Há três temporadas, a protagonista de Insecure, Issa Dee, tenta provar seu valor num mundo machista
2016. Crédito: HBO/Divulgação. Issa Rae na série Insecure. Há três temporadas, a protagonista de Insecure, Issa Dee, tenta provar seu valor num mundo machista Há três temporadas, a protagonista de Insecure, Issa Dee, tenta provar seu valor num mundo machista

Séries e novelas levam para ficção a condição social da mulher

Publicado em Programas

Por
Adriana Izel
Vinicius Nader

Séries e novelas levam para ficção discussões importantes sobre feminismo, assédio e a nova condição social da mulher

Definitivamente a “mulher de verdade”, atualmente, não é necessariamente uma “Amélia”, daquelas que se dedicam somente à vida doméstica em detrimento de sonhos profissionais e pessoais. Só é assim se ela quiser. E ela geralmente não quer — quer, sim, lutar pelo seu espaço e combater práticas abusivas que, em últimas consequências, levam a casos de feminicídio que tanto nos chocaram nos últimos dias.

A televisão pede passagem nessa discussão e, com cada vez mais frequência, nos apresenta a personagens que trazem à tona temas atuais e relevantes, como assédio, feminismo e violência contra a mulher. Produções como a série documental Quebrando o tabu, o seriado Insecure e até mesmo a novelinha teen Malhação são exemplos.

Série documental Quebrando o tabu é exibida às segundas, no GNT
Série documental Quebrando o tabu é exibida às segundas, no GNT

Em dez episódios exibidos no GNT, às segundas-feiras, às 23h30, a série documental Quebrando o tabu discute temas atuais, como privacidade, feminismo, aborto, LGBTfobia sob o prisma das redes sociais. A produção apresenta, de forma descontraída, opiniões divergentes sobre os temas propostos em cada episódio. A discussão continua — ou às vezes começa — na página homônima do Facebook, que contabiliza cerca de 9 milhões de seguidores.

O episódio de Quebrando o tabu previsto para amanhã é Prostituição é profissão?. A equipe da série viaja vários pontos do Brasil para discutir a regularização da profissão e para entender sobre a exploração do trabalho sexual.

Da realidade dura documental para a ficção, a série Insecure, da HBO, chegou semana passada à terceira temporada. Na comédia, Issa Dee (Issa Rae) é uma jovem negra que enfrenta os preconceitos de gênero e racial para se destacar na vida profissional. Ela ainda tenta se empoderar para viver em paz com ela mesma e assumir que pode ser feliz solteira. A protagonista conta com a ajuda da melhor amiga, Molly (Yvonne Orji), nessa batalha pela igualdade. Issa Rae foi indicada ao Emmy de atriz em comédia pelo papel.

Para todas as idades

É importante que todos os públicos sejam tocados por essa temática. Na atual temporada de Malhação, Vidas brasileiras, a personagem Verena (Joana Borges) foi vítima de assédio por parte do professor de história Breno (Marcelo Argenta). A discussão começou com a dúvida da menina se Breno estava sendo gentil ou assediador, passou por julgamentos de colegas e familiares e depois veio à tona a questão de denunciar ou não o docente à polícia.

“A história da Verena não foi escrita à toa. Ela levanta questões extremamente delicadas e recorrentes no Brasil e que atingem diariamente milhares de mulheres. Assédio, cultura do estupro, machismo, feminismo são temas de imensa importância e que merecem ser tratados com muita responsabilidade. Por isso tentei ter o máximo de cuidado com essas cenas e trazer o máximo de realismo para elas. Queria que outras garotas assistissem à Verena e se identificassem. Entendessem que ninguém pede para ser assediada, abusada; que a culpa nunca será da vítima, não importa a roupa que ela esteja usando, curta ou não”, afirmou a atriz Joana Borges, em entrevista ao Próximo Capítulo.

A atriz comemora o fato de ter ajudado adolescentes que passam pelo mesmo problema da personagem. A abordagem na produção voltada a jovens pode ajudar a despertar nesse público a consciência de que o combate à violência contra a mulher é de todos. E não é ficção. “Todo mundo deveria ser feminista: homem, mulher. O feminismo está aí para lutar por direitos iguais para os gêneros, não para valorizar um em detrimento do outro. O feminismo questiona, escancara antigos preceitos, pensamentos enraizados e ultrapassados que pela vida inteira subjugaram a mulher, resignando a ela um lugar inferior, de submissão ao homem, ao marido”, finaliza Joana.

Outras produções

Saia justa

Apresentadoras do Saia Justa
Apresentadoras do Saia Justa

O programa do GNT por si só tem como objetivo dar visibilidade às questões do mundo das mulheres sob o ponto de vista de uma mesa de debate formada por Mônica Martelli, Gaby Amarantos, Astrid Fontenelle e Pitty. Desde o início deste ano, a atração conta com o quadro Treme Gaby, em que a cantora reconstrói músicas machistas numa temática feminista. “São discursos muito importantes e que precisam ser ditos. Precisa desenhar, sim, porque parece que as pessoas não entendem que chega de assédio, que tem de respeitar as manas. Está sendo uma parada bem didática”, explica a paraense.

TV Mulher
Exibido entre 1980 e 1986 na Rede Globo, a atração foi criada com foco no público feminino e teve entre a equipe mais marcantes nomes como Marília Gabriela e Marta Suplicy. Em 2016, o Canal Viva produziu uma versão contemporânea com apresentação de Marília Gabriela, mas mantendo o mesmo formato de debater assuntos atuais para as mulheres brasileiras.

Malu Mulher
O seriado da Globo marcou época no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980 com a história de Malu, personagem de Regina Duarte. A protagonista era uma mulher forte e à frente de seu tempo, que buscava viver sua vida sozinha após se divorciar do marido Pedro Henrique (Dennis Carvalho), de quem sofreu agressões verbais e físicas. Em duas temporadas, a atração mostrou os desafios e as dificuldades enfrentadas por Malu em uma sociedade machista.

Big little lies
Sucesso na grade da HBO no ano passado, a minissérie Big little lies está disponível no serviço on-demand do canal e tem tudo a ver com o momento atual no Brasil. A história acompanha um misterioso assassinato na pequena cidade de Monterey, na Califórnia. Entre os assuntos abordados, há um destaque para a violência física e sexual sofrida pela personagem Celeste Wright (Nicole Kidmand) pelo marido Perry Wright (Alexander Skarsgård). O tema rendeu vários prêmios à atração e também aos atores, entre eles, o Emmy.

Leia entrevista completa com Joana Borges

Malhação trouxe à tona o assédio de um professor a uma aluna
Malhação trouxe à tona o assédio de um professor a uma aluna

A Verena, sua personagem de Malhação – Vidas brasileiras, trouxe uma discussão séria e oportuna sobre assédio. O que acha de produções voltadas ao público jovem, como Malhação, discutirem temas como esses?
Acho muito importante. A história da Verena não foi escrita à toa. Ela levanta questões extremamente delicadas e recorrentes no Brasil e que atingem diariamente milhares de mulheres. Assédio, cultura do estupro, machismo, feminismo são temas de imensa importância e que merecem ser tratados com muita responsabilidade. Por isso tentei ter o máximo de cuidado com essas cenas e trazer o máximo de realismo para elas. Queria que outras garotas assistissem à Verena e se identificassem. Entendessem que ninguém pede para ser assediada, abusada; que a culpa nunca será da vítima, não importa a roupa que ela esteja usando, curta ou não.

Quando a quinzena da Verena foi ao ar, chegou a receber muito retorno de meninas que foram abusadas ou de mães e pais preocupados? Como lidou com isso?
Recebi muitas mensagens de meninas, e até de meninos, falando que já passaram por situações parecidas e que ficaram felizes de verem esse assunto sendo retratado em Malhação. Para mim, foi uma alegria imensa sentir que consegui representá-los de alguma forma.

Você chegou a passar por alguma situação de assédio em qualquer esfera (moral, sexual, etc) na vida real?
Infelizmente, assédio está sempre na nossa vida, não é? Somos assediadas em várias situações, em maior ou menor grau.

Verena é feminista, luta pelos direitos femininos e deixa isso bem claro. Como é você com relação a isso?
Sou feminista, claro! Todo mundo deveria ser feminista. Homem, mulher, sobretudo mulheres! O feminismo está aí para lutar por direitos iguais para os gêneros, não para valorizar um em detrimento do outro. O feminismo questiona, escancara antigos preceitos, pensamentos enraizados e ultrapassados que pela vida inteira subjugaram a mulher, resignando a ela um lugar inferior, de submissão ao homem, ao marido. O mesmo pensamento que até hoje faz com que homens ganhem mais do que mulheres, mesmo realizando o mesmo trabalho dentro de uma mesma empresa; que quer justificar um estupro perguntando o que a vítima estava vestindo no momento em que foi atacada; o mesmo pensamento que até hoje faz milhares de casos de feminicídio pelo país.

Verena é atleta que sonha em ir para as Olimpíadas. Você pratica algum esporte?
Na adolescência era bastante adepta dos esportes. Depois que saí de casa, fui perdendo esse hábito. A Verena reacendeu isso em mim. Faço musculação para ter tônus muscular e vou começar a natação.

O fato de Malhação reunir tantos atores da mesma faixa etária faz com que o elenco seja mais unido? Vocês saem juntos, se veem fora dos estúdios?
O pessoal é muito bacana. Com a rotina intensa de gravações, estamos sempre juntos. Depois do trabalho, é comum emendar um barzinho, um restaurante ou só reunir na casa de alguém para papear. E o mais legal é que o elenco adulto acompanha muito! São muito animados e queridos.  

Você tem 23 anos e a Verena é mais nova, está na época de fazer vestibular. Como é interpretar uma personagem que está numa fase pela qual você já passou? Facilita?
Fazer uma adolescente, mesmo já tendo vivido essa fase, é um desafio para mim. Tenho todo cuidado para não infantilizar, mas ao mesmo tempo, não posso encarar as questões dela pensando com a cabeça da Joana, de 23 anos e que mora sozinha. A cada cena dela, procuro me deslocar da minha mentalidade e experiências para poder vivenciar uma adolescente ali, um tanto ingênua, doce e inocente.

Você praticamente emendou Malhação e Deus salve o rei. Como fazer para se desligar de um personagem e entrar em outro completamente diferente?
Foi tranquilo porque as produções estavam dialogando para não haver nenhum problema de horário, de uma gravação bater com a outra. E eu estava atenta às duas personagens, muitíssimo diferentes uma da outra. Idades, personalidades e temperaturas distintas. Difícil confundir. Tanto a Tila como a Verena foram presentes maravilhosos.

Você é jornalista e escreveu um livro-reportagem, Esta não: Um retrato de crianças e adolescentes fora do perfil de adoção no Brasil. Como foi essa experiência?
Tive um insight depois de uma reportagem que fiz com amigos para um programa de rádio. Queríamos fazer sobre um tema que tínhamos curiosidade e percebi que pouco ou nada sabia do sistema de adoção no Brasil. Depois de concluída essa reportagem, percebi que queria continuar a pesquisa, conhecer mais pessoas, histórias, e acabou virando tema do trabalho de conclusão de curso de jornalismo e do livro. Foi cerca de um ano e meio estudando as leis, tirando dúvida com juízes e advogados, e conhecendo histórias de famílias adotivas.

O fato de você ser jornalista muda a sua relação com a imprensa enquanto atriz?
Acho que fico mais preparada para responder algumas perguntas e tento ser o mais cuidadosa possível para dizer exatamente aquilo que pretendo, sem dar espaço para outras interpretações. Infelizmente não é incomum que haja alguma distorção daquilo que é dito de forma espontânea, inserido dentro de um contexto específico. Comigo, felizmente, tive poucos casos de distorções. Acho que o fato de ser também jornalista pode contribuir para um sentimento de generosidade e empatia durante as entrevistas e no resultado final. Tenho muito respeito e admiração pela área comunicação e, principalmente, nas entrevistas presenciais, consigo sentir mais ainda uma reciprocidade.