Ministro da Justiça não pode ser chefe da AGU

Publicado em Servidor

“Se a AGU coubesse dentro do Ministério da Justiça, sendo o ministro da Justiça a aprovar, como autoridade, os pareceres por sua vez aprovados ou mesmo elaborados pelo advogado-geral da União, então as atividades de consultoria e assessoramento jurídico de todos os ministérios do Poder Executivo Federal acabariam submissas ao ministro da Justiça. Ter-se-ia uma deturpação do status constitucional da AGU, por diminuição de sua condição institucional outorgada pelo Poder Constituinte Originário e, simultaneamente, uma deformação da igualdade entre ministérios, por excesso de valorização do Ministério da Justiça”

Thiago Cássio D’Ávila Araújo*

Há rumores de que a Advocacia-Geral da União (AGU) poderia vir a ser integrada a algum ministério em futura reforma administrativa, talvez até mesmo por sua inserção no Ministério da Justiça. Rumores são o que são, não possuem confirmação oficial. Ainda assim, como estudo, resolvi analisar a hipótese, à luz da Constituição Federal de 1988.

O ministro da Justiça é mencionado duas vezes na Constituição Federal, uma vez como integrante do Conselho da República e outra como integrante do Conselho de Defesa Nacional. O Ministério da Justiça, como órgão, não é mencionado pela Constituição Federal de 1988.

Isso significa que o Ministério da Justiça, apesar de toda a sua importância funcional e histórica, não tem status constitucional. Em complemento: observe-se que, ainda que na Constituição seja mencionado o ministro da Justiça, é-o em relação aos citados Conselhos, estes sim, órgãos com status constitucional.

O advogado-geral da União é mencionado pela Constituição Federal por cinco vezes. Não como ministro de Estado, mas como cargo constitucional próprio, claramente diferente do cargo de ministro de Estado, como se percebe no parágrafo único do art. 84 da Constituição.

Verbis:

“Art. 84. …
Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.” (Grifei)

A ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO tem por chefe o Advogado-Geral da União. Está expresso no art. 131, § 1º, da CF/88:

“Art. 131. …
§ 1º – A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.” (Grifei)

Não pode a AGU ter por chefe um ministro de Estado, seja o ministro da Justiça ou qualquer outro. Tal seria claramente inconstitucional.

Além disso, a AGU não é mero órgão, que possa ser transformado em secretaria do Ministério da Justiça ou de qualquer outro ministério. A AGU não é mero órgão, repita-se. É instituição.  Assim tratou dela o Poder Constituinte Originário:

“Art. 131.

A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.” (Grifei)

A palavra “instituição” é usada, por exemplo, para o Ministério Público. Vejamos a Constituição:

“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

O ministro da Justiça não representa a União em juízo, nem constitucionalmente, nem legalmente. Não tem mandato ex lege. E tal atribuição é dada à AGU, constitucionalmente, nos termos do caput do art. 131 da CF/88, que, por sua importância, novamente transcrevo, com novos destaques:

“Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.” (Grifei)

O ministro da Justiça não ocupa a tribuna do Supremo Tribunal Federal. Em se tratando de defesa de constitucionalidade de lei ou ato, tal é prerrogativa funcional constitucional do Advogado-Geral da União.

Diz a Constituição:

“Art. 103. …

§ 3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.” (Grifei)

O advogado-geral da União em hipótese alguma pode estar subordinado ao ministro da Justiça. Isso seria inconstitucional. Ninguém haverá de imaginar o advogado-geral da União recebendo ordens do ministro da Justiça, ou de qualquer outro ministro de Estado, sobre como deve ser feita tal defesa, de constitucionalidade de norma legal ou ato normativo, nem qualquer outra defesa em juízo. Nem tampouco poderia o ministro da Justiça avocar tal competência, porque é competência funcional de natureza constitucional, do advogado-geral.

Não podem os cargos de advogado-geral da União e ministro da Justiça serem fundidos, ou tais nomeações recaírem sobre a mesma pessoa, pois a Constituição trata do advogado-geral
independentemente dos ministros. A nomeação de ministros de Estado está prevista inclusive em dispositivo diferente. O § 1º do art. 131 trata da nomeação do advogado-geral da União e
o inciso I do art. 84 e o caput do art. 87 versam sobre a nomeação de ministros de Estado, nos termos da CF/88.

A propósito, nas competências constitucionais dos ministros de Estado, não constam as atividades jurídicas, de representação judicial da União, nem de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo (incisos I a IV do parágrafo único do art. 87 da CF/88). Como tais são competências constitucionais da AGU, também não poderiam ser atribuídas a ministro de Estado, como, por exemplo, o ministro da Justiça, nem por ato do presidente da República, nem mesmo por lei.

E a Constituição Federal também conferiu à AGU “as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo” (art. 131, caput). Se a AGU coubesse dentro do Ministério da Justiça, sendo o ministro da Justiça a aprovar, como autoridade, os pareceres por sua vez aprovados ou mesmo elaborados pelo advogado-geral da União, então as atividades de consultoria e assessoramento jurídico de todos os ministérios do Poder Executivo Federal acabariam submissas ao ministro da Justiça. Ter-se-ia uma deturpação do status constitucional da AGU, por diminuição de sua condição institucional outorgada pelo Poder Constituinte Originário e, simultaneamente, uma deformação da igualdade entre ministérios, por excesso de valorização do Ministério da Justiça.

A Constituição impõe que a AGU seja instituição própria, isto é, sem vinculação a qualquer ministério, tendo por chefe o advogado-geral da União.

*Thiago Cássio D’Ávila Araújo – Procurador Federal (PGF/AGU), em Brasília/DF.