre que as operações de créditos (empréstimos) superem a despesa de capital (investimento), ficando automaticamente vedado:
a) A criação de cargo ou emprego;
b) A alteração de estrutural de carreira;
c) A admissão ou contração;
d) A realização de concurso;
e) A criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefício de qualquer natureza;
f) O aumento do valor de benefícios de cunho indenizatórios destinado a servidores e seus dependentes; e
g) A criação de despesas obrigatórias.

4) Proíbem a progressão e promoção funcional de carreiras de servidores públicos, incluindo os empregados públicos de estatais, com exceção de juízes, membros do ministério público, serviço exterior, policiais e demais que impliquem alterações de atribuições;

5) Incluem os pensionistas na despesa com pessoal e determina que sempre que ultrapassar esse novo limite, os poderes ou órgão, por ato normativo que especifique a direção, a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa, poderão reduzir 25% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança, pela redução do valor da remuneração ou pela redução do número de cargos; bem como promover a redução temporária da jornada de trabalho, com redução proporcional de subsídio ou vencimento, em, no máximo, 25% .

6) Incluem entre as despesas com as aposentadorias e pensões decorrentes dos vínculos funcionais dos profissionais de educação, que passam a ser consideradas para efeito de repasse para manutenção e desenvolvimento do ensino.

Aplicam-se as mesmas restrições aos Estados, ao Distrito Federal e Municípios sempre que a relação entre despesas correntes e receitas correntes superem 95%, apurado no período de 12 meses, além de proibir qualquer aval ou garantia da União a Estados ou Municípios que não se enquadrarem nas hipóteses acima.

A PEC, nos artigos incluídos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, busca dar efetividade aos comandos do texto permanente, independentemente de regulamentação, determinando o imediato acionamento, no restantes do exercício e nos dois exercícios seguintes, das vedações, restrições ou autorizações se for constatado, no período do segundo ao décimo terceiros mês antecedente ao da promulgação dessa Ementa Constitucional, que a realização de operações de crédito (empréstimos), no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, excedeu o montante de estabilização e ajuste fiscal.

Determina, ainda, o imediato acionamento das mesmas restrições aos Estados, Distrito Federal e Municípios, independentemente de regulamentação, no restantes do exercício e nos dois exercícios seguintes, se for constatado, no período do segundo ao décimo terceiros mês antecedente ao da promulgação dessa Ementa Constitucional, que a relação entre despesas correntes e receitas correntes supera 95%.

A PEC, como se vê, tem como alvo preferencial a despesa com pessoal, prevendo a redução de direitos e condicionando qualquer reajuste ou benefício ao servidor à regra de outro e ao teto de gasto, mecanismos do ajuste fiscal que focam apenas e exclusivamente a despesa. A proposta, embora apresentada antes da reforma administrativa, que também visa ao corte de despesas e direitos, será complementar a esta.

*Jornalista, consultor e analista político, diretor de documentação licenciado do Diap e sócio-diretor das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Governamentais e Institucionais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Analise de Políticas Públicas”.

Sérgio Mendonça – Discussão sobre o tamanho do Estado precisa ser mais ampla

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A alteração na regra de ouro, proposta que o Executivo quer urgência na tramitação no Congresso, é a prova de que o governo e o Legislativo erraram ao aprovar a lei de teto dos gastos, afirma o economista Sérgio Mendonça

Um erro grave que pode custar o desmonte do serviço público, interferir negativamente na dinâmica das carreiras do funcionalismo e ferir de morte o já precário atendimento à população, assinala o economista Sérgio Mendonça, ex-secretário de Relações do Trabalho, do extinto Ministério do Planejamento (hoje Ministério da Economia). “A regra de ouro está liquidada – determina que o governo não pode se endividar para financiar gastos correntes. Não consegue conviver com teto dos gastos e com baixo crescimento econômico. Para que o país se desenvolva, é fundamental investir no serviço público, abrir concursos e contratar em áreas-fim, o principal contato com a população”, destaca.

O economista, um dos palestrantes no seminário que acontece hoje (24), após o relançamento da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, na Câmara dos Deputados, afirma que, em primeiro lugar, a discussão sobre o tamanho do Estado precisa ser mais ampla. “Se me perguntarem se o Estado é inchado, eu diria nem sim, nem não. Precisamos saber de que área estamos falando”. Ele explica que, se arrecadação total é de R$ 33% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas do país, R$ 6,8 trilhões, em 2018), ou cerca de R$, 2,1 trilhões, o gasto que se tem com servidores ativos da União, estados e municípios (R$ 928 bilhões, ou 13,6% do PIB) não é alto, a depender da comparação. França, Suécia e Finlândia, com vocação social maior, gastam mais. “O funcionalismo representa 12,1% da massa de trabalhadores no Brasil”, aponta Mendonça.

Empresas estatais (Petrobras e as grandes dos setores elétrico e financeiro) também são um braço importante para o desenvolvimento, que não pode ser desprezado. Elas têm de contratar e aproveitar a mão de obra especializada, alerta. “O avanço da tecnologia poupou trabalhadores. Ninguém precisa mais de alguns cargos ou funções. Mas todos precisamos de professores, médicos, enfermeiros, de técnicos de arrecadação, tributação, fiscalização e controle. O problema é que, com o corte de mão de obra intermediária, tem pessoal preparado em controle, por exemplo, e não tem gente qualificada para alguns serviços”, conta.

Convergência

Aparentemente, há alguns pontos de convergência entre as avaliações de Mendonça e o que o atual governo prega. Ele concorda, a princípio, com a iniciativa de não repor todas as vagas de aposentados, para renovar a máquina e escolher quem deve atuar nas funções fundamentais. Os altos salários merecem uma revisão, para não se descolar da realidade do país. E o aumento do número de etapas para chegar ao final da carreira, com critérios corretos de avaliação, deve ser discutido detalhadamente com o funcionalismo. “É preciso enxergar onde estão as prioridades”, reitera.

Mas para um serviço público de qualidade, a mola propulsora da economia tem que funcionar em conjunto. A reforma tributária, diz Mendonça, não pode deixar de fora a tributação sobre lucro e dividendos, o principal caminho para melhorar a distribuição de renda. Ele lembra que não existe congelamento de investimentos públicos, por 20 anos, em lugar nenhum do mundo. “O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) disse isso. As normas impostas pelo conceito neoliberal causaram retrocesso de quatro décadas. Sempre com o discurso de que, um dia, a fadinha da confiança vai vir e nos salvar com investimentos privados. Nos dizem isso desde 2016. E porque a fadinha não veio? Porque estamos na contramão da história”.

Discurso isento

O debate com a sociedade, que sofre com a falta de recursos em saúde, educação e segurança, tem que ser sincero e livre de ideologia, assinala o economista Sérgio Mendonça. Ele diz que não é possível imaginar que a sociedade queira conscientemente conviver por 20 anos com cortes nos orçamentos no Sistema Único de Saúde (SUS), nas universidades públicas e com atrasos nos salários das polícias Civil e Militar. “Se essa for a escolha, o horizonte é pessimista, de muita desigualdade e pobreza. E um governo que não entrega melhoria econômica e desenvolvimento, está fadado ao fracasso”. Assim como fracassará uma política que não tenha o olhar voltado para as necessidades de Estados e municípios, alerta.

Ele admite que a relação entre servidor e sociedade está desgastada, já que a população acreditou no discurso de que o Estado é pesado, ineficiente e corrupto, que a saída é privatizar e terceirizar mão de obra. Será um desafio convencê-la do contrário, diante da guerra de informação que começou na década de 1980, alimentada pelos meios de comunicação, lembra Mendonça. “Infelizmente, estamos perdendo essa guerra. Mas quem disse que não pode ser melhor? É claro que tem saída. Primeiramente, o cidadão tem que saber o que está por trás. O problema não é o servidor. O nó está na quantia gasta na saúde por pessoa, muito menor que os países em desenvolvimento”, reforça.

Estudo inédito do Conselho Federal de Medicina (CFM) apontou que o governo, nos três níveis, gastou em 2017 R$ 3,48 ao dia para cobrir as despesas de saúde dos mais de 207 milhões de brasileiros. No ano, por habitante, o desembolso foi de R$ 1.271,65, valor que cresceu 3% entre 2008 e 2017, mas continuou bem abaixo da inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que no período foi de 80%.

Tempos difíceis

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A queda de braço entre várias categorias e setores e o governo será intensa. O ajuste fiscal, segundo o especialista, passará, inevitavelmente, por uma proposta de reforma previdenciária mais dura e pelo corte de benefícios e privilégios para cumprir o teto de gastos e a regra de ouro, que impede o governo de se endividar para cobrir despesas correntes

O economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) Luiz Guilherme Schymura afirma que o problema das contas públicas reflete o fato de que, há muitos anos, as despesas crescem em ritmo mais acelerado do que a receita. “O arsenal de medidas para financiar a elevação dos dispêndios acabou”, afirmou, acrescentando que a carga tributária do país é uma das mais altas da América Latina, e que não há espaço para aumentá-la, como ocorreu entre 1996 e 2005.

O ajuste fiscal, segundo o especialista, passará, inevitavelmente, por uma proposta de reforma previdenciária mais dura e pelo corte de benefícios e privilégios para cumprir o teto de gastos e a regra de ouro, que impede o governo de se endividar para cobrir despesas correntes. A queda de braço entre várias categorias e setores e o governo será intensa. “As reformas e o ajuste fiscal podem parecer simples nas planilhas, mas são extremamente complexos e difíceis do ponto de vista da dinâmica sociopolítica brasileira. Tempos tumultuados e difíceis se aproximam”, alertou.

Para ter uma ideia do quão crítico é o quadro fiscal, Schymura diz que olha mais para a evolução da dívida pública líquida em vez da bruta, porque esses dados foram contaminados pela devolução dos repasses feitos pelo Tesouro ao Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Essa operação fez a dívida pública bruta encerrar o ano em 74% do PIB, abaixo dos 74,3% do PIB de novembro.

Já a dívida pública líquida continua crescendo, e passou de 50,7% para 51,6% do PIB, entre novembro e dezembro. A agência Standard & Poor’s prevê que a dívida líquida chegará a 71,6% do PIB em 2020, um salto de 55% sobre os 46,2% de 2016. “A sensação é que a queda na dívida bruta é apenas contábil, porque a melhora não está ocorrendo do ponto de vista fiscal”, alertou. (RH)

Previdência: deficit recorde

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Despesas crescem e superam a arrecadação em R$ 268,8 bilhões em 2017. Saldo negativo foi 18,5% mais elevado do que no ano anterior. Somente no INSS, foram concedidos mais 5 milhões de benefícios. Para Marcelo Caetano, se for aprovada até março, reforma reduzirá o rombo em R$ 6 bilhões neste ano

ALESSANDRA AZEVEDO

As despesas com benefícios previdenciários superaram a arrecadação em R$ 268,8 bilhões em 2017, considerados o setor público e a iniciativa privada, divulgou ontem a Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda. O deficit, recorde da série histórica iniciada em 1995, foi 18,5% maior que o registrado em 2016, de R$ 226,8 bilhões, e correspondeu a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do ano passado.

O Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores da iniciativa privada, foi responsável por R$ 182,4 bilhões desse rombo — alta de 21,8% em relação ao ano anterior. Embora o resultado para o RGPS tenha sido melhor do que os R$ 185,8 bilhões que governo projetava em dezembro, o deficit do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deve continuar aumentando e, pelas estimativas da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2018, chegará a R$ 192,8 bilhões neste ano. Segundo o secretário de Previdência, Marcelo Caetano, se a reforma da Previdência for aprovada até março, esse número poderá ser reduzido em até R$ 6 bilhões.

O resultado negativo não se deve à baixa arrecadação — os R$ 374,78 bilhões de receita continuam correspondendo a 5,7% do PIB, como em 2016 — mas ao aumento nas despesas. Os gastos com pagamento de benefícios chegaram a R$ 557,23 bilhões em 2017, o equivalente a 8,4 % da produção brasileira. O aumento foi de R$ 49,36 bilhões em relação a 2016, quando a despesa havia sido de R$ 507,87 bilhões, ou 8,1% do PIB. “Não há teto de gastos ou regra de ouro que aguente”, comentou o consultor legislativo do Senado Federal Pedro Nery, especialista em Previdência.

Nery ressaltou que a alta das despesas de deve ao grande número de novas concessões, e não à atualização do valor dos benefícios, já que “o salário mínimo de 2017 (R$ 954) foi afetado pela recessão e praticamente não teve aumento real”. Diante do desemprego ainda elevado (até novembro, havia 12,7 milhões de brasileiros desocupados) e do medo da reforma da Previdência, que fez com que muitos trabalhadores antecipassem as aposentadorias, foram concedidos 5 milhões de benefícios em 2017.

Servidores e rurais

Já o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), dos servidores públicos federais, teve deficit de R$ 86,348 bilhões no ano passado, piora de 11,9% na comparação com o resultado de 2016. Intocados na reforma da Previdência, os militares foram responsáveis por R$ 37,68 bilhões do deficit. O resultado divulgado ontem não leva em conta as despesas e receitas dos servidores estaduais e municipais.

O regime urbano teve deficit de R$ 71,7 bilhões no ano passado, 54,7% maior do que em 2016 (R$ 46,34 bilhões). No rural, o resultado ficou negativo em R$ 110,74 bilhões, com alta de 7,1% na comparação com 2016. O movimento “é natural”, observou o economista Paulo Tafner, especialista em Previdência. “Agora, o urbano deve explodir, porque 90% da mão de obra fica nas cidades”, ressaltou.

O secretário de Previdência, Marcelo Caetano, lembrou que a Previdência rural é “estruturalmente deficitária”. Para requerer a aposentadoria rural, não é preciso contribuição ao INSS, basta comprovar o tempo de trabalho no campo. Enquanto a arrecadação líquida desse regime somou R$ 9,3 bilhões no ano passado, a despesa foi de R$ 120 bilhões.