Credito: Netflix/Divulgação. Cenas da minissérie Olhos que condenam. Credito: Netflix/Divulgação. Cenas da minissérie Olhos que condenam.

Séries sobre eventos reais causam reações fora das telas

Publicado em Séries

Atrações como Chernobyl, Olhos que condenam e Bandidos na TV revivem histórias reais e retomam discussões acaloradas e até mesmo novos desdobramentos

Produções audiovisuais baseadas em histórias reais não são uma novidade. Pelo contrário, esse é tipo de recurso bastante utilizado em séries, minisséries e filmes. O que tem chamado a atenção no cenário atual é como esses produtos que estão disponíveis na televisão e no streaming têm gerado repercussão e até reviravoltas em torno dos acontecimentos verdadeiros.

Lançada em 31 de maio no catálogo da Netflix, a minissérie Olhos que condenam, da diretora Ava DuVernay, se destacou antes mesmo da estreia. O motivo foi a escolha do tema da produção, que retrata a história de cinco jovens negros, Korey Wise, Antron McCray, Yuseff Salaam, Raymond Santana e Kevin Richardson, que foram condenados entre cinco e 14 anos de prisão pelo estupro de uma mulher no Central Park em 1989.

Crédito: Netflix/Divulgação

A história podia até não ser muito conhecida do público brasileiro, mas, nos Estados Unidos, a narrativa ficou marcada como um dos maiores erros da história jurídica norte-americana. Os cinco foram condenados pelo crime, mesmo sem o terem cometido. Isso porque os jovens foram vítimas de uma teoria criada pela promotora Linda McCray, que, mesmo sem provas, acreditava na participação dos meninos, que, com exceção de Korey Wise, estavam no parque na noite do crime. Para que os jovens admitissem o estupro não cometido, eles sofreram agressões físicas e psicológicas na delegacia, numa abordagem sem a presença dos pais e dos advogados.

Apenas 13 anos após a condenação errada, o verdadeiro culpado apareceu, o que resultou na absolvição dos cinco, já homens, em 2002. Korey Wise, Antron McCray, Yuseff Salaam, Raymond Santana e Kevin Richardson foram indenizados pelo estado de Nova York depois de 25 anos. Em compensação, mesmo com o erro exposto, a promotora Linda McCray, uma das principais responsáveis pela penalização errônea do quinteto, nunca teve a vida mudada por conta do caso. Quer dizer, até agora…

Repercussão

Após a exibição da minissérie na Netflix, que se tornou o maior sucesso dos Estados Unidos desde o lançamento do serviço, 30 anos depois daquele fatídico 19 de abril, pela primeira vez Linda e Elizabeth Lederer, procuradora do caso na época, tiveram suas vidas modificadas. Uma semana depois do lançamento da produção, Elizabeth anunciou em uma carta enviada aos alunos que não voltaria a dar aulas na faculdade de direito da Universidade de Columbia. A decisão foi uma resposta ao pedido da associação de alunos negros de afastamento da professora. Já Linda McCray, que se tornou uma famosa escritora de romances policiais, pediu a demissão de vários conselhos aos quais pertencia, depois da criação de uma petição on-line para que ela fosse processada, e ainda foi desligada da editora Penguin Random House.

Os quatro episódios de Olhos que condenam também serviram para abrir o debate sobre a invisibilidade dos jovens negros no mundo, os que mais morrem e os mais encarcerados do planeta. O que era a intenção da cineasta Ava DuVernay, como ela admitiu no especial When they see us now com Oprah Winfrey: “O objetivo era criar algo que realmente movesse as pessoas e as fizessem avaliar o que elas pensam e como elas se comportam no mundo”.

Resposta

Em meio à expectativa dos últimos episódios de Game of thrones, a HBO lançou a minissérie Chernobyl. Como o próprio nome indica, a produção de Craig Mazin retrata os acontecimentos antes, durante e depois do acidente nuclear de grandes proporções que aconteceu em 26 de abril de 1986 na central elétrica da Usina Nuclear de Chernobyl, localizada na cidade de Pripyat, no norte da Ucrânia, que, na época, fazia parte da União Soviética.

Em formato de ficção, Chernobyl revela detalhes que tiveram impacto nas consequências do acidente — que matou oficialmente 31 pessoas e tantas outras em decorrências da contaminação —, como o fato de a União Soviética ter feito de tudo para esconder a tragédia e, por isso, ter demorado para evacuar a população que estava próxima à usina. Tudo para não admitir um erro e não divulgar informações extremamente secretas.

Parte dessa história já havia sido contada em Surviving disaster: Chernobyl nuclear disaster, produção da BBC, que revela os áudios de uma grande reportagem gravada pelo físico Valery Legasov, um dos personagens da minissérie e chefe da comissão que investigou o desastre, que se matou dois anos após o incidente.

A exibição dos cinco episódios da minissérie criou uma polêmica com os russos. Em resposta à produção, o canal NTV anunciou que lançará uma série para contar a história, que eles alegam ser a real. Alexei Muradov, cineasta escolhido para o “projeto-resposta”, comentou em entrevista aos veículos russos sobre a produção. “Uma teoria sustenta que os americanos haviam se infiltrado na usina nuclear e muitos historiadores não negam que, no dia da explosão, um agente dos serviços de inteligência do inimigo estava presente na estação”, afirmou ao explicar que a produção mostrará espiões do CIA infiltrados na usina no dia do acidente.

História brasileira

Em formato de série documental, a Netflix lançou também recentemente Bandidos na TV. A produção conta a história do deputado, ex-policial militar e apresentador Wallace Souza, que virou um fenômeno em Manaus, no Amazonas, à frente do programa policial Canal livre, uma espécie de pai de atrações como Balanço geral.

A narrativa, que tem quatro episódios, se destrincha sobre a trajetória de Wallace que passa pelo auge, batendo a audiência da Globo com o Canal livre e sendo eleito três vezes deputado estadual, até o declínio, quando o apresentador foi acusado de liderar uma organização criminosa, que encomendaria assassinatos para que Wallace exibisse no programa de tevê.

2019. Crédito: Netflix/Divulgação. Cultura. Cena da série documental Bandidos na TV.

Por ter os dois lados, Bandidos na TV abre espaço para dúvidas. Apesar de a justiça manauara garantir que o apresentador, que morreu em 2010 em São Paulo em decorrência de uma parada cardíaca, tinha envolvimento com o crime organizado, a produção mostra diversos personagens que levantam o questionamento se isso realmente era verdade ou apenas uma perseguição política.

Caso semelhante
Essa não é a primeira vez que uma série tem repercussão sobre a vida real. Em 2015, quando Making a murderer, série documental sobre Steven Avery, que cumpriu pena de 18 anos de prisão em uma condenação injusta de agressão sexual e tentativa de homicídio, foi lançado na Netflix, a produção trouxe uma reviravolta ao caso. Parte do público assinou uma petição on-line pedindo a reabertura do processo. Neste ano, Avery conquistou na Justiça o direito de apelar contra a condenação, pedindo um novo julgamento.