A lógica da reforma administrativa do governo Bolsonaro

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“A julgar pelas declarações e ações do atual governo, a reforma administrativa será a bola da vez, ou seja, o servidor e o serviço público serão escolhidos como a variável do ajuste. Aliás, o aumento de alíquotas e a progressividade da contribuição previdenciária, combinados com a contribuição extraordinária e o fim dos reajustes, já são sinais mais que suficientes do período de dificuldades que se avizinha para o funcionalismo público. É a tempestade perfeita pela combinação da crise fiscal, do congelamento de gasto público determinado pela EC 95/2016 e do preconceito governamental para com o serviço e o servidor público”

Antônio Augusto de Queiroz*

Tendo como pano de fundo a crise econômica e financeira do Estado brasileiro e também invocando a necessidade de racionalização da força de trabalho do Poder Executivo federal, o governo Bolsonaro pretende promover ampla reforma administrativa, com medidas voltadas para a descentralização, a redução do gasto governamental e a revisão do tamanho e do papel do Estado.

O novo desempenho ou a reestruturação da Administração Pública, que incluiria medidas constitucionais e infraconstitucionais, algumas das quais já em tramitação no Congresso Nacional, deve focar na automação e digitalização dos serviços públicos e na redução de custos com estrutura e pessoal. O trabalho está sendo formulado e coordenado pela Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, do Ministério da Economia, que tem sob sua subordinação a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal.

A ideia geral, dentro da lógica do ajuste fiscal, consistiria:
1) no enxugamento máximo das estruturas e do gasto com servidores, com extinção de órgãos, entidades, carreiras e cargos;
2) na redução do quadro de pessoal, evitando a contratação via cargo público efetivo;
3) na redução de jornada com redução de salário;
4) na instituição de um carreirão horizontal e transversal, com mobilidade plena dos servidores;
5) na adoção de critérios de avaliação para efeito de dispensa por insuficiência de desempenho;
6) na ampliação da contratação temporária; e
7) na autorização para a União criar fundações privadas, organizações sociais e serviço social autônomo – cujos empregados são contratados pela CLT –para, mediante delegação legislativa, contrato de gestão ou mesmo convênio, prestar serviço ao Estado, especialmente nas áreas de Seguridade (Saúde, Previdência e Assistência Social), Educação,Cultura e Desporto, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Turismo e Comunicação Social, entre outros.

Além da redução das estruturas e de pessoal, bem como da adoção dessas novas modalidades de contratação, algo que iria absorver as atividades dos órgãos, das entidades e de carreiras extintos, o governo também pretende:
1) intensificar a descentralização, mediante a transferência de atribuições e responsabilidades para estados e municípios;
2) criar programas de automação e digitalização de serviços, especialmente no campo da seguridade social;
3) terceirizar vários outros serviços públicos, inclusive na atividade-fim, como previsto na Lei 13.429/2017; e
4) regulamentar, de modo restritivo o direito de greve do servidor público.

Esse novo desenho, na verdade, já vinha sendo implementado, ainda que de forma tímida, porque burlava o princípio do Regime Jurídico Único. A temática vem sendo abordada desde os governos Fernando Collor, que criou o serviço social autônomo Associação das Pioneiras Sociais (APS); Fernando Henrique, que qualificou como Organização Social a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, passando pelos governos Lula, que criou, como serviço social autônomo, a Agência de Promoção de Exportações (APEX); e a Associação Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI); e Dilma, que enviou ao Congresso o Projeto de Lei Complementar (PLP) 92/2007 autorizando a criação de fundações estatais de direito público ou privado para o exercício de atividades não-exclusivas de Estado, criou novas organizações sociais, entre elas a EMBRAPII, criou o serviço social autônomo Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – ANATER e enviou ao Congresso proposta de criação de outros dois (Agência de Desenvolvimento do Matopiba e do Instituto Nacional de Saúde Indígena), até chegar ao
governo Michel Temer, que retomou com força as privatizações por meio do Programa de Parcerias e Investimentos, propôs a criação da Agência Brasileira de Museus e apoiava o Projeto de Lei 10.720/2018, do senador José Serra (PSDB-SP), atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que escancara a qualificação de entidades como organizações sociais, habilitadas a prestar serviço ao Estado em diversas áreas.

Entretanto, no governo Bolsonaro, o que era exceção, tende a virar regra. Além da elaboração de Emenda à Constituição, de Medida Provisória, de Projeto de Lei e Decretos do Poder Executivo, o plano governamental é aproveitar alguns projetos em tramitação no Congresso para acelerar a implementação da reforma administrativa. Entre estes, o governo deve apoiar a aprovação dos projetos de Lei Complementar nº 248/1998, em fase final de tramitação na Câmara, e o PLP nº116/2017, da senadora Maria do Carmo (DEM-SE), em regime de urgência no Senado, que tratam da quebra da estabilidade no serviço público; do PLP nº 92/2007, do governo Dilma, que autoriza a criação de fundações estatais; o PL 10.720/2018, do senador José Serra (PSDB-SP), que prevê novas formas de contrato de gestão, por intermédio de organizações sociais; e do PLP nº 268/2016, do ex-senador Valdir Raupp (MDB-RO), que reduz a participação dos segurados e assistidos na governança dos fundos de pensão.

Dentro dessa nova lógica, o governo Bolsonaro já anunciou o fim dos concursos públicos e dos reajustes salariais, propôs dura reforma da previdência, que retira direito de segurados, aposentados e pensionistas, e também editou a MP 890/2019, que autoriza o Poder Executivo a instituir serviço social autônomo denominado Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde – Adaps, que será responsável pela execução do Programa Médicos pelo Brasil.

O programa Future-se, anunciado pelo Ministério da Educação, também será criado e administrado por meio da constituição de serviço social autônomo. No Distrito Federal, ainda no governo Rollemberg, o Hospital de Base de Brasília, um dos principais da cidade, foi transformado em 2017 em serviço social autônomo, responsável pela prestação de assistência médica à população e de atividades de ensino, pesquisa e gestão no campo da saúde, com o beneplácito do Tribunal de Justiça do DF, que considerou constitucional a medida. Trata-se, porém, de entidades regidas pelo direito privado, que não integram a administração e não se submetem aos regramentos gerais do Serviço Público, com pessoal contratado pela CLT e sem a necessidade de concurso público, mas apenas processo seletivo.

A visão do governo sobre os servidores e o Serviço Público é a pior possível. Os primeiros são vistos pelo governo como “parasitas”, que ganham muito e trabalham pouco, além de serem aliados e estarem a serviço da esquerda. O segundo é associado à ineficiência e à corrupção. Na lógica do atual governo, ressuscitando teses caras ao neoliberalismo e à “Nova Gerência Pública”, adotada por FHC em 1995, e que foram implementadas à larga pelos governos tucanos em todo o Brasil, adquirir bens e serviços no setor privado é mais eficiente e mais barato que produzir diretamente pelo Estado. Por isso, esse preconceito e investida sobre os serviços públicos.

A julgar pelas declarações e ações do atual governo, a reforma administrativa será a bola da vez, ou seja, o servidor e o serviço público serão escolhidos como a variável do ajuste. Aliás, o aumento de alíquotas e a progressividade da contribuição previdenciária, combinados com a contribuição extraordinária e o fim dos reajustes, já são sinais mais que suficientes do período de dificuldades que se avizinha para o funcionalismo público. É a tempestade perfeita pela combinação da crise fiscal, do congelamento de gasto público determinado pela EC 95/2016 e do preconceito governamental para com o serviço e o servidor público.

*Antônio Augusto de Queiroz – Jornalista, analista e consultor político, diretor de Documentação licenciado do Diap, sócio-diretor das empresas Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas.

Magistrados, procuradores e advogados trabalhistas convocam ato nacional em defesa da Justiça do Trabalho

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Mobilização acontece no dia 5 de fevereiro, em Brasília. Na convocação, as entidades destacam que “serviços públicos essenciais, como justiça, segurança pública e saúde não podem ser flexibilizados a depender da lógica econômica”. O juiz Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, explica que o ato servirá para explicar a toda a sociedade a inteira importância e da Justiça do Trabalho, que é patrimônio do cidadão. “Conclamamos todos para esse debate público e estamos abertos ao diálogo democrático”, afirma.

Magistrados, procuradores e advogados trabalhistas promovem, no próximo dia 5 de fevereiro, em Brasília (DF), em local a ser confirmado, Ato Nacional em Defesa da Justiça do Trabalho. A mobilização é uma realização da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), em parceria com o Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho (Coleprecor), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT).

No edital convocatório, publicado nesta quarta (9/1), as quatro instituições explicam que o evento se baseia nas seguintes considerações públicas: (1) são falsas as alegações de que a Justiça do Trabalho existe somente no Brasil; (2) a Justiça do Trabalho não deve ser “medida” pelo que arrecada ou distribui, mas pela pacificação social que promove; (3) a Justiça do Trabalho tem previsão constitucional e não pode ser suprimida por iniciativa do Executivo ou do Legislativo; e (4) a supressão ou absorção da Justiça do Trabalho representaria grave violação à cláusula constitucional e convencional de vedação do retrocesso social.

A programação do ato e o local de sua realização, na capital federal, serão divulgados em breve.

Veja a convocação para o ato.

Amor não correspondido

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“Devemos reconhecer, com certa melancolia, que o Brasil é rico de recursos, mas segue atrasado, pobre e socialmente violento. Muitos culpam o capitalismo. Mas nem o capitalismo liberal nem a democracia política foram praticados no Brasil de forma completa”

José Pio Martins*

Eugênio Gudin, que viveu 100 anos (1886-1986), foi um brasileiro notável, com importante participação na história do desenvolvimento nacional. Formando em Engenharia Civil, mas versado em outras áreas, ele se dedicou aos estudos de economia e passou a ensinar lógica econômica aos estudantes de Engenharia e de Direito. Como teórico autodidata, escreveu quatro obras de economia, com grande repercussão. Foi ele quem redigiu, em 1944, o Projeto de Lei que instituiu o curso de Ciências Econômicas no Brasil.

O professor Gudin, como era conhecido, tinha uma obsessão: ajudar o Brasil a ser um país rico e desenvolvido. Respeitado por sua inteligência, cultura e conduta moral, muito cedo Gudin desacreditou da competência gerencial do governo e passou a defender limitação do Estado em suas intervenções no domínio econômico e na vida das pessoas. Ele era um homem global e nunca entendeu por que o governo amava fazer dívidas em dólar para pagar importações, enquanto rejeitava investimentos estrangeiros em empresas no território nacional.

Gudin faleceu em outubro de 1986, oito meses após a implantação do Plano Cruzado pelo presidente Sarney, que congelou preços, prendeu pecuaristas, fechou supermercados e praticou um amontoado de insanidades em nome do combate à hiperinflação. Gudin, que houvera sido ministro da Fazenda por sete meses, de setembro de 1954 a abril de 1955, abominava invencionices em economia e, já indo para o fim de seu século de vida, ele desabafou: “O Brasil foi a amante que mais amei, e foi a que mais me traiu”.

O Brasil foi o amor não correspondido do professor Gudin e, com tristeza, ele dizia que sua geração fracassou, pois, tendo tudo para atingir a grandeza, o Brasil insistia na mediocridade. O professor Gudin não ficou sozinho: desde sua morte em 1986 até hoje, todas as gerações fracassaram na missão de atingir a riqueza econômica e eliminar a pobreza. Tendo tudo para ser rico, o país abriga milhões de miseráveis.

Em discurso de despedida do parlamento, Roberto Campos repetiu as palavras de Gudin, e disse mais: há países que são naturalmente pobres, mas vocacionalmente ricos (caso do Japão), e países que são naturalmente ricos, mas vocacionalmente pobres (caso do Brasil). Devemos reconhecer, com certa melancolia, que o Brasil é rico de recursos, mas segue atrasado, pobre e socialmente violento. Muitos culpam o capitalismo. Mas nem o capitalismo liberal nem a democracia política foram praticados no Brasil de forma completa.

Aqui, tanto o capitalismo como a democracia foram usados apenas parcialmente e apresentaram muitos de seus defeitos sem ter revelado todas as virtudes. O país é parecido com o sujeito que, tendo grave doença, adere a um tratamento, porém, toma metade dos medicamentos, erra na dosagem, confunde os horários e agrega outras drogas que o médico não receitou. Não obtendo a cura, ele culpa o médico e a receita, abstendo-se de assumir suas falhas.

Agora mesmo, nos últimos quatro anos, o país se deu ao luxo de jogar quatro anos no lixo, com a brutal recessão econômica, e mergulhar em profunda crise política agravada pela rede de corrupção açambarcada pela operação Lava Jato e suas congêneres. O Brasil tornou-se especialista em sabotar a si próprio e desperdiçar as chances de crescer e de se desenvolver.

*José Pio Martins economista, reitor da Universidade Positivo.

“Pobre Paga Mais” alerta sobre alta taxa de impostos em São Paulo

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Campanha do Fisco paulista mostra como o consumo poderia ser mais acessível para a população caso o governo cumprisse regras básicas tributárias. No estado de São Paulo roupas ou até mesmo refeições fora de casa são tributados em alíquotas que podem variar de 12 a 25%, enquanto a tributação em grandes heranças é fixa, de apenas 4%

A segunda edição da campanha Pobre Paga Mais faz um novo convite para a reflexão sobre o porquê da alta taxa de impostos para menores rendas e o maior peso dos tributos sobre itens de consumo básico. A reedição campanha é uma iniciativa dos agentes fiscais de rendas do Estado de SP. Informações detalhadas estão na página www.pobrepagamais.com.br

O foco da ação em 2017 será a comparação das altas cargas de impostos sobre o consumo (indiretos e regressivos) enquanto a lógica é outra para grandes riquezas e patrimônios. No estado de São Paulo roupas ou até mesmo refeições fora de casa são tributados em alíquotas que podem variar de 12 a 25%, enquanto a tributação em grandes heranças é fixa, de apenas 4%.

Esse cenário é oposto em relação a países como os EUA, Alemanha ou Japão, entre outros. Um exemplo notório, são os EUA, onde o imposto sobre o consumo é de apenas 7% em média, e sobre herança chegam a 40%, enquanto no Brasil as taxas sobre consumo em muitos casos podem chegar até 25%, como no caso de São Paulo, e a de grandes heranças é de 4%.

Além das diferenças dos impostos entre o consumo cotidiano e dos grandes patrimônios outro tema de debate será a questão da essencialidade dos tributos, ou seja, por quê alguns itens são considerados supérfluos, e outros não. De acordo com a constituição, tributos para itens de consumo básico devem ser menores, justamente para facilitar o acesso da população.

“No entanto, isso não acontece no estado de São Paulo. Aqui esses itens são sujeitos ao ICMS maior do que aqueles que somente os cidadãos de alta renda têm acesso. Para se ter uma ideia do tamanho da injustiça, um exemplo é a internet, serviço essencial no dia a dia, que é tributada em 25%, mesma faixa de itens de luxo como taco de golfe, raquete de tênis, aparelhos de sauna, entre outros”, destacam os profissionais do Fisco paulista.

Com essas duas abordagens, a campanha pretende aproximar a população das complexas discussões a respeito de cobrança de impostos de maneira simples e didática, além de contribuir para o debate sobre a Reforma Tributária, que atualmente se encontra no centro da agenda política nacional, e terá papel fundamental para os cenários pré e pós-eleições de 2018.

De acordo com o Fisco paulista, representado pelo Sinafresp, o objetivo é trazer informações relevantes para a sociedade, que contribuam para um entendimento mais claro sobre o descaso tributário que estamos vivendo, sobretudo neste momento de crise. Desde a primeira campanha, em agosto de 2016, a aposta segue na informação de forma facilitada como o passo inicial para gerar uma transformação positiva.

A campanha Pobre Paga Mais

“Ação de serviço público de grande repercussão em 2016, infelizmente não por trazer boas notícias, mas sim por chamar a atenção da imprensa e sociedade para a forma unilateral e pouco técnica com que as políticas tributárias no estado de São Paulo são tomadas. A campanha do Fisco paulista lança sua segunda edição com um debate atualizado sobe o equilíbrio fiscal paulista. A campanha Pobre Paga Mais 2.0 optou por abordar dois debates críticos da tributação: a regressividade e a essencialidade”, destaca o Sinafresp.

Mérito em Ativismo Social: Lançada em agosto de 2016 a campanha PPM gerou grande repercussão, fomentando importantes debates na imprensa tradicional, além de ser reconhecido por seu mérito em ativismo social pela Public Services Internacional (PSI), entidade que representa 20 milhões de trabalhadores no mundo em 154 países.

Mix de Mídia: Mais de 60 outdoors em 19 cidades do estado de São Paulo, além de spots de rádio de 30 segundos e uma campanha digital de AdWords com dois motions graphics. O site www.pobrepagamais.com.br também foi reformulado e terá novas informações e memes compartilháveis com dados complementares sobre as desigualdades geradas pela falta de equilíbrio tributário.

Site: http://www.pobrepagamais.com.br/

Facebook: https://goo.gl/ijyC9j

 

 

Superavit na Seguridade, sim, mas com (des) governo, não!

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Floriano Martins de Sá Neto*

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) sempre esteve engajada na defesa da Seguridade Social, inscrita na Constituição de 1988, na manutenção do seu modelo de financiamento, com a pluralidade de fontes exclusivas, e no aperfeiçoamento desta que é a maior rede de proteção social brasileira.

Calcada nesses princípios, há anos a Anfip defende uma metodologia que a levou a constatar a viabilidade previdenciária no contexto da Seguridade Social. Metodologia amparada pela Constituição Cidadã, clara, objetiva e transparente, fundamentada em artigos, parágrafos, incisos e alíneas, que resulta, anualmente, no requisitado periódico (e eventualmente difamado) que analisa o Orçamento da Seguridade Social.

Ao fazer algumas colocações, ao estilo “fake news”, em seu recente publicado artigo “Superávit na Seguridade?” (Estadão, 14/11/2017), o senhor Bernard Appy, ex-secretário de reformas econômico-fiscais do governo, parece não entender muito bem a lógica por de trás dos estudos da Associação.

Primeiro que a entidade condena duas medidas que ao longo dos anos vêm retirando recursos da Seguridade: renúncias e desvinculações. Somente em 2016 foram R$ 271 bilhões em renúncias, recursos que deveriam ser destinados a políticas sociais, mas que de fato beneficiou o empresariado. E o país cresceu? Empregos foram gerados?

E sabem por que a Anfip considera no orçamento as receitas sobre as quais se aplica a DRU (Desvinculação das Receitas da União)? Porque ela é receita do Orçamento da Seguridade. Simples. São receitas de contribuições sociais que entram como receitas e que posteriormente são retiradas. Ao invés de comporem os recursos que retornam a sociedade por meio de benesses e serviços da Seguridade Social, eles são destinados a um caixa único, a ser usado a critério do governo. E não é pouco. Até 2015, esse percentual de desvinculação era de 20%. Com a elevação para 30%, aprovada em 2016, a subtração de recursos passou de uma média de R$ 63,4 bilhões ao ano (entre 2013 e 2015) para R$ 99,4 bilhões. A propósito, o governo utiliza esses recursos da maneira correta?

Se somarmos essas ações às atuais políticas que não conseguem retomar o crescimento, nem amenizar a abissal taxa de desemprego, está posto um indiscutível deficit no sistema.

E sabem por que a Anfip não considera os gastos com aposentadorias e pensões dos servidores públicos no Orçamento da Seguridade Social? Porque Regime Próprio (RPPS) e Regime Geral (RGPS) são coisas distintas, tanto que se encontram em artigos de Títulos distintos na Constituição Federal (Artigo 40 (Da Organização do Estado), financiamento das aposentadorias e pensões dos servidores públicos; e Artigo 195 (Da Ordem Social), financiamento da Seguridade Social e, obviamente, da Previdência do Regime Geral).

A montagem dos números referentes aos gastos da Previdência, os considerados “oficiais”, infelizmente está nas mãos do governo, que utiliza da sua própria “metodologia criativa” para emplacar um modelo que não condiz com o Estado de bem-estar, reduzindo a letra morta os direitos sociais previstos na Constituição e estabelecendo, de maneira mais intensa, o desequilíbrio social. A construção de um conceito de déficit, de aposentadorias precoces, de crescimento demográfico, cumpre o papel de motivar questionamentos. Na visão desses poucos, a previdência não é justa, ela é apenas uma “alocação orçamentária”. É a mesma lógica utilizada quando o senhor Appy afirma que a economia obtida com a redução da corrupção e dos privilégios é pequena diante das despesas previdenciárias. Difícil acreditar que alguém possa considerar como irrelevantes fatos tão significativos para o país como é o caso do combate à corrupção. Então quer dizer que ela é válida somente se gerar lucros?

É preciso ter um olhar na previdência, parte da Seguridade, para além dos “cifrões”. Estamos falando de um sistema onde os constituintes estabeleceram o mecanismo de financiamento tripartite (empregado, empregador e governo). A partir desse aspecto, cabe ressaltar a ampla importância do Estado como garantidor de direitos e mantedor da dignidade da pessoa humana.

A Previdência Social precisa, sim, ser aprimorada periodicamente para se adequar a novas conjunturas socioeconômicas. Mas antes de se pensar em qualquer tipo de reforma, devemos concentrar esforços numa política inclusiva, com maior formalização e menos informalidade, melhoria nas rendas advindas do trabalho, redução da rotatividade do mercado formal, melhores condições de trabalho, da saúde do trabalhador, maior fiscalização (coibindo sonegações). De imediato, assegurar o retorno de um crescimento, com valorização do trabalho e redução do desemprego. Mas com uma política de “Austericídio”, como a que o governo optou, fica difícil almejar qualquer melhoria.

E os pontos mais severos da proposta de reforma da previdência não é aumento da idade mínima do Regime Geral ou o tamanho da aposentadoria dos servidores. O que está em jogo é algo muito grave: elevar idade mínima de contribuição para 25 anos, desconsiderar a penosidade e o início precoce da atividade rural; desconsiderar questões de gênero; estabelecer regras que praticamente impedem o cidadão de se aposentar. Isso é corrigir previdência, senhor Appy? A previdência privada, e seus adeptos, não vêm a hora de a reforma ser aprovada!

A Anfip não camufla números para justificar ideais. O deficit ou o superavit é resultado da aplicação fiel de um Orçamento embasado no que reza a Constituição. Seja qual for o resultado dessa equação, continuaremos pautados na legalidade. Ignorar preceitos fundamentais em defesa de mudanças apenas em um lado da balança, o da despesa, desprezando a necessária gestão da receita, é querer permanecer atrás das cortinas do interesse social. O Estado Democrático de Direito não pode ser reduzido a um produto segundo a lógica mercantil.

*Floriano Martins de Sá Neto – Auditor fiscal da RFB e presidente da Anfip

O que o feminismo tem a dizer sobre os rumos da economia atual?

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O lado invisível da economia (Editora Alaúde), da jornalista sueca Katrine Marçal, questiona o modelo masculino do pensamento econômico e discute como a economia ignora o trabalho duplo das mulheres ao gerir carreira e família. “Os homens sempre tiveram permissão para agir em nome do interesse pessoal – tanto na economia quanto no sexo. Para as mulheres, essa liberdade é um tabu. […] As mulheres nunca tiveram permissão para ser tão egoístas como os homens. Se a economia é a ciência do interesse pessoal, como a mulher se encaixa nela?” (Trecho do livro)

Considerado o Freakonomics feminista, o livro O lado invisível da economia, lançamento da Editora Alaúde, questiona o modelo masculino do pensamento econômico. Nele, a jornalista econômica sueca Katrine Marçal explica como as bases teóricas da economia ignoram a mulher, cujo papel era cuidar do lar. Séculos depois, essa mesma lógica continua excluindo a mulher, que precisa fazer jornada dupla ao gerir carreira e família. Com linguagem envolvente e perspicaz, e recheada de dados, a autora explica o funcionamento do mercado baseado na figura do homem econômico e defende que a única solução para uma sociedade mais igualitária é um pensamento econômico mais feminista.

Para provar seu ponto, a jornalista parte de uma pergunta levantada por Adam Smith, pai da economia moderna: “Como você consegue o seu jantar?”. Ao afirmar que é o interesse pessoal do açougueiro – sua vontade de lucrar – que faz a carne chegar à mesa, Smith se esquece de uma peça-chave na trajetória de seu jantar: era sua mãe que fritava o bife.

Segundo Katrine, o mercado é na verdade construído sobre uma economia invisível, já que as mulheres não começaram a trabalhar apenas em meados do século passado, elas só mudaram de emprego.

E “se quisermos um retrato completo da economia, não podemos ignorar o que metade da população faz durante metade do tempo” afirma Katrine. A autora ainda levanta dados como os da agência de estatísticas nacionais do Canadá, que descobriu que o valor do trabalho não remunerado no país variava de 30,6 a 41,4% do PIB (dependendo da forma de medição).

Mas o livro não explora apenas o problema da mão de obra feminina, mas as bases sobre as quais a economia como ciência foi fundada e o que o feminismo pode fazer para transformá-la. Se as mulheres tivessem tido a oportunidade de participar mais ativamente do desenvolvimento dos modelos econômicos, a figura do “homem econômico” poderia ser bem diferente, e, para a autora, isso explica por que a economia atual funciona muito mais para os ricos do que para os pobres, e muito mais para os homens do que para as mulheres.

Provocativamente feminista, a obra explora desde o estabelecimento da economia como ciência até a mais recente crise financeira mundial para defender a necessidade de uma nova abordagem para os problemas econômicos mundiais.

O lado invisível da economia já foi traduzido para mais de 15 idiomas. Foi um dos nomeados para o August Prize em 2012 e em 2013 ganhou o Lagercrantzen Award por seu “estilo provocador e pessoal, que desafia e seduz o leitor com a ousadia e segurança de seu domínio intelectual”.

Sobre a autora

Katrine Marçal é jornalista e apresentadora de TV. Ela trabalha para o Dagens Nyheter, principal jornal da Suécia. Também apresenta um programa para o canal EFN, canal de TV sueco sobre finanças e política. O trabalho de Katrine foi descoberto por um editor sueco em um blog alimentado por ela enquanto ainda era estudante da Universidade de Michigan. Ela começou a trabalhar para jornais suecos aos 22 anos. Aos 25, publicou seu primeiro livro, Rape and romance [Estupro e romance]. Ela já foi editora-chefe do jornal sueco Aftonbladet, no qual escrevia sobre política, economia e feminismo.

Sobre a Editora

Com mais de 10 anos de tradição no mercado editorial, a Alaúde vem desenvolvendo um catálogo sólido e diversificado, com títulos de destaque na área de gastronomia, saúde, filosofia prática, espiritualidade, automobilismo, desenvolvimento pessoal e profissional. Para mais informações, visite o site www.alaude.com.br.