O GOVERNO TERÁ QUE APRENDER A DIZER NÃO

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Por mais que o governo tente, não consegue convencer o mercado de que melhorou a qualidade do gasto público. Os números provam que a expansão das despesas do Tesouro com a máquina não para de crescer. Embora, em comparação com países desenvolvidos, a quantidade de servidores federais não seja tão discrepante, o Poder Executivo, que hoje tem cerca de 601 mil funcionários ativos, de 2002 para cá, incorporou mais de 124 mil novos trabalhadores. Hoje, existem 99.505 cargos, funções de confiança e gratificações – 30.574 criados a partir de 2002 -, que desfrutam de uma série de benefícios.

A Presidência da República, de onde deveria vir o exemplo, também não economizou. Em 1997, tinha 5.370 servidores. Com a inclusão de vários órgãos em sua estrutura, atualmente conta com 18.428 pessoas à disposição, segundo dados da Associação Contas Abertas.. Os gastos com publicidade do governo federal, em 2014, foi de aproximadamente R$ 1,1 bilhão, montante 10% superior ao desembolsado em 2013. Este ano, apesar do ajuste fiscal, já foram gastos nessa rubrica R$ 234,5 milhões.

Nos cálculos da Associação Contas Abertas, no total, há muita gordura que poderia ter sido cortada em 2014, em passagens e diárias, festas, premiações e conferência e até em cópias de documentos. “Há, no entanto, entraves históricos que a União não consegue eliminar e que impedem a expansão dos investimentos”, explicou Gil Castello Branco, presidente da Associação. Entre eles, lembrou, perduram problemas que vão desde projetos básicos mal elaborados, morosidade da justiça, formação inadequada dos gestores públicos e legislações ultrapassadas. Além da inusitada queda de braço entre Executivo e Legislativo.

“Isso tudo acontece porque falta gestão. Alguns ajustes na administração pública, quando acontecem, são feitos só para atender pretensões políticas, sem estudos ou critérios. É uma lógica difícil de ser entendida pelos investidores internacionais, o que torna a equação do ajuste fiscal inviável”, criticou Castello Branco. Humberto Falcão Martins, especialista em gestão pública e diretor do Instituto Publix, lembrou que, no mundo inteiro, estudos apontam que os subsídios do Estado a projetos sociais acabam causando desequilíbrios fiscais.

“No Brasil, sem dúvida, o serviço da dívida e os gastos com a folha de pagamento drenam parte significativa dos recursos públicos”, disse Martins. Além disso, o problema mais grave é a má distribuição: há gente demais em setores onde não há necessidade, e pessoas de menos, em projetos fundamentais para o Estado. Nas duas situações, há anos, os sucessivos governos não tem conseguido gerir um processo eficiente para tirar a produtividade desse pessoal”, destacou Martins. E se as mudanças no quadro não ocorreram até o momento, agora será muito difícil fazer com que elas se concretizem para valer.

O que se verificou, cujas consequências o país agora paga um alto preço, foram “as políticas influenciadas por reivindicações sindicais”. Ou seja, reestruturações de carreiras, com altos impactos aos cofres públicos, que não podem simplesmente ser cortadas. “O governo agora terá que aprender a dizer não. E ter a noção clara do limite e da prudência”, aconselhou o diretor do Instituto Publix. Tarefa que não será fácil, diante de uma campanha salarial de servidores públicos federais dispostos a tudo para ganhar o maior pedaço do bolo.

Falcão Martins lembrou que tem um conceito econômico chamado de “tragédia dos comuns”, caracterizado pela prática do “pego o meu primeiro”, nas situações em que os recursos estão escassos. “A catástrofe orçamentária é uma modalidade da tragédia dos comuns, que acontece em situações extremas. Ela está iminente. Estamos vivendo um jogo destrutivo difícil de avaliar”, lamentou.

Uma das possíveis saídas, disse, será o governo fazer uma espécie de jogo da verdade para explicar o que e como irá fazer, na tentativa de colher o menor prejuízo político possível, e se esforçar para construir um pacto de governabilidade. “Nunca a gestão foi tão necessária para melhorar a qualidade do gasto público. Por outro lado, esse talvez seja o pior momento para enfrentar uma campanha salarial com um funcionalismo que tem como pilar a isonomia. O governo terá que encontrar saídas racionais, retomar o lugar de destaque e voltar a pautar a agenda do país”, afirmou Martins.

Brasília, 08h00