O planejamento governamental no Brasil está ruim, mas pode piorar

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A principal proposta do governo Temer, a do teto fiscal, prevê a estabilização do gasto público apenas com a correção inflacionária, sendo que o descumprimento da meta deve ser absorvido, em grande parte, pelo congelamento das remunerações dos servidores públicos. Um modelo de plano que não estabelece compromissos com resultados, a falta de uma institucionalidade para qualificação dos investimentos públicos e um corpo de servidores que assume como maior preocupação a não realização de despesas tendem a produzir um quadro de paralisia e ineficiência.

Luiz Fernando Arantes Paulo*

Foi aprovado no Senado Federal e encaminhado para a Câmara dos Deputados um Projeto de Lei Complementar que estabelece normas gerais sobre plano, orçamento, controle e contabilidade pública, a fim de regulamentar o art. 165 da Constituição Federal que trata do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual. De autoria do senador Tasso Jereissati, teve seu conteúdo substancialmente alterado pelo substitutivo nº 3 da Comissão de Assuntos Econômicos, de autoria do senador Ricardo Ferraço. Esse projeto chegou à Câmara dos Deputados no último dia 28 de junho (PLP 295/2016) e deve tramitar em regime de prioridade.

Meritório em sua intenção, na sua redação atual o projeto tende a cristalizar inconstitucionalidades e equívocos cometidos nos últimos anos, especialmente com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, e com o novo modelo de Plano Plurianual, a partir de 2012.

Com relação ao PAC, o maior equívoco foi sepultar a avaliação prévia dos projetos de investimento, que tinha sido implementada em 2005 e que condicionava a previsão de recursos orçamentários a um parecer positivo de uma Comissão de Monitoramento e Avaliação, composta por membros do Ministério do Planejamento, da Casa Civil da Presidência da República e do Ministério da Fazenda. No intuito de “acelerar” os investimentos e atender demandas político-eleitorais, os projetos do PAC foram dispensados de avaliação prévia, e como a história hoje pode testemunhar, o desempenho foi pífio.

No projeto original do senador Tasso Jereissati estava prevista a implementação de uma Central de Projetos, uma espécie de Comissão de Monitoramento e Avaliação nos moldes do que existiu antes do lançamento do PAC, agora protegida pela institucionalidade de Lei Complementar, que exige maioria absoluta dos parlamentares para aprovação ou modificação. O substitutivo aprovado no Senado, contudo, excluiu a previsão da Central de Projetos, resumindo-se a atribuir ao Poder Executivo federal competência para definir metodologias, normas e procedimentos para orientar uma pré-avaliação dos investimentos.

Esse retrocesso volta a jogar a decisão sobre os investimentos públicos ao puro impulso político, que dado ao frenético tempo eleitoral no Brasil, não tende a reservar qualquer espaço para análises técnicas, que demandam uma maior maturação.

Com relação ao novo modelo de Plano Plurianual, inaugurado com o PPA 2012-2015, o governo federal deixou de se organizar para a resolução dos problemas que obstaculizam o desenvolvimento e apresentar compromissos de resultados para se limitar à apresentação de uma lista de intenções, não necessariamente articuladas, de entrega de bens e serviços. Nesse particular, contraria frontalmente a Constituição Federal, que em vários dispositivos estabelece que a administração pública deve se pautar por uma gestão por resultados. Nesse sentido, o PLP 295/2016 pode cristalizar esse retrocesso, ao adotar entre seus dispositivos conceitos do atual modelo que contrariam o espírito da Constituição Federal.

Para completar o quadro preocupante, a principal proposta do governo Temer, a do teto fiscal, prevê a estabilização do gasto público apenas com a correção inflacionária, sendo que o descumprimento da meta deve ser absorvido, em grande parte, pelo congelamento das remunerações dos servidores públicos. Há certamente mérito no estabelecimento de um teto para a despesa pública, contudo, há sérios obstáculos a serem considerados. Um modelo de plano que não estabelece compromissos com resultados, a falta de uma institucionalidade para qualificação dos investimentos públicos e um corpo de servidores que assume como maior preocupação a não realização de despesas tendem a produzir um quadro de paralisia e ineficiência.

Ainda há tempo de organizar institucionalidades para apoiar o sucesso desejado com o estabelecimento da emenda constitucional do teto fiscal, mas para isso, os deputados federais e a sociedade civil devem dedicar a atenção necessária ao PLP 295/2016. E o governo federal não pode, e não deve, se omitir.

*Analista de Planejamento e Orçamento no Governo Federal desde 2004, com passagens pela Advocacia-Geral da União e pelos ministérios do Planejamento e da Previdência Social. Atualmente em exercício no Ministério da Saúde. Formado em Direito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub), com especialização em Gestão Pública pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e pós-graduação em Análise de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ministrou treinamentos em planejamento estratégico e gestão por resultados na Enap e Agências da Organização das Nações Unidas (ONU).