O versátil ator Gabriel Falcão vai de Juacas a Se eu fechar os olhos agora

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Em entrevista ao Próximo Capítulo, o ator Gabriel Falcão diz que busca variar cada personagem e faz uma declaração de amor ao teatro clássico. Confira!

Olhe bem para o Edson de Se eu fechar os olhos agora, minissérie que termina nesta terça-feira (30/4) na Globo. O rapaz da taciturna e bela minissérie é prometido à filha do prefeito, que não quer saber dele. Sensível, ele logo percebe que tem algo de estranho no casamento dos pais, Geraldo (Gabriel Braga Nunes) e Adalgisa (Mariana Ximenes).

Agora repare no surfista Enzo, da segunda temporada de Juacas, do Disney Channel. O esportista faz parte da equipe Carpe Diem e chega à trama disposto a conquistar o Campeonato Anual de Ondas Super Surfe (CAOOS).

Os dois têm em comum a versatilidade do ator Gabriel Falcão a serviço da arte. Como se não bastasse, o rapaz de 28 anos está em cartaz com o espetáculo musical Meu destino é ser star, com canções de Lulu Santos.

Em entrevista ao Próximo Capítulo, Gabriel Falcão fala sobre a carreira, sobre política cultural e sobre a importância de revermos clássicos como Shakespeare. Confira!

Leia entrevista com o ator Gabriel Falcão!

Gabriel Falcão e Mariana Ximenes em Se eu fechar os olhos agora
Gabriel Falcão contracena com Mariana Ximenes em Se eu fechar os olhos agora

Você está no ar em Juacas e em Se eu fechar os os olhos agora ao mesmo tempo. Como consegue tanta diversidade num veículo que muitas vezes engessa o ator num determinado tipo de papel?
É realmente um desafio porque para cada linguagem e cada obra é preciso se reinventar, entender as nuances de cada projeto e entrar em sintonia com a proposta da direção e dos autores e autoras. Mas sempre foi o que eu enxerguei como sendo um ator de sucesso: aquele que consegue transitar entre as diversas possibilidade desse ofício, desde o teatro musical até séries de suspense, passando por novelas e filmes e o que mais for possível.

Se eu fechar os olhos agora foi uma das primeiras séries da Globo a ser disponibilizada na íntegra no Globoplay. Acha que isso, de alguma forma, atrapalha a trajetória da minissérie na televisão?
Pelo contrário. Acho que foi uma grande aposta de inovar no formato de apresentação. Cada vez mais o público está se acostumando com a ideia do streaming, de acessar o conteúdo onde e quando quiser para assistir no ritmo que bem entender. É um momento de transição tecnológica e cultural muito grande e a Globo vem inovando e se adaptando a um mundo em mudanças muito rápidas.

E sobre Juacas… A segunda temporada está aí. O que pode dizer sobre seu personagem?
O Enzo, meu personagem, vem pra participar do campeonato de surfe com a sua equipe e ele não vai medir esforços pra conquistar o objetivo de ter o troféu de campeão. Acho que, se eu falar mais alguma coisa, vou estragar as muitas surpresas da história, mas ele vai gerar muitas reviravoltas com o seu temperamento e as suas atitudes.

A série se passa no universo do surf. Você surfa ou aprendeu surfe para a série?
Eu surfo desde criança, cheguei mesmo a participar de campeonatos quando era mais novo. Antes de decidir ser ator, quase fui surfista (risos). Então, para mim, uma das maiores alegrias em participar dessa série foi poder mostrar um pouco esse meu lado quase desconhecido e falar sobre o universo do surfe, que é algo tão importante na minha vida desde muito novo.

Você esteve em O despertar da primavera e em Les misérables e agora atua em Meu destino é ser star. Uma das mudanças acenadas pelo presidente Jair Bolsonaro na antiga Lei Rouanet corta incentivos para musicais. Como isso pode impactar na produção desse gênero no país?
Acho que é sempre importante atualizar e verificar os mecanismos de incentivo cultural para acompanhar o volátil cenário do mercado de cultura no país. Mas me parece que, com esse novo teto de orçamento, 60 vezes menor do que o limite anterior, a produção de grandes espetáculos e eventos vai ser muito prejudicada, sendo que essas grandes produções normalmente empregam centenas de pessoas e geram um retorno financeiro ao governo superior ao valor captado.

Muita gente critica a Lei Rouanet. Você também é produtor. Qual é a importância dessa lei para o teatro brasileiro?
Sempre, ao longo da história da civilização, a arte necessitou de apoio financeiro por parte dos detentores de maior poder econômico. Justamente para que ela possa nos ajudar a refletir sobre questões essenciais e muitas vezes incômodas. É fundamental não precisar depender apenas do retorno monetário do público. Sem isso, todos saímos perdendo.

Em Meu destino é ser star você canta o repertório de Lulu Santos. Ele chegou a dizer a vocês o que achou do espetáculo? Como foi?
Sim. Quando ele foi nos assistir, ficamos da coxia olhando para a plateia, tentando ver as reações dele ao espetáculo – e por várias vezes ele aplaudiu de pé! No final, ele foi ao camarim falar com todos nós e estava extremamente feliz e muito emocionado com a interpretação que nós demos à obra dele… Foi inesquecível!

Por ser popular, o repertório do espetáculo é conhecido do público, que sabe as letras, ao contrário do que acontecia em O despertar da primavera e Les miserábles. Isso de alguma forma atrapalha quem está no palco ou a plateia não chega a cantar junto com vocês?
Não chega a atrapalhar, mas é algo um pouco incomum. Então, nas primeiras apresentações eu estranhei um pouco. No momento em que eu e Jéssica Ellen cantamos De repente, Califórnia, por exemplo, eu vou até a beira do palco, bem perto do público, e sempre consigo ver e ouvir as pessoas cantando comigo – mas a gente acaba se acostumando. Hoje em dia eu adoro! Ouvir o coro da plateia cantando com você é uma energia muito especial e mostra que estamos todos juntos vivendo as emoções desse personagem.

Você se formou na Royal Academy of Dramatic Art (RADA), de Londres. Como foi essa experiência?
Foi muito transformador porque atuar numa peça de Shakespeare falando o inglês original do século 16 foi um grande desafio, apesar de eu ser fluente em inglês desde a adolescência. Além disso, o rigor que os atores britânicos têm com o estudo e a preparação é uma coisa que eu levo pra minha vida: todo dia eles estão se aprimorando, estudando, preparando o corpo, a voz, as emoções. É realmente um trabalho muito difícil, porque o seu instrumento é você mesmo! O cuidado que um violinista precisa ter com o seu violino é o mesmo que um ator precisa ter com o corpo, com a mente, com o coração… E ter sido aluno das mesmas salas onde estudaram atores e atrizes do porte de Anthony Hopkins, Vivien Leigh, Ralph Fiennes e Tom Hiddleston (a lista é enorme) é uma grande honra e uma responsabilidade imensa. Estar à altura desse time é o que mais me motiva a seguir arriscando e me aprimorando.

A obra de Shakespeare até hoje é remontada nos palcos e serve como base para inúmeras novelas. Como ela continua tão atual?
Acho que ela é atual porque, além de Shakespeare ter sido um grande poeta e conseguir colocar em palavras a forma mais perfeita de expressar um sentimento, ele era um grande conhecedor da alma humana, e conseguia, em cada peça, nos mostrar a essência daquele dilema que estava ali representado através dos personagens. A dificuldade de Hamlet em decidir o que fazer; o sofrimento de Romeu e Julieta em não poderem viver um grande amor; o arrependimento de Macbeth; o ciúme de Otelo; a maldade de Ricardo III… Ele conseguiu levar cada personagem ao ponto mais essencial das situações humanas, e isso nos ajuda a entender melhor nossas próprias angústias e dilemas.

A formação de público é um dos grandes desafios do ator/produtor de teatro no Brasil atualmente. Como fazer para driblar isso?
Acredito que precisamos incentivar o consumo da cultura nacional. Hoje em dia, devido à globalização e às inovações tecnológicas, o mercado cultural internacional é basicamente dominado pela indústria de entretenimento norte-americana (embora, aos poucos, as plataformas de streaming estejam mudando isso, incentivando produções locais com exibição mundial). E isso em si não é um problema porque, de fato, os EUA se especializaram em produzir obras audiovisuais e teatrais de grande qualidade técnica e artística. Mas é sempre importante lembrar que nós temos uma bagagem histórica e cultural específica, e que quanto mais conhecermos as nossas raízes e nossos frutos, melhor poderemos enfrentar os muitos desafios que o nosso país tem pela frente. Consumir cultura nacional é um dever de todos os brasileiros que realmente querem melhorar o país e ampliar sua compreensão de si mesmos.

Em Como a gente gosta, você traduziu um texto de Shakespeare. Você também atua e produz. Ser multifacetado é uma marca da sua geração?
Não sei se é algo da minha geração – afinal, acho que sempre existiram pessoas que cultivaram habilidades em áreas diferentes, desde pelo menos Leonardo da Vinci (risos). Mas certamente é o que eu quero pra mim: versatilidade não só na minha carreira como ator, mas também nas muitas outras coisas que eu gosto de fazer, como música, poesia, meditação, projetos sociais. Tenho pra mim que a vida é uma só, mas se a gente explorar ao máximo nossas potencialidades podemos viver o equivalente a muitas vidas de uma só vez – e quem sabe até deixar uma marca pra posteridade, por ter feito o mundo um pouco melhor.