O que acontece depois da transferência dos líderes do PCC

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A preocupação agora é sobre quais serão as estratégias do governo para conter a diversificação do crime, a sanha dos sucessores e o impacto para a população que fica desamparada em caso de retaliação dos criminosos, como aconteceu em 2006, quando o mesmo PCC aterrorizou o Estado de São Paulo

Por determinação da Justiça a pedido do Ministério Público de São Paulo, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, principal líder da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), e mais 21 comparsas do primeiro e segundo escalões da facção foram transferidos para presídios federais de Brasília (DF), Mossoró (RN) ou Porto Velho (RO). Ficarão lá por pelo menos dois anos. A operação é a primeira com a participação da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Foi um trabalho integrado com o Departamento Penitenciário Federal (Depen), Polícia Militar, Polícia Civil e Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, Força Aérea Brasileira (FAB), Exército, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

A ação foi elogiada pela sociedade e por os especialistas em segurança pública. Mas a preocupação agora é sobre quais serão as estratégias do governo para conter a diversificação do crime, a sanha dos sucessores e o impacto para a população que fica desamparada em caso de retaliação dos criminosos, como aconteceu em 2006, quando o mesmo PCC aterrorizou o Estado de São Paulo.De acordo com Rafael Alcadipani, professor de Segurança Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Estado começa a romper um jogo de forças. “Foi um enfrentamento necessário. Mas, para ser completo, não pode repetir o que aconteceu como no Morro do Alemão (RJ), onde os traficantes retornaram. No curto prazo, o que se pergunta é se as polícias, desmotivadas e mal remuneradas, estão preparadas para o que vem depois”, destacou.

O “negócio” do tráfico, organizado como uma empresa, se refinou após 2006, disse Alcadipani. Existem várias saídas, nenhuma delas descomplicada. “De início, sufocar financeiramente os criminosos, prender os líderes – não se sabe quantos -, acabar com a corrupção política e do Judiciário, enfim, encarar essa cadeia gigantesca. Para isso, são fundamentais ações de inteligência que identifiquem cirurgicamente os envolvidos”, destacou Alcadipani. Enfoque semelhante ao apontado por André Rodrigues, professor de pensamento político da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Sempre é positiva a prisão de uma grande liderança de organização criminosa, mas, de fato, o negócio do crime não se desestrutura e não se esgota com a prisão. A rede continua ativa, até porque o tráfico surgiu no sistema prisional”, lembrou.

Além da inteligência – e não do confronto nas favelas -, Rodrigues entende que o Estado tem que repensar a política de drogas, pela lógica da descriminalização, e aperfeiçoar os mecanismos sociais nas comunidades carentes onde vive grande parte dos recrutados. “Políticas sociais que levem em conta moradia, assistência social e inserção no mercado de trabalho”, afirmou. Para já, antes que os sucessores de Marcola e dos transferidos para presídios federais tomem conta das ruas e ocupem espaços, as polícias têm que fazer o dever de casa. “Com policiamento efetivo, em áreas de risco, e também em locais onde o crime pode tirar vantagem financeira – residências, bancos, cargas. A ainda interceptar rotas de armas e drogas. Saber por onde entram e por onde saem e quem são os operadores. Todos sabemos que já existe uma linha sucessória atuando. Por isso cabe às polícias e autoridades a continuação do trabalho de investigação”, destacou Rodrigues.

No entender do sociólogo Lucio Castelo Branco, da Universidade de Brasília (UnB) é preciso pulso para lidar com o assunto. Segundo ele, é a impunidade acelera o crime, glamourizado pela sociedade que, não raro, compartilha a corrupção. “Não adianta vitimizar o criminoso. A corrupção no Brasil vem da narcopolítica. Está em todo o lugar. Cortemos os sustentáculos dessa rede, coisa que nunca foi feita nesse país. E isso não acontece da noite para o dia”, enfatizou Castelo Branco. Ele afirmou que o crime vem em um processo de acumulação persistente – acelerada no Século XXI – que dominou o Estado. “Não apenas o governo. É um problema de segurança nacional, de inteligência”, afirmou. Para ele, profissionais que fazem o policiamento ostensivo devem estar superequipados, exatamente iguais ao braço armado das facções. “Agora se percebe que há um encaminhamento para encarar o problema. Para resolver, temos que entender que os que estão na cadeia são bandidos enfurecidos. No presídio se especializam. Ressocializar preso é uma antinomia (contradição entre princípios, doutrinas e ideologias)”, criticou.